Tunning de Amostras

Reconheço que dificilmente aceito pacificamente um produto de fábrica, sem lhe fazer uma alteração qualquer. É defeito meu. Todos nós temos as nossas convicções, e se acreditamos que algo pode funcionar melhor desta ou daquela forma…pois que seja, vamos por aí. O risco é nosso e não prejudica ninguém. Nada pior que pescar com algo em que não acreditamos …a pés juntos. Se falta a crença, ao menor dissabor, (poucas picadas, um peixe que desferra), tudo é posto em causa. Esta sensação de estarmos a pescar com algo que não é bem aquilo que “devia ser”…..é um sentimento horrível, e contra o qual não há muito a fazer. 

Se não nos sentimos confortáveis com este ou aquele tipo de assiste ou fateixa, há que mudar. 


Conjunto de jigging Daiwa, cana, carreto e linha. O carreto é um Saltiga 15 HL, perfeito para a pesca ligeira do robalo e pargo: preciso, leve, fiável e muito robusto. 


Pode ser fornecido com manivela à direita ou à esquerda. O meu é esquerdo, como a imagem que junto abaixo. O jig é um Shimano de 40 gr, do qual vos falarei mais abaixo, e utilizo-o para profundidades na casa dos 50/60 mts. 




Assim sendo, e evitando angústias no momento da pesca, e posteriores recriminações por não termos feito aquilo que nos parecia ser melhor, resta-nos personalizar as nossas amostras, torná-las “infalíveis”. Pelo menos aos nossos olhos.

E é sobre esse tunning, sobre essa questão de tornar a amostra “infalível” que vos quero falar hoje aqui no blog. 

Como ponto prévio, devo dizer-vos que eu passo noites na minha sala de pesca a tentar encontrar a melhor solução. Pego nas amostras, nos jigs, e corto e tiro e ponho, e corto, e ajusto, até à exaustão. 

Testo-as no mar, volto à primeira forma, mudo os assistes, aplico fateixa tripla, volto a testar, e só desisto quando estou perfeitamente convicto de que já não consigo aportar nada de novo à amostra. 

Tenho a perfeita noção de que aquilo que estou a fazer é possivelmente uma asneira. Quando faço um tunning a algo, estou a desvalorizar o trabalho de uma equipa de pessoas que, seguramente, pode saber muito mais do que eu do ofício. Estou a deitar fora centenas de horas de pesquisa, de testes, feitos por quem sabe do assunto, porque vive de saber disso. Os equilíbrios são de facto muito ténues, o comprimento dos assistes não é um qualquer, o peso dos anzóis não é indiferente para o bom trabalhar da amostra ou do jig.

Os jigs não são quase nunca simétricos, e nem sequer têm as duas pontas de igual peso. O seu trabalhar na água foi programado para ser este ou aquele, considerando um determinado lastro de peso, de atrito na água, dos seus anzóis. Se alteramos esse equilíbrio, podemos estar a desvirtuar o trabalho de quem o concebeu. Antes de a amostra nos chegar às mãos, houve quem testasse todas estas possibilidades. E nós deitamos isso pela janela fora e …alteramos. 

Eu faço-o. E encontro algum consolo em dois aspectos que me parecem cruciais: 

1- Estou a pescar com algo que foi feito por mim, (e eu acredito algo nas minhas capacidades e na minha experiência de mar), feito para mim, para eu pescar. Cada um de nós pensa da mesma forma, acredita que nós é que sabemos. 

Deixem-me recordar palavras de um grande português já falecido: “ Se temos de seguir um sonho, que seja o nosso sonho, não o dos outros”. Foi Fernando Pessoa quem escreveu isto. Pode ser um erro modificar algo, mas é o meu erro.

2- Serve-me de conforto um detalhe que parece pertinente: um grande produtor de jigs e amostras de superfície, fabrica para todo o mundo. Sítios haverá onde o produto acabado deles é perfeito. Seguramente que os testaram aí, de forma exaustiva, e os resultados obtidos conduziram à fabricação em série desses equipamentos. Mas os peixes não têm todos a mesma boca, as mesmas manhas, o mesmo peso, ou sequer são pescados todos à mesma profundidade. 

Poderemos nós considerar que ferrar um peixe a 120 metros de fundo é o mesmo que fazê-lo a 2 metros da superfície? O tempo de luta de um peixe é igual ao outro? O tempo que medeia entre a mordida e a captura física do peixe é tempo em que o peixe vai lutando e a cada momento, o buraco do anzol vai abrindo, vai alargando, a carne vai rasgando mais e mais. Logo, o anzol que traz um peixe do fundo é igual ao anzol que pesca à superfície? A curvatura e apoio que esse anzol deve dar ao peixe é o mesmo? Um anzol para um peixe com uma boca carnuda e firme, como um lirio, será igual a um peixe com uma boca frágil e de pele fina como a do robalo? 

E a cana? Pode uma cana rija ser utilizada com anzóis pequenos? O peixe passa a ter um ponto de apoio fixo, a ponteira da nossa cana, e rasga mais depressa. 

Com este tipo de equipamento necessitamos de um anzol de tamanho maior. Mas se a cana for mais macia, ação média, um anzol mais leve e mais pequeno já dá conta do recado. 

A cana acompanha com a sua acção os tirões do peixe, amortece-os, torna-se um elástico do qual o peixe não consegue libertar-se. A acção da cana é muito importante. Mas não é só a  cana que conta. Os elos de ligação entre nós e o peixe são vários: o nosso braço, a cana, o carreto, a linha, a baixada, a amostra, o anzol, que pode ser maior ou menor. Tudo depende do equilíbrio de cada um dos elementos anteriores, que devem trabalhar em harmonia. De que adianta uma cana forte com uma linha fraca, ou o inverso? Linhas fortes e anzóis fracos? Pensem nisto….


Aqui, o mesmo jig da Shimano, mas em 30 gramas, equipado com fateixa tripla Nogales, da Varivas, e anzol simples à cabeça. Eu pesco sempre o mais ligeiro possível.

 

Se encontrar condições para utilizar jigs de 20 gramas, ou seja, se houver pouca corrente e o vento não me arrastar o barco, mudo de imediato para a gramagem abaixo.  

Abram as barrigas dos peixes, e espreitem para dentro do estômago. Isso é importantíssimo! Vão ver a quantidade de pequenos peixes que têm dentro…..


Possivelmente o jig com que pesquei mais peixe em toda a minha vida: côr sardinha, 30 gramas, e um equipamento básico, simples até onde se pode ser simples.  


Na circunstância, um assiste Daiwa com dois anzóis simples. Perdi a conta aos pargos grandes que me picaram com isto, e que entraram para a caixa térmica. 

 

Aqui o têm, o jig que vos mostrei, com um parguinho pendurado. Jig que pendura pargo de 3 kgs, está no ponto…


Este veio preso mesmo pela pontinha do beicinho, …mas não rasgou. A boca do pargo oferece-nos muita segurança, muito mais que a boca do robalo. 


Quando alteramos algo que vem de fábrica, devemos ter em consideração diversos aspectos: 


1- É aceitável pretender modificar a amostra, por exemplo a Shimano que vêem abaixo, se na zona onde pescamos houver uma ocorrência frequente de bicas. Trata-se de um peixe que ataca sobretudo por trás, na subida, concretamente nos primeiros cinco a seis metros a partir do fundo. Nessa circunstância, ter um triplo em baixo pode ser decisivo. 

2- Também é correcto armar com um triplo, caso estejamos numa altura em que as lulas estão mais próximo da costa, e dispostas a atacar o nosso jig quer na caída quer na subida. As lulas ferram-se bem melhor com um triplo, ainda que não seja impossível consegui-las com assistes simples. Mas a fateixa é de facto mais eficaz. 

3- Quando pescamos aos pargos grandes, e porque dificilmente temos dois ataques do mesmo peixe, é bom que fiquem solidamente ferrados. E aí, colocar um assiste duplo na cauda do jig pode garantir-nos muita segurança. 

Bem mais o anzol simples, ou duplo, do que uma fateixa tripla, que normalmente tem ganchos com anzóis mais pequenos. Quando temos um pargo grande na ponta do jig, a última coisa que queremos é que ele rebente a boca por ter ficado apenas com um pouco de pele ferrada. O anzol dos assistes, sendo maior, mais largo da ponta à haste, permite cravar mais carne, mais musculo, ou mesmo mais osso. 


Esta lula veio presa por dois ganchos de um triplo. Dificilmente teria ficado caso estivesse presa apenas por um dos anzóis.


Trazer à superfície é o mais fácil, mas depois temos ainda o momento crítico de a meter na rede. A menor hesitação custa-nos o exemplar, que vai embora jurando que nunca mais se irá lançar a tão estranho pequeno peixe. Aqui pesquei com um jig de 7 gramas.


Este é um jig que esta época já me deu uma série de peixes interessantes: robalos e pargos. Trata-se de um Shimano JM-503Q Coltsniper Wonderfall 30g - 001 Kyorin Sardine, com um preço de 8.70 euros, e que existe também em 40 gr.


Fiz-lhe uma transformação, pois estes assistes, sendo bons, não me parecem suficientemente adpatados aos nossos peixes. Guardo-os para outras situações, e enquanto andarem por aí as lulas grandes, e enquanto houver uma grande quantidade de bicas nos meus pesqueiros, aplico uma fateixa tripla da Varivas, modelo Nogales, ( leves, frágeis, mas muito eficazes a fisgar peixe ao menor contacto…), e pesco com uma cana mais elástica. Não aconselho para quem apenas tem canas duras, que não acompanham a batida do peixe. Nesse caso, mais vale deixar ficar estes assistes e aplicar também na base uma fateira de tamanho L, mais robusta. 

Vão perder-se alguns peixes na picada, ( as fateixas com anzóis de arame mais grosso são normalmente menos afiadas, mais pesadas e por isso mais difíceis de cravar) mas os que segurarem, vêm para cima. 


Estas fateixas têm tudo de bom. Podemos exigir-lhes uma superior percentagem de capturas, porque ao menor toque, o peixe crava. São extremamente afiadas e dada a cobertura de teflon, penetram na carne e osso do peixe muito facilmente. 


O que não podemos é pescar com elas e querer “rebocar” os peixes grandes, levantá-los em peso, porque não foram feitas para isso. Excelentes para puxar peixe à superfície, e meter uma rede, não aconselháveis para quem levanta pargos de 5 kgs da água e quer bater com eles dentro do barco.

Como em tudo na vida, há que fazer opções, ou pescamos com fateixas robustas, que nunca abrem, mas que nos vão fazer perder alguns peixes, ou queremos ferrá-los todos, mesmo os que tocam ao de leve, e aí pescamos com fateixas finas, muito aguçadas, que nos fazem trabalhar a embraiagem, e que não nos permitem “arrancar” os peixes do fundo à força. Há que optar…e essa opção deverá ter em conta a profundidade a que pescamos, o peso médio do peixe que anda pelo pesqueiro, as perspectivas que temos de conseguir, ou não, um peixe de excepção. 

Ter equipamento preparado para um pargo de 15 kgs, pesado, anzóis grandes, e pescar sistematicamente com esse equipamento numa zona onde aquilo que é mais provável, aquilo que durante semanas e semanas irá acontecer sistemáticamente é podermos ter 20 picadas de pargos de 2 kgs numa manhã, é um absurdo. Trabalhamos por percentagem, por maioria de probabilidades…


Aqui têm um bom exemplo de duas opções distintas, ambas muito válidas e cuja opção depende em exclusivo do resto do equipamento. A primeira e terceira carteiras de anzóis assistes Shout são de arame mais fino, e que garante mais ferragens. 


Estes anzóis, ao serem leves e muito afiados, são facilmente “aspirados” no momento do ataque do peixe. Cravam muito bem, melhor que a segunda e quarta opções. Mas exigem canas à altura, mais macias, que nos permitam trabalhar bem o peixe, até ele chegar ao nosso camaroeiro. Por outro lado, os segundos e quartos assistes, mais pesados, tendo menor penetração, são no entanto mais fortes, e garantem um combate mais seguro, para quem gosta de canas mais rijas, mais duras. 

Quando alteramos o armamento dos nossos jigs, (e o princípio é válido para amostras de superfície…), teremos de tomar em consideração o resto do nosso equipamento. São as condições do pesqueiro e do nosso equipamento, que determinam qual a versão que devemos utilizar. Podemos alterar as nossas amostras, mas devemos fazê-lo com conhecimento de causa. Se não nos sentimos seguros, então deixemos o assunto para quem sabe: o fabricante. 


2 Comentários

  1. Bom dia Vitor,

    Mais um excelente artigo!

    Abraço,
    A. Duarte

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    1. Boa tarde António É importante ter a noção de que, cada vez que decidimos alterar uma amostra vinda de fábrica, estamos a prescindir de muitas horas de trabalho de quem produziu o equipamento. Eu faço-o, numa perspectiva de adaptação do equipamento ao tipo de pesca que faço, aqui, em Portugal. Porventura com outro tipo de peixes, noutras águas, poderia ser diferente, mas aqui, eu tenho as minhas preferências. E a experiência de muitos anos a fazê-lo também me deu conhecimento, também me deu a noção do que pode ser feito para melhorar os resultados. É algo que tem de ser visto no âmbito do estilo de pesca que fazemos, que entre nós, não é necessariamente igual.
      Fico satisfeito que tenha gostado. Também me deu algum trabalho o artigo de hoje, quinta-feira, sobre canas. Como sei que pretende adquirir uma cana, não poderia ser mais actual.

      Leia e veja se encontra algum detalhe que possa ser-lhe útil para fazer a sua aquisição.


      Abraço
      Vitor

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