O Ike jime japonês é um método ancestral de preparação de peixe cujo fundamento é mantê-lo fresco durante mais tempo. Assenta na paralisação da actividade nervosa dos peixes e na drenagem do seu sangue. Pretende-se preservar o sabor e a textura do pescado, e para isso, é necessário interromper a actividade do cérebro e da espinal medula do peixe. São estes os responsáveis pelos in-puts que irão descarregar elementos nocivos na carne. O grande segredo do bom sushi e sashimi é na realidade conseguir envelhecer o peixe, permitindo que as enzimas se quebrem, a humidade evapore, resultando isto num sabor mais concentrado. Falamos de técnicas cujo desenvolvimento chegou aos nossos dias, tendo sido iniciado, com o protocolo que hoje conhecemos, há 350 anos. Dificilmente se chegaria este ponto de evolução sem haver razões claras e objectivas para isso. Provavelmente não sabem, mas existe uma Federação de Ike jime, presidida pelo sr. Andrew Tsui, que explica que o Ike jime é o encadeamento de uma série de etapas de controlo da qualidade do peixe. Essas etapas são cumpridas para mitigar os efeitos das reacções bioquímicas que compõem a degradação natural do pescado.
A razão de o peixe ter mau cheiro advém do sangue deteriorado que existe nos seus órgãos internos e músculos, na sua carne. O “Ike jime” vem resolver esse problema, e consiste numa forma artificial, mas simples, de retirar rapidamente esse sangue.
Modo de actuar, em acção de pesca: mata-se o peixe através da introdução de um estilete no seu cérebro. A morte acontece numa fracção de segundos, sem stress desnecessário.
Em países asiáticos, existe neste momento um “boom” de atenção a este detalhe da preservação de pescado, por parte de quem pesca e traz para casa, para alimentação. Vendem-se milhares e milhares de conjuntos Tsumoto, a quem já descobriu as vantagens de cuidar do peixe. Mesmo a nível das peixarias profissionais, o número de clientes que insiste em comprar o seu peixe tratado como Ike jime, tem vindo a subir em flecha. Na verdade, não leva muito tempo, a quem sabe fazer. E mesmo a um iniciado não será difícil conseguir obter resultados satisfatórios. Basta ter o conjunto de acessórios certos, e a operação faz-se em segundos. Hoje vamos olhar em detalhe para estes acessórios, com alguma explicação técnica.
Este estilete é feito à mão, por um ferreiro, algo a que já não estamos habituados hoje em dia.
Especificações:
Comprimento total: 148mm
Largura de perfuração: 7mm
Largura do manípulo: 34mm
Peso: 38g
Material: Aço inox forjado
Outro modelo, menos artesanal, para fazer o mesmo, mas muito mais barato. |
A operação seguinte consiste em cortar as branquias, e a base da cauda.
Introduz-se o peixe num balde com água salgada. O sangue vai esvair-se aos poucos, permitindo que o peixe se mantenha em melhores condições. Pode mudar-se a água a espaços, no sentido de retirar o sangue vertido, caso contrário, os tecidos voltam a reabsorver o sangue diluído no líquido.
O método tradicional, chamado de Shinkei jime, (tradução à letra de Shinkei é nervos), promove ainda um melhor aproveitamento das qualidades gastronómicas do pescado, actuando sobre o seu sistema nervoso. No fundo, altera-lhe a fase de rigor mortis, e prolonga no tempo a sua fase de inevitável degradação.
Assim, após a técnica de Ike jime, de retirada do sangue, os japoneses destroem os nervos, utilizando para isso um fino arame rígido. Isso permite manter o peixe fresco durante muito mais tempo, em boas condições para consumo, para além de evitar o cheiro característico do sangue podre.
O arame rígido utilizado para esvaziar o canal por onde corre o sistema nervoso do peixe. |
As famosas facas japonesas. São lâminas muito aguçadas a exigir um cuidado extremo. A GO Fishing tem em stock em Almada conjuntos completos de facas a um preço que será cerca de metade do preço real ao consumidor. Podem ser adquiridas através da loja on-line em https://store.gofishing.pt/pt/ |
Eis a série completa, a preços que não excedem os 19 euros:
A GO Fishing Portugal tem em stock uma quantidade de geleiras Daiwa de alta qualidade, de vários tamanhos e cores, que mantêm o peixe fresco até 72 horas.
Se colocarmos alguns blocos de gelo no interior, ao fim de todo este tempo, ainda há gelo. O peixe mantém-se fresco e em perfeitas condições até chegar a casa, mesmo que a geleira fique ao sol.
Os injectores de água que irá limpar o peixe. |
Existem diversos modelos. Aqueles que foram criados pelo sr. Mitsuhiro Tsumoto são estes, e a diferença tem a ver com o tipo e peso do peixe a trabalhar. Esta é a legenda, da esquerda para a direita:
Agulha 1 - Para peixe de 100 a 300gr. Cavalas, sardinhas, carapaus, rascassos. O diâmetro na ponta é de 1mm.
Agulha 2 - Para peixe de 400 a 800 gr. Pequenas garoupas, sardas, parguetes, bicas, douradas. O diâmetro na ponta é de 1.5mm.
Agulha 3 - Para peixe de 1 kg a 3 kgs. Douradas grandes, pargos, peixe-galo, sarrajões, robalos. O diâmetro na ponta é de 2mm.
Agulha 4 - Para peixe de 2 kg a 5 kgs. Peixe mais largo e pesado: safios, atuns, meros, lírios, etc. O diâmetro na ponta é de 3mm.
A razão de ser da existência de vários diâmetros de ponteiras, ou “noozles”, prende-se com o facto de os peixes terem dimensões e pesos diferentes, bem como diferentes diâmetros no canal por onde passa a sua espinal medula.
Seria difícil trabalhar um pequeno peixe com um injector de grande diâmetro, porque não cabe no seu canal, da mesma forma que seria inútil tentar fazê-lo a um peixe grande, com uma ponteira demasiado fina.
Estes injectores são aplicados num engenhoso sistema de torneira que actua por pressão do polegar. A torneira liga a uma mangueira comum como podem ver na figura abaixo.
Este é o kit completo, pronto a utilizar. |
Pormenor da torneira para que fiquem com uma ideia da sua dimensão. Este “shooter” foi o primeiro modelo a funcionar a água. Os anteriores eram a ar comprimido. |
Diversas possibilidades de combinação de acessórios. O tamanho do peixe manda. |
Uma das maiores dificuldades de quem tenta este método é precisamente retirar o sangue que fica entre a barriga e a cauda. Sabemos que o sangue será o primeiro responsável pela putrefacção do nosso peixe, aquilo que se deteriora primeiro, e por isso há que ser rápido e actuar sem demoras. Objectivo: acabar com o “cheiro a peixe” característico.
Degustar peixe sem odor e sem germes, através do correcto tratamento. Esse é o objectivo. Fazer a drenagem do sangue revela-se um passo fundamental, e pode ser feito pelos restaurantes, mas também em casa, por quem pesca e pretende cozinhar. Trata-se de ter em casa o mesmo peixe que se aprecia num restaurante, preparando de igual modo.
No fundo é redescobrir o gosto pelo peixe, pelo seu sabor autêntico.
E é isso que vamos ver amanhã, já numa fase prática do método, mostrando como se faz.
Vítor Ganchinho