A ergonomia dos nossos conjuntos de pesca

Não é um assunto de menor importância. Porque há cada vez menos peixe, a necessidade de aproveitarmos as oportunidades que surgem é cada vez maior.
O nosso desempenho em acção de pesca depende da nossa capacidade técnica, mas também em grande parte do equipamento que utilizamos.
Fabricantes de renome dedicam a aspectos relacionados com esforço físico uma atenção redobrada. Sabem bem que um conjunto desequilibrado na mão é inevitavelmente uma fonte de problemas.
A qualidade dos materiais hoje é extrema, nada têm a ver com aquilo que se fabricava há dez anos, nem sequer há dois.
Canas e carretos cada vez mais leves, cada vez mais fiáveis, com design só possível pela utilização de componentes técnicos sofisticados, em que o kevlar, o carbono de alto módulo, o titânio e outras ligas leves imperam.
O conceito LT, Light & Tough da Daiwa veio para ficar, e muitos outros fabricantes entenderam que era chegado o momento de evoluir, de produzir melhor, de avançar para materiais mais leves e resistentes, sob pena de ficarem a jogar um jogo de segundo nível.
A concorrência no Japão é tremenda e os melhores engenheiros são disputados ao cêntimo.

O assunto que trago hoje ao blog é apenas um acessório. Mas que pode ajudar-vos imenso se souberem tirar partido dele: um apoio de mão da Shimano, o X-Seat.



Este é o aspecto de uma cana com o acessório incluído. Vem montado de fábrica e existe em quatro versões diferentes, para mão esquerda ou direita, com relevo mais alto ou mais baixo.


Não foi uma surpresa para mim, que tive oportunidade de o testar em Osaka, e constatar o conforto acrescido que traz a uma pesca em que durante horas se imprimem movimentos verticais a um jig.
Aumenta de facto a performance da cana, e os japoneses não perderam tempo a incluir o acessório em diversos tipos de canas, desde jigging a pesca com carreto eléctrico. Acredito que venha a generalizar-se, porque faz sentido.
O que está em causa é concretamente o conceito de aderência e apoio da mão, colocando no lugar certo uma quantidade e forma de material sólido que preenche espaços que de outra forma ficariam em branco, vazios, forçando a mão a adaptar-se a eles, ou seja, criando tensões acrescidas. Se quiserem por outras palavras, criando stress onde e quando ele é dispensável.
Há muito tempo que me venho a ocupar de tornar os punhos das minhas canas mais ergonómicos. Não terei a mão nem maior nem menor que os meus caros leitores, mas sempre tive a sensação de que poderia fazer algo por melhorar a pega. E há muitos anos comecei a fazer isso, recorrendo a diversos tipos de materiais, sempre rematados com o vulgar grip aderente das raquetes de ténis. Esse tipo de fita, próprio para manter uma boa pega em mãos transpiradas, foi aquilo que me resolveu algumas das questões que a mim próprio coloquei, sob o tema “aderência”. E isso é mais importante doi que pensam.
Consigo dividir este assunto em dois vectores diferentes: o trabalho de rotina, de dar vida aos jigs, e que pode durar horas, e o momento da ferragem, que exige de nós um esfoço acrescido, e sobretudo zero falhas no momento decisivo.
O peixe dá uma ajuda, quando quer comer com entusiasmo e se lança desabrido sobre o nosso jig. A violência de um pargo que morde bem é quase sempre suficiente para espetar pelo menos um dos anzóis. Eles costumam aparecer-nos cravados em mais que um assiste, mas isso é também e quase sempre resultado da luta a que se entregam até chegarem cá acima. O importante é que pelo menos um anzol esteja cravado.
Para assegurarmos isso, há que ferrar, há que pressionar o peixe que quer descer forçando-o a subir. É o resultado destas duas forças antagónicas, e da qualidade dos nossos anzóis, que irá ditar a boa ou má ferragem. Sejamos frios e realistas: o anzol tem de penetrar fundo no peixe, de ficar bem cravado.
Está na nossa mão decidir qual o momento certo e qual a intensidade com que o fazemos. Há pessoas mais rápidas de reflexos que outras, e nesse momento crítico, ser proactivo pode ser uma vantagem enorme.
Conheço pessoas que não conseguem libertar-se do estigma de terem pescado muitos anos com isca, e por isso, ao sentirem um ligeiro toque, ficam à espera de algo mais. Que não acontece, porque o peixe já percebeu que há ali algo errado.
Morder uma peça de metal só faz sentido para o peixe…antes de a ter mordido! Até esse momento, é um peixe vivo que escapa. A partir do primeiro contacto, passa a ser um ferro que não corresponde à matriz de contacto com as suas presas, algo que esse predador faz desde sempre.
Há que ferrar! Esse movimento contrário é aquilo que irá fazer com que o nosso anzol fique firmemente incrustado na pele, musculo ou preferencialmente osso do animal. Quanto maior e mais pesado o peixe, maior a sua boca, mais fácil é encontrarmos um ponto de apoio para cravarmos o anzol.
Mas também mais duras são as superfícies bocais do peixe. Há que vencer essa resistência, e só há uma forma de o conseguir: pressionando fortemente o punho da nossa cana. E para isso, é extremamente importante que a aderência da mão à cana funcione como um só bloco.


A cana deve ser o prolongamento do braço e mão. Se temos espaços vazios, isso obriga a uma pega diferente, com mais tensão nos músculos da mão e antebraço. Ou seja, cansa-nos inutilmente.


Recordo-vos que as picadas em jigging são ocasionais, bruscas, e que não são anunciadas. Podemos ter uma ideia vaga, pelo ritmo de pesca que estamos a ter, mas nada nos garante o momento exacto do toque.
Quando pesco em zonas minhas conhecidas, sei onde costuma estar o peixe, como pica e até que altura da pedra posso esperar contacto, e assim prever com alguma exatidão onde posso ter uma picada. Digamos que é fazer aquilo que já foi feito, repetir processos e obter resultados idênticos.
O peixe está em cardume ali, porque é o sitio certo para estar, pica naquele local, e sobe atrás do jig até àquela altura. Quando se repete uma centena de vezes, encontra-se um padrão.
Mas essas são condições óptimas, e poucas pessoas as conseguem reproduzir. Por isso, centremo-nos na questão que nos traz hoje ao blog, a pega da cana.
O XSEAT traz algo de inovador, e acredito que terá sido a rampa de lançamento para que os punhos das nossas canas passem a ser mais personalizados. Existem hoje em dia versões para destros e esquerdinos, porque não faria sentido que fosse de outra forma. Mas aquilo que é uma evidência, algo que nos parece lógico, não foi sempre assim, até alguém da Shimano ter arriscado a criar o acessório que vos mostro hoje.


Com uma pega normal, ficamos com o pulso a fazer um ângulo pouco natural. Com o X-Seat da Shimano, a pega é bem mais fácil, porque cria menos tensões.


Vejam abaixo a ideia do criador da peça. Aquilo que se desenha em computador, e que depois é passado para peças reais, é trabalho de muitos meses ou anos, por parte de engenheiros especializados. O objectivo final é ter um punho fácil de segurar e menos cansativo. A maior parte de nós não nota sequer que tem o pulso angulado e por isso em tensão extra. Assumimos isso como sendo algo necessário, uma consequência do acto de pesca.
Na verdade não é, é sim o resultado de equipamento não ergométrico. O problema acresce de importância no momento em que temos uma picada. Passamos a ter de fazer o mesmo, mas com mais carga aplicada.





Quando alguém consegue mudar um detalhe que vem alterar para melhor a nossa capacidade de resposta aos problemas técnicos que os peixes nos levantam, só temos de agradecer. Este é um desses casos, sendo que acredito piamente que dentro de anos teremos punhos específicos para cada tipo de mão, com assento com mais ou menos relevo. Irão aparecer os punhos sólidos, de uma só peça, calibrados para cada tipo de pega.
Se com isso conseguirmos mudar positivamente o nosso desempenho em acção de pesca, já valeu a pena.
Nos cursos de Light Rock Fishing que dou, chamo muitas vezes a atenção das pessoas para posturas incorretas. E estamos a tratar de jigs de poucos gramas, que não nos obrigam a um esforço acrescido, mas com jigs pesados esse factor não é de todo negligenciável.
É importante que o pulso se mantenha o mais recto possível, sem folgas, de forma a evitar tensões inúteis. Tudo o que não seja concentrar os nossos esforços em animar o jig, ou trabalhar o peixe, é esforço inútil.
Devemos procurar trabalhar com a nossa cana e carreto sentindo uma sensação de estabilidade, de boa retenção do nosso conjunto de pesca.
Isso irá ser decisivo no momento em que mais necessitamos de potência máxima: o momento imediatamente a seguir à surpresa da picada do peixe.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Antes demais, espero que esteja tudo bem e de saúde. Descrição e explicação fantástica, feita em TV não ficaria tão boa. Vou adquirir. Abraço grande. João Magalhães

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    1. Bom dia João Magalhães O raio da pandemia não nos dá um segundo de tréguas....


      Vai havendo uns peixinhos por aí, este ano tem sido muito interessante em termos de pargos e robalos.

      Vamos ver quando é que temos a possibilidade de ir lançar umas linhas juntos.
      Uma boa semana aí para esse lado!



      Abraço
      Vitor

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