Imaginem que são os donos de uma grande fábrica de equipamentos de pesca. Escolham a que quiserem, a Shimano, a Daiwa, a Zenaq, a Alpha Tackle, a que queiram. Vocês são os donos!
E a seguir imaginem que pretendem produzir para vós, para levar à pesca, para utilização própria, um conjunto topo de gama: cana, carreto, linha e anzol ou amostra que sejam pura e simplesmente…o melhor equipamento do mundo.
Algo que, à luz do conhecimento científico e tecnológico de hoje, seja mesmo o melhor que o ser humano consegue fabricar.
Imaginem que têm os melhores engenheiros de produção, a melhor tecnologia e maquinaria produtiva, e um acesso ilimitado aos melhores materiais. E, para que nada falte, ainda uma ausência absoluta de limitações financeiras para executar as peças de que necessitam para fazer uma saída de pesca memorável.
Escolham as marcas que quiserem, (no Japão existem algumas que estarão sempre à frente de todas as outras), mas aquilo que vão fazer é algo muito parecido com aquilo que vão ver a seguir.
Este conjunto (para pesca grossa com isca viva ou spinning médio/pesado) é constituído por uma cana Alpha Tackle Ultra V10 MPG, um carreto Daiwa Saltiga 8000 Expedition, e uma linha Daiwa Morethan. Dificilmente se poderá melhorar muito mais…à luz daquilo que se fabrica de série, que pode ser reproduzido diversas vezes. É um conjunto novo, que me parece ser muito equilibrado, e que vou utilizar nas minhas saídas de pesca. |
O trabalho dos engenheiros que produzem canas e carretos não é fácil. Desde logo porque navegam entre dois mundos completamente diferentes: aquilo que as fábricas sabem e gostam de fazer e aquilo que as pessoas conseguem comprar.
Estas são as duas balizas. No meio, estão pessoas, engenheiros de profissão, que foram contratados por uma Shimano, por uma Daiwa, por uma Alpha Tackle, uma Ticct. Foram contratados competindo com muitos outros engenheiros, também eles capazes de produzir boas canas ou carretos. Foram capazes de superar provas em que a sua capacidade técnica e conhecimento científico foram determinantes. Foram capazes de mostrar a sua criatividade, e em fábrica, em ambiente de trabalho, conseguiram demonstrar a sua grande habilidade em inovar, a sua capacidade de apresentar novas soluções e produtos diferenciados. Esses são os que são contratados, os que passaram com distinção provas individuais de competência, raciocínio, precisão. E são eles que trabalham dia e noite para poder justificar à fábrica, à marca que os contratou, que são mesmo os melhores. Quando falo com gente da Daiwa no Japão, falo com conhecedores, com especialistas. Eles sabem tudo aquilo que é possível saber ao dia de hoje, sobre canas e carretos.
Aquilo que me dizem e mostram vai muitas vezes para além dos produtos comerciais que conhecemos. Nunca pensem que aquilo que conhecem aqui na Europa, é tudo aquilo que se conhece ao nível de uma fábrica de vanguarda. Estamos longe disso.
Devemos sempre admitir que as marcas produzem protótipos de equipamentos que não chegam nunca às lojas. Ou porque a obtenção de componentes implicaria a existência de uma cadeia de logística que não existe ao momento, ou porque os custos finais do produto saem muito fora do valor de benchmark.
E o que é esta coisa do “benchmark”…..???
Falamos de um dado objectivo, um parâmetro que serve ao consumidor como ponto de referência quando pretende adquirir algo. Se é necessário aferir da qualidade ou nível de desempenho de uma cana ou carreto, recorremos ao benchmark.
É um indicador de performance, de evolução tecnológica, e acima de tudo, de comparação. Se um produtor de uma determinada marca lança um carreto no mercado, ele precisa de comprovar que efectivamente a qualidade e evolução tecnológica justificam o preço exigido. O indicador de benchmark serve de termo de comparação, tanto com outros modelos da marca, como com outros modelos da concorrência. Se o produto é apresentado como o melhor no seu segmento de mercado, o fabricante pode pedir por ele um valor mais elevado. Se entretanto alguém apareceu com uma cana ou um carreto com melhores características, então o preço deverá baixar e ser ajustado a uma posição subalterna de segunda linha. É de todo o interesse de um fabricante produzir material de pesca de alta qualidade. Com isso, pode elevar o seu preço, e conseguir que os milhares de horas gastos no seu desenvolvimento, no estabelecimento de cadeias de fornecimento de componentes, nos testes de mar, na formação de distribuidores autorizados, etc, serão rentabilizados, e que finalmente essa cana ou esse carreto irão dar lucro efectivo. É para isso que as fábricas trabalham, para dar lucro.
Os clientes que compram qualidade, comparam produtos. Não compram pelo preço mais baixo, algo que se sabe de antemão que não pode ser bom. Compram bom, ou muito bom, querendo pagar por esse produto o valor justo. É aí que entra o “benchmark”.
Trata-se de facto de um comprovativo de qualidade, de posicionamento no mercado, e um justificante do preço a pagar. Se alguém fabrica uma boa cana, aquilo que faz é publicitar essa cana, mostra os testes efectuados, fornece as evidências de que esse produto é mesmo o melhor do seu segmento, e de forma clara e aberta, precisa, explica a razão de ser do preço que pretende obter. Não adianta dizer que o carreto é bom, há que o demonstrar. E depois de o fazer, é o próprio mercado que o elege como número um, e pode cobrar o valor justo por ele.
Na obtenção de bons componentes, as melhores marcas trabalham afincadamente pois sabem que deles depende a performance final do produto que irão lançar.
Gastar tempo e energias do seu staff sabendo que os passadores da cana irão enferrujar ao fim de uma saída de pesca não faz sentido para quem passou anos e anos a lutar por ser uma bandeira do mercado mundial. Esses falhanços ficam reservados para marcas brancas, que hoje produzem canas e amanhã estão no negócio de lixívias. Muito típico de fabricantes chineses.
Não sei se têm ideia de que apenas as marcas de topo fabricam para si próprias, e ainda assim, não todos os componentes. As outras, aquelas que estão situadas a um nível intermédio, recorrem totalmente a material disponível no mercado, e fazem o assembling nas suas instalações.
Se existe uma fábrica de passadores como a Fuji, altamente especializada, e devidamente reconhecida, então as marcas recorrem a esta, dando-lhe indicações precisas sobre aquilo que pretendem para o seu modelo de cana. O mesmo se passa em relação a porta-carretos, a ponteiras, a colas, a sacos de protecção, etc.
Esta é a famosa MPG Ultra V10. Uma cana AlphaTackle de extrema qualidade. |
Não há fábricas japonesas de reputação elevada que façam concessões relativamente a produzir material de qualidade superior. O compromisso destas marcas é o de produzir bom. Dia após dia, os modelos são melhorados, as propostas de novas canas e carretos aparecem em catálogo, e isso significa que alguém aceita um desafio permanente de trabalhar sobre aquilo que já é bom. Gente que deita fora os moldes, que inova, que cria, que vai para além daquilo que é o conhecimento de hoje.
Quando falo com essas pessoas, sinto da parte delas um entusiasmo que transborda, que excede em muito aquilo que é ter um emprego e um salário. Eles gostam mesmo daquilo que fazem. Vibram quando lhes colocamos perguntas difíceis!
Estas pessoas fazem da sua experiência profissional um campo de batalha de ideias. As marcas necessitam objectivamente de ter o melhor produto. De estar classificadas em primeiro lugar no “benchmark”.
As marcas gastam milhares de horas em testes de mar, a aperfeiçoar os seus produtos. E os engenheiros das fábricas adoram desafios! Isso é algo que uma empresa chinesa nunca fará: inovar. Eles copiam e produzem barato. Há uma diferença enorme entre produzir material especializado, de alta tecnologia, e material para venda em supermercados de consumo que também vendem canas ou carretos.
Quando falamos de marcas conceituadas, falamos de gente que apresenta a cada estação uma ideia completamente diferente, desafiadora daquilo que já é conhecido. Eles produzem materiais hoje, para as próximas gerações.
Apresentei-vos em Setembro do ano passado um conceito novo, a marca G- Craft, japonesa claro, que é detentora do vários recordes do mundo de lançamento de amostras. Há uma cana em exposição na GO Fishing Almada. Vão vê-la…
Esta gente recorre a materiais como o Toray, um composto de carbono inovador, que irão ver aplicado em canas nas nossas lojas de distribuição de produtos de pesca, ….daqui a 10 anos.
Na verdade, aquilo que limita as pessoas não é o conhecimento daquilo que é bom, é o orçamento. É facilmente perceptível que existem materiais melhores que outros.
Por vezes, para melhorar um pequeno detalhe as marcas trabalharam milhares de horas. Quando tudo parece perfeito, o líder do gabinete de pesquisa e desenvolvimento pode perfeitamente lançar uma sugestão e dizer “ E…se fizéssemos isto mas …umas quantas gramas mais leve”?...
O objectivo é sempre o de estar um passo à frente da concorrência, conseguir ganhar os favores de todos aqueles que adquirem equipamentos de pesca, não pelo seu preço, não olhando em primeiro lugar para a etiqueta com o valor de custo, mas sim para a performance técnica do material.
O que é que o valor de “benchmark” tem a ver com canas ou carretos chineses de 10 euros? …
Nada.
Vítor Ganchinho