O equipamento certo, nas mãos certas de alguém que vai ser um grande pescador!

Quando saí de casa no dia 06.06.21 às seis da manhã, confesso que o fiz com o coração algo apertado.
Não gosto de defraudar quem em mim confia para conseguir um bom peixe. Se em condições de mar favoráveis só Deus sabe a quantidade de pedras que é necessário revirar para conseguirmos uma boa peça, mais difícil é quando as perspectivas à partida já são algo negras. Tinha estado a pescar no dia anterior e a água, devido a uma persistente e fria nortada de alguns dias, estava mais suja que o costume.
Com este vento norte, a capa de água superficial fica gelada, na ordem dos 15ºC, reduzindo imenso a possibilidade de encontrarmos peixe a cotas mais superficiais.
E já se sabe que o aluvião do Sado, empurrado para sul por este vento ingrato, vai parar a todos os pesqueiros da baía, turvando por onde passa. Nada a ajudar, pois.
Água castanha, carregada de sedimentos e matéria orgânica que tanta falta fazem ao nosso mar, tanta vida criam, mas que muito incómodo causam a quem pesca com artificiais, na circunstância com jigs ligeiros. E era precisamente jigging aquilo que iriamos fazer nesse dia.
Contrariamente à pesca vertical com isco orgânico, emissor de cheiros, de rastos de partículas, o jigging trata-se de uma técnica de pesca que vive muito da boa visibilidade da água, da possibilidade de o peixe ver aquilo que lançamos para o fundo.
A ausência de cheiro da peça metálica e a obrigatória movimentação continua do jig, retirando-o rapidamente do campo de visão do peixe, não ajudam a obter capturas. No jigging, para conseguirmos resultados avultados e de excepção, sem dúvida o peixe tem mesmo de conseguir ver a amostra.
Ou estaremos a apelar a outros sentidos do peixe, também eficazes, mas apenas complementares, que obrigam a pescar de forma diferente, muito mais lento, apelando à linha lateral do peixe, que detecta vibrações, e não à sua visão.
As nossas condições de visibilidade normais, na Baía de Sesimbra e Setúbal são quase sempre suficientes. Mas se a visibilidade é muito reduzida, (e estava na ordem de um metro apenas), se o peixe não vê o jig que queremos que morda, a pescaria fica obviamente bastante comprometida.
Na circunstância a minha missão era ainda mais ingrata: iria nesse dia proporcionar a um grupo de miúdos de 12 a 13 anos a sua primeira experiência de jigging. Sabemos o quanto estas coisas podem ser decisivas para quem dá os primeiros passos na pesca com artificiais. Sabemos todos que uma má experiência inicial é o fim da linha. E como eu gostava de poder proporcionar uns peixes bonitos àquele grupo de cinco rapazes.

Mas há horas felizes. E também há pessoas que têm um entusiasmo enorme e trabalham o suficiente para merecer essa felicidade. Foi o caso de Luís D`Avillez de Almeida, um nome que de momento não vos diz nada.
É um jovem nascido em 12.03.2009. Os seus frescos 12 anos não o indicam como sendo a pessoa certa para nos surpreender com os seus peixes. E no entanto….
Já tínhamos saído um dia a outro tipo de pesca e fiquei agradavelmente impressionado com as perguntas técnicas que colocava na altura. Pelas questões que nos colocam conseguimos entender aquilo que lhes vai na alma, e aquilo que sabem.
Neste caso do Luís, porque é um miúdo que tem acesso a novas tecnologias e sabe utilizá-las, falamos de alguém que muito rapidamente irá absorver tudo aquilo que está publicado, que outros mais velhos e experientes escreveram, e irá partir daí para a criação do seu próprio estilo.
É muito interessante assistir ao despontar de uma estrela, (garanto-vos que o vai ser!!), ao crescimento de alguém que seguramente vai ser um dos grandes valores da pesca nacional. Aposto as minhas fichas todas nele, e sei que ganho.
A sua esmerada educação faz o resto, cativa-nos, predispõe-nos para o ajudar a dar estes seus primeiros passos no mundo dos peixes e do mar. A um corpo franzino de 1.38 mts de altura, magro, cabelo rebelde e ar de reguila, muito português, corresponde uma genica que ultrapassa em muito aquilo que julgamos caber naquele corpinho seco.
Revejo-me nele, faz-me lembrar a minha infância pelo entusiasmo, persistência, ânsia de saber mais e capacidade de luta. Os meios não são os mesmos, a juventude que aí vem tem acesso a uma quantidade e qualidade de informação de que não dispúnhamos quando tínhamos esta idade.
Isso é uma vantagem acrescida, enorme, e irá dar melhores pescadores no futuro. Os que nos seguem vão ser melhores que nós. Assim tenham ainda peixe.
O Luis dorme pouco e pesca muito. Se não está a procurar lingueirão nos baixios de Troia, está a lançar umas linhas de madrugada ao robalo. Ou a tentar as corvinetas do Sado com vinis.
Se a sua actividade regular é a escola, porque sim, nos tempos livres encontramo-lo sempre perto da água, a pescar, ou em casa a ler na net algo sobre pescas. É assim que eles se fazem, é desta massa que são feitos os bons pescadores nacionais.

A saída, que tinha tudo para não ser boa, acabou por resultar no maior robalo da sua vida, até ao momento. Ele irá fazer muito melhor, tem muitos anos de vida e de pescador pela frente, mas para já, colocou a fasquia a uma altura que nem todos ultrapassam durante uma vida.
Conto-vos o episódio, para que tenham a noção do quanto é importante estarmos ao lado dos jovens nos momentos de aflição e aperto. A presença de um adulto atento pode ser a diferença entre um dia de enorme frustração ou um dia memorável.
Equipado com um conjunto meu, extremamente ligeiro, (uma cana Daiwa de passadores invertidos com o módico peso de …85 gramas, um carreto Daiwa Saltiga Bay-jigging, com linha trançada 0.06mm e chicote de fluorocarbono Varivas de 0.28mm), preparado por mim na noite anterior de propósito para ele, lançou o seu jig All-BLue de 20 gramas em tons azuis com bandas brancas, (objectivo era ser mais flashing, mais chamativo, dada a falta de visibilidade da água), para o fundo.

Os seus colegas pescavam sobre um cardume de cavalas, e ferravam furiosamente os pobres bichos. Porque a técnica não é muita e o poder físico ainda menor, muitas das cavalas acabavam por se desferrar já encostadas ao barco. Dei-lhes a indicação que deveriam pescar um pouco abaixo do cardume de cavalas, porque poderia dar-se o caso de haver algo interessado em comê-las. E havia mesmo. Um deles trouxe à superfície um robalote de 600 gr.
Aquilo que seria uma captura banal, para devolver ao mar, foi o mote para uma discussão a bordo que envolvia os pesos dos jigs, as cores, e sobretudo o inevitável “ ele está no melhor sitio do barco!”….
O Luís, focado por completo no robalo do seu colega, deixou de prestar atenção ao que fazia. Reparei que deixou mesmo de recolher linha. Para mim, isso é sinal de jig inevitavelmente agarrado a uma pedra, encalhado à primeira ocasião, e a consequente perda do equipamento.
Insisti para que continuasse a recolher linha. Francamente acho que nem me ouvia, porque a sua antena estava toda sintonizada no robalo do colega, mas vi que a mão esquerda começou a mover a manivela. Nesse instante, uma pancada forte dobrou a cana por completo.
E, por absurdo, o Luís continuava a não querer saber, segurava a cana mas a sua cabeça continuava virada para o robalete do amigo. O pobre carreto largava mais e mais linha, acusando a carga.
Disse-lhe para se concentrar naquilo que estava a acontecer. Respondeu-me algo como “quero lá saber da cavala, queria era um robalo como o dele!”…
Não temos por cá cavalas que lhe façam à cana aquilo que ela estava a sofrer, a dobrá-la por completo, mas a cana era minha, não dele, e por isso apenas eu tinha a percepção de que algo muito maior estava ali a lutar pela vida.
O nosso jovem pescador não queria saber de cantigas, para ele era o robalo do colega e nada mais.
Parou de puxar o que estava na linha. Estava desinteressado de todo! Durante alguns instantes, o que estava a ser puxado para cima teve um momento de pausa, que poderia ter aproveitado para cuspir o jig. Insisti novamente “Luís, não deixes fugir o peixe!....continua a enrolar linha”. E ele de cara virada para trás, sem ligar patavina ao que estava a fazer.
Porque saiu muito fio, fiquei com algum receio de que o peixe conseguisse chegar ao fundo e romper o fino fluorocarbono do chicote nas pedras ásperas. Não aconteceu.
Linha Varivas 0.28mm corresponde em resistência a muitos graus acima de um nylon de baixo custo. A vantagem de pescar com linhas de alta qualidade é esta: dão-nos peixe, quando as outras rompem.
Aos poucos, o robalo começou a subir, dando umas cabeçadas, ameaçando juntar a ponteira com o cabo da cana, mas a dada altura tínhamos um bonito peixe à superfície.
E foi aí que os seus olhos se arregalaram e que finalmente entendeu a razão de eu insistir tanto para que se focasse no que estava a fazer. Pouco habituado a estas lides, deixou que o robalo afundasse ainda um pouco, desse mais uma ou outra volta desnecessária, mas felizmente a ferragem no jig Alll BLue tinha sido boa, e daí a pouco tínhamo-lo no camaroeiro. Tarefa concluída.


Podermos fotografar jovens com peixes destes nas mãos preenche-nos o coração. Deixa-nos interiormente muito felizes porque quer dizer que muitas coisas tiveram de correr bem, muitas estrelas tiveram de se alinhar para que o peixe pudesse ser aqui mostrado.


O trabalho de divulgação do jigging como modalidade de pesca alternativa à corriqueira pesca vertical, começa aqui, a partir destas idades. A GO Fishing Portugal está a fazê-lo, disponibilizando equipamentos de pesca completos, conhecimento, barcos, etc. Um dia pescar com um jig metálico será algo tão natural quanto pescar com uma minhoca.


Este foi o jig All Blue de 20 gramas que deu esta peça ao Luís.




Continuo a pensar que, muito melhor que sermos nós a pescar um bonito robalo, é deixar que seja outra pessoa a fazê-lo por nós. Um só peixe dá felicidade a duas pessoas: ao Luís que esforçada e brilhantemente o pescou e a mim, que estive ao seu lado, a sofrer por ele. Este peixe, inicialmente puxado à superfície com tanta displicência, poderia ter sido o causador de dois ataques cardíacos: desde logo o meu, porque sabia que vinha ali algo de grande, e também o dele, quando finalmente percebeu que esteve durante muitos segundos, olimpicamente, a desvalorizar o maior robalo da sua imberbe vida.
Um abraço cúmplice no fim é sempre sinal de um bom trabalho de equipa. Foi isso que fizemos.
Rimos juntos das peripécias da captura com a alegria de quem sabe que tudo podia ter corrido mal, o peixe poderia ter desferrado, poderia ter partido a linha, mas felizmente os anjos colocaram as suas mãos nas costas do Luís e deram-lhe uma ajuda.

Sei que fiz ali um amigo para sempre.



Vítor Ganchinho



8 Comentários

  1. Boa tarde,

    Vitor,

    É fantástico ver-mos as nossas crianças, seguir as nossas paixões. O meu mais novo deve começar ainda este ano.

    Abraço,
    A. Duarte

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    Respostas
    1. Olá António Faço questão de apadrinhar a estreia do seu filhote. Tenho muito gosto em ajudar a que o primeiro dia seja o "tal dia" em que tudo começou. Levo a minha Mafalda, que tem 11 anos e sabe de pesca mais que muitos dos meus amigos de 50 anos. Dá gosto vê-la pescar a fazer jigging, e a fazer uns peixes bons.

      Temos de combinar isso!



      Abraço
      Vitor

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    2. Boa tarde Vitor,

      Devido a trabalho, andei um puco ausente.
      Terei todo gosto em voltar a fazer uma saída na sua companhia e da sua filhota, mas aviso-o que o meu filho mais novo ainda é muito novinho (5 aninhos) e é muito intenso!:-)

      No fim de semana passado levei-o a dar uma volta de semi-rigido, ficou radiante!!!
      É um orgulho e uma satisfação imensa ver no olhar de uma criança (mais ainda sendo a nossa criança), a satisfação e magia que o mar transmite.

      Abraço,
      A. Duarte

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    3. São eles o nosso futuro!! António, se nós não os levarmos a eles, que é que vamos levar? Eu estou a sair quase todos os dias, o corpinho já me pede descanso.
      Mas como de costume, assim que recuperar vou estar pronto para as iscas. Amanhã saio outra vez. O mês de Setembro é muito bom, mete peixe interessante, vamos ver se conseguimos marcar a nossa saída.

      Abraço
      Vitor

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    4. E obviamente que vamos levar o seu pequenino. Queremos gente viva, com muita intensidade!! De moles e frouxos não reza a história. Eu na idade deles partia pedras com a testa...


      Abraço
      Vitor

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  2. Eu não estava habituado a equipamento de tanta qualidade. Aquilo parecia uma cavala grande! Só quando começou a tirar linha é que percebi que era algo maior e concentrei-me no meu peixe. Foi uma estupidez, Devia me ter concentrado no meu peixe desde o início.
    Muito obrigado por tudo!
    Luís

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    Respostas
    1. Bom dia Luis Eu é que tenho de te agradecer por me dares a possibilidade de te levar ao mar. Ter a oportunidade de fazer contigo e os teus colegas uma saída de jigging, partilhar a paixão que todos temos pela pesca é um privilégio. Creio não estar errado ao pensar que quem aprendeu mais fui eu. Vocês são novos, querem fazer tudo depressa, querem saber mais e mais e isso é tudo aquilo que eu era com 12 anos. Os anos passam-nos por cima e aprendemos a gerir as emoções, a encarar os ataques dos peixes como momentos em que devemos manter a calma e executar bem. Que pena. Como tenho saudades dos tempos em que nada me saía bem, em que os peixes me escapavam por cometer erros, por fazer asneiras que me custavam grandes exemplares. Como tenho saudades de sentir aquele nervoso miudinho que me fazia borboletas no estômago, quando tinha uma pancada forte na ponta da cana. Eu ficava super nervoso por pensar que o peixe podia fugir. E por isso mesmo, cometia erros e o peixe ia mesmo embora. Que saudades! Hoje, já são muito poucos os que têm essa possibilidade, porque os movimentos, os tempos de reacção, são cada vez mais afinados, mais eficazes. O que é uma pena. Como tenho saudades de voltar a ter 12 anos e não saber o que está a fazer força do outro lado da linha.
      O mundo é teu Luis! Pesca tanto quanto puderes, sem esquecer que nenhum peixe é mais importante que a tua formação académica. Mas pesca! Vai pescar e diverte-te muito com aquilo que fazes. Nunca esqueças que aquilo que é verdadeiramente importante não é ser infalível a pescar peixes, é fazer o caminho que nos leva a querer aprender o mar todos os dias, as suas regras, os seus segredos, a querer saber mais e mais, e a disfrutar de poder partilhar com os amigos aquilo que sabemos. O importante não é a meta, é o trajecto que nos leva até ela. É o caminho, Luis...

      Um abraço, amigo.

      Vitor Ganchinho

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