Como nasceu a linha de nylon?

Todos nós, sem excepção, utilizamos linhas de pesca nos nossos carretos.
A facilidade com que armazenamos centenas de metros de linha numa bobine de um carreto, a simplicidade com que lançamos ou recuperamos essa linha e trabalhamos um peixe sem risco de rotura é assombrosa e parece-nos que foi sempre assim. Não foi. Tivemos a felicidade de nascer depois dessa grande revolução que foi o surgimento do nylon.
E o que é isso da linha de …nylon? Todos a conhecemos mas poucos saberão como surge, de onde vem, e algo sobre a sua história. É esse o tema do blog de hoje, e espero que seja interessante para vós.

A linha de nylon é um poliamida, sintetizado há quase um século pelo químico americano Wallace H. Carothers. Concretamente em 1935.
O nylon, a primeira fibra têxtil sintética produzida, viria a revolucionar muitos sectores e não necessariamente só a pesca: Com efeito, veio a ser utilizado em artefactos que a um pescador podem até parecer estranhos: roupa interior, meias de vidro para senhoras, biquínis, calções, roupas desportivas, etc.
Conto-vos como surgiu: trata-se de um produto patenteado por uma empresa de nome Dupont. Esta empresa, nascida em 1802, fundada pelo sr. Éleuthère du Pont, começou por trabalhar numa área insuspeita e que nunca adivinhariam: a fabricar …pólvora!
A empresa passa por um processo de aquisição, (foi comprada por um grande produtor de nitroceluloses), e reconvertida à produção de tintas à base de celulose.
Este processo arrastou-se até ao início da 1ª Guerra Mundial. Nessa altura, começa então a actuar na fabricação de amônias sintéticas, e outros compostos químicos.
Após alguns anos de experiências, a Dupont começou também a tentar produzir um tipo de fibra sintética. O projecto fabril definia este promissor producto como …“rayon”.
É nessa altura, em 1927, que o Dr. Wallace Carothers sai da sua formação na Universidade de Harvard, e começa a trabalhar nesta fábrica. Dedica-se, por força da sua formação técnica, ao estudo de polímeros, a sua área de pesquisa preferida. Ao longo de 7 anos, ele e os seus colegas dedicaram-se ao desenvolvimento de poliésteres e poliamidas, na esperança de que dali viesse a surgir algo de suficientemente bom e ao mesmo tempo rentável. Em 1935, o primeiro fio de nylon foi produzido. Viria a ser patenteado apenas em 1938, sendo apresentado na New York World Fair, como a primeira fibra sintética: “ mais resistente que o aço, mais fina que uma teia de aranha e mais elástica do que qualquer fibra natural”… diziam.
Não deixa de ser curioso saber que, dos cerca de 400 nomes pretendidos e lançados para essa fibra, nenhum deles foi aprovado pelo comitê americano. Já em desespero, um dos membros do júri, o Dr. Gladding, terá sugerido o nome de “Noron”, mas que não recolheu unanimidade. Mudou então para “Nuron” e também não. E chegou-se então a “Nylon”! Se querem saber a verdade, trata-se apenas de uma junção de duas palavras….nomes de cidades. A empresa que patenteou este novo produto, a Dupont, tinha duas sedes, em Nova Yorque e Londres. E vai daí….NY..LON. Entendem?....
Se acham que daí resultou a primeira linha de pesca, estão enganados. O primeiro produto a sair da fábrica foram…escovas de dentes. E a seguir ainda não foram as linhas de pesca, foram…meias calças de senhora, aquilo a que chamamos “meias de vidro”. Não quero que desesperem, mas a seguir ainda não foi a vez das nossas queridas linhas de pesca: surgiu a segunda Guerra Mundial, e a fábrica foi rapidamente reconvertida para a produção de para-quedas, tendas de acampamento para os soldados, e cordas. E foi necessário esperar mais alguns anos até surgir o nylon como o conhecemos hoje.




Para que tenham uma ideia da complexidade de produção de uma vulgar e corriqueira linha de pesca, deixo-vos apenas espreitar ligeiramente pelo buraco da fechadura de uma fábrica. É algo como isto:

O nylon é obtido em diferentes combinações de diaminas com ácidos dicarboxílicos, sendo comuns a reação de hexametilenodiamina com o ácido adípico ou com o cloreto de adipoíla. Para o nylon "6,6" (estes números referem-se ao número de carbonos de cada um de seus constituintes, e com o ácido sebácico ou o dicloreto de ácido sebácico, alternativamente para obter o nylon "6,10", entre outras variações). A reação geral é:




É possível observar que tanto o ácido como a amina são constituídas por 6 Carbonos cada sendo que sua reação gera um produto com uma longa cadeia carbônica com 12 Carbonos.
Para que a fibra seja elástica e resistente, é necessário que o produto seja fundido em altas temperaturas e a longa cadeia carbônica do Nylon permite este alto ponto de fusão do material.
A secagem das Poliamidas antes da injeção do material é feita a fim de evitar o aparecimento de manchas nas peças, diferenças de viscosidade do polímero fundido e outros problemas típicos apresentados por materiais húmidos, principalmente no caso de materiais reciclados.
A secagem pode ser realizada por meio de estufas de bandeja, secadores de ar circulante, funis secadores ou desumidificadores sendo recomendado para o PA 6 e o PA6.6 um período de até 4 horas a 80 °C. O processo de secagem com tempo e temperaturas superiores ao recomendado pode causar o amarelamento do polímero.
Na maioria dos processos, após a injeção do material as peças são mergulhadas em água para que actue como plastificante do polímero, separando as cadeias moleculares e diminuindo a cristalinidade e a temperatura de transição vítrea (Tg) de um valor da ordem de 50 °C para 0 °C, fazendo com que uma peça rígida e frágil possa tornar-se elástica e resistente ao choque e estiramento, após esta hidratação.




O fio de nylon apresenta uma óptima resistência ao desgaste e à tracção. Esta última propriedade é facilmente percebida quando tentamos rebentar com as mãos uma linha de pesca.

O nylon e as demais poliamidas podem também ser moldados sob outras formas, além de fios, possibilitando a confecção de objetos como parafusos, engrenagens e inclusive pulseiras para relógios.

Tem ainda utilização em suturas de ferimentos, uma vez que é um material inerte ao organismo e não apresenta reação inflamatória como outros fios de sutura (ex.: vicryl, catgut, seda ou algodão).

Este fio pode ser tão resistente quanto o fio que forma a teia da aranha. Isto deve-se a uma certa semelhança química entre o nylon e as proteínas da baba da aranha. Os polímeros que genericamente são chamados de nylon são resultado da polimerização de ácidos dicarboxílicos alternadamente com diaminas, enquanto as proteínas são polímeros de aminoácidos.

Nylon:

…-NH-[CH2]n-NH-CO-[CH2]n-CO-NH-[CH2]n-NH-CO-[CH2]n-CO-NH-[CH2]n-NH-…


Proteínas da teia de aranha, em comparação:

…-NH-R-CO-NH-R'-CO-NH-R-CO-NH-R'-CO-NH-R4'-CO-…


Principais características do Nylon 6 e 6/6:




São os nipónicos os grandes dinamizadores da evolução das linhas. Na verdade utilizamo-las mais do que nos parece, em redes de camaroeiros, nas baixadas das nossas canas de jigging, nos coletes de segurança, etc. Reparem que no Japão, as manivelas dos carretos são quase sempre à direita. Na Europa é o inverso…


Concretamente em relação ao que nos toca, a pesca:

São efectivamente materiais de pesca fabulosos, com resistências insuspeitadas ao momento da sua invenção. Mesmo há poucos anos atrás poucas pessoas se atreveriam a vaticinar semelhante qualidade, e sabemos que ainda é possível melhorar este produto.
É verdade que os multifilamentos vieram substituir paulatinamente os antigos nylons, e que aos poucos estes têm vindo a ser menos utilizados, preteridos em favor dos fluorocarbonos.
A vantagem imediata destes últimos perante as tradicionais linhas de nylon, centra-se sobretudo na sua menor elasticidade, e na sua superior capacidade de resistência nas zonas dos nós, e à abrasão.
A resistência nominal do fluorocarbono é até inferior ao nylon, mas largamente compensada por outros factores, entre os quais a própria visibilidade da linha.

Não esqueçam que no caso dos nylons, o ponto da linha onde produzimos nós reduz em cerca de 30 a 35% a sua resistência. Atendendo aos dados inscritos nas bobines, já de si quase sempre altamente inflacionados pelos fabricantes, é bastante.
O estrangulamento provocado pela linha de nylon sobre si própria torna-a muito susceptível a roturas, mesmo em nós tecnicamente bem feitos. Por definição, um nó reduz efectivamente a resistência, limitando aquilo que se pode pedir a um polímero. Se quiserem, quando queremos partir uma linha num determinado ponto, fazemos aí…um nó. E ao darmos um esticão, parte nesse ponto.
A dado momento, os cientistas chegaram à conclusão de que seria possível conseguir melhores resultados com os hoje comuns…”trançados”. E a indústria avançou nesse sentido.
Muitos de nós não têm ideia de que são os asiáticos, e sobretudo os japoneses, quem fabrica a maior parte das linhas multifilares vendidas no mundo. E por esse motivo, inscrevem nas bobines os seus padrões de medidas, os seus PE`s. E porquê?

As linhas multifilares são compressíveis, tornando muito difícil, se não impossível, medir correctamente o seu diâmetro. Recordo que estamos a querer obter uma medida de um conjunto de fibras, normalmente muito finas, e sujeitas a grande margem de erro. Porque é difícil compatibilizar instrumentos de medida e obter um padrão exacto entre fabricantes. Falta uniformidade, falta regulamentação, no fundo falta obter dados precisos de medição, com tudo o que isso significa em termos de variação de condições de humidade, temperatura, etc.
Aquilo que se pode fazer é estimar com a máxima precisão possível, a medida milimétrica de uma linha, e a partir daí, criar uma tabela que seja seguida por grande parte dos fabricantes deste tipo de produtos. Os japoneses definem as suas linhas em medida PE, e, por força da necessidade que os europeus têm em “medir” com base nos seus padrões oficiais, criaram essa tabela de conversão #PE para milímetros europeus.

Para que tenham uma ideia, passo-vos um quadro onde podem consultar qual o diâmetro efectivo, em milímetros, da linha trançada que têm no vosso carreto.



Foi interessante? Vamos ver o que o blog “Peixe pelo Beicinho” vai trazer na próxima publicação...



Vítor Ganchinho



3 Comentários

  1. Como sempre e nada menos que um grande ensinamento, sempre aprender e em constante superação

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa tarde Carlos O objectivo é o mesmo de sempre: dar elementos úteis a quem lê, numa linguagem muito simples, entendível, para que se possam formar mais e melhores pescadores.
      Nunca houve tanta informação disponível, mas isso não quer dizer que seja toda boa. Há muita coisa que não vale a pena ser lida. Nós aqui no blog queremos estar do lado certo, do lado de quem emite opiniões com fundamento. A maior parte dos textos são escritos em cima de situações reais de pesca, de experiências vividas. Eu tenho 52 anos de pescador, ....e sou uma pessoa muito atenta ao que se passa à minha volta. Mais do que pescar peixes para dentro de uma caixa, interessa-me saber o porquê das coisas, quero saber por que razão eles estão ali... o que comem, a que horas comem, ...
      É dessa observação, daquilo que falo com pescadores de topo, daquilo que falo com os fabricantes dos produtos, e das análises que faço a todos os elementos que consigo reunir ...que saem os artigos para o blog.

      Como costumo dizer, há muito para escrever, porque o mar é muito grande.


      Abraço
      Vitor

      Eliminar
    2. Aproveito para desejar uma férias em grande, sei que o Carlos vai para o Algarve. Força aí nos robalos, com a cana de spinning. A primeira hora pela manhã, e a última hora ao entardecer são neste momento as melhores para conseguir peixes bons. É levantar cedo....

      Abraço
      Vitor

      Eliminar
Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال