Agressividade a mais ou …mais olhos que barriga??...

Resulta estranho para nós pensar que minúsculos peixes se lançam desabridos sobre presas que, nalguns casos, têm pelo menos o seu tamanho. Ou que até podem ser maiores!
Em rigor, situações existem em que o nosso isco/ amostra não cabe literalmente dentro da sua boca. E assim sendo, como explicar esta situação? O ataque ficou a dever-se a fome? Assim tão simples?
Mas a ser, seguramente que a captura não poderá ser algo correspondente a um padrão, peixe pequeno não come peixe grande.
Podemos atribuir este fenómeno a diversos factores, os quais ultrapassam em muito o factor alimentar. Embora nós humanos tenhamos uma tendência primária para considerar que, se trazemos um peixe preso pela boca, é porque esse peixe tentou comer a nossa isca, pode perfeitamente não ser assim. Há algo mais que o instinto básico de sobrevivência que é garantido pela obtenção de alimentos.
Vamos hoje ver alguns casos em que manifestamente haverá outras razões para sofrermos ataques de peixes que não a simples e trivial rotina diária de alimentação.


Captura feita pelo meu amigo Gustavo Garcia, à saída da barra de Setúbal. Trata-se de um pequeno peixe mediterrânico, um Serranus scriba, e já aqui falámos dele.


Com efeito, outras razões existem para que aconteçam estes “estranhos” ataques aos nossos jigs, por parte de criaturas de liliputiano tamanho.
Acontece frequentemente com as nossas garoupinhas, a vulgar “Serranus cabrilla”, as quais, mercê de uma enorme agressividade e boca desmesurada para o corpo que têm, acabam por pagar com a vida o atrevimento de se lançarem sobre as amostras. As subidas são normalmente rápidas demais para que consigam compensar a diferença de pressão entre o nível do fundo onde evoluem e a superfície.
Quando nos chegam às mãos, a sua recuperação é pouco menos que impossível. Serão carne para gaivota, daí a instantes, quando libertadas.
Estes peixes picam por razões que ultrapassam a alimentação: são extremamente territoriais, defendem o seu espaço de outros competidores, e expulsam os intrusos com a única arma que têm: os dentes.
Se é natural que peixe coma peixe, e ainda mais verdade que peixe grande come peixe pequeno, e como referido acima, nem sempre se verificam ataques por mera necessidade nutricional.
Independentemente da quantidade de alimento, da sua disponibilidade ou escassez, posso apontar-vos um factor que motiva parte das picadas de peixes que sentimos: o stress.
Peixes que se encontram num processo de disputa de um território com outros da sua espécie (os locais de alimentação mais favoráveis são muito disputados), ou peixes que foram escorraçados por outros, eventualmente maiores, dos seus esconderijos, ficam num estado de stress acrescido e isso aumenta-lhes a agressividade. E é aí que surge algo nas imediações que provoca o ataque: o nosso jig, ou o nosso vinil.
A questão do tamanho não é decisiva neste caso, e se é verdade que os peixes se alimentam de micronutrientes, de onde retiram vitaminas, sais minerais, necessários ao seu equilíbrio metabólico, também é verdade que aquilo que os faz verdadeiramente crescer são macronutrientes obtidos a partir das suas presas naturais, as quais lhes fornecem proteínas em quantidade suficiente.
A questão que se coloca é a seguinte: como avaliam as suas possibilidades perante o tamanho dessas possíveis presas?
Desde logo, nem todas as espécies estão num mesmo patamar de possibilidades, há algumas que denotam um evidente défice de armas para conseguir engolir e metabolizar seres que sofrem os seus ataques.

Vejam o caso abaixo:


Alguma dúvida de que este peixe nunca poderia digerir uma presa do tamanho do jig a que se lançou? Não lhe cabe na boca!


Um carapau negrão a morder as saias de um Kabura de 120 gr. O anzol está disfarçado e torna-se fatal para quem morde sem critério. Aqui já é mais possível que a gula desmedida seja dirigida a uma parte do possível “animal”, os tentáculos. Faz sentido.


O cantaril, ou catarilho, é um peixe agressivo, e lança-se a jigs que objectivamente não lhe cabem na boca. Trata-se de um peixe de profundidade, que normalmente está abaixo dos 120 mts de fundo, e com distribuição vertical muito provavelmente até aos 1000 mts de fundo. Já os ferrei a 650 mts.


Um peixe deste tipo, armado de uma boca grande para o corpo que tem, atreve-se a morder presas grandes. Mas estes vivem num meio em que a comida não será aquilo que mais abunda.
Há comida, ou não estariam por lá, mas a quantidade de oportunidades não será a mesma que os peixes que vivem a 20/ 30 metros. Logo, aqui temos um caso de aproveitamento de uma situação potencial que surge e tem de ser aproveitada.


Em contrapartida, um sargo atacar um jig é muito comum. Os sargos não são os plácidos mariscadores que julgamos. A sua dieta inclui muito camarão vivo, mexilhão, perceves, cracas, poliquetas, caranguejos e também …peixes. Atacam violentamente os peixes sempre que têm oportunidade. 


Assim, e dando sequência a este trabalho sobre A “gula desmedida” dos peixes, parece-me ser importante caracterizar o tipo de iscas com que os pescamos, e aquilo que, na minha opinião, leva os peixes a atacar esses iscos.
Iscas naturais: quando a nossa opção recai sobre este tipo de iscas orgânicas, a pesca é feita em regime de espera. Não no sentido de termos de esperar muito tempo, podem ser fracções de segundo, mas ainda assim, é lançar algo e deixar estar, esperar que o peixe se interesse. Neste caso, lançamos a isca e os factores mais importantes que estimulamos no peixe são o cheiro e o gosto, o paladar. Estas iscas funcionam muito bem, diria até funcionam melhor, em situações de baixa visibilidade das águas. Quando temos muitos sedimentos, quando a água, depois de um temporal que arrasta aluvião dos rios fica “barrenta”, ou mesmo quando temos descargas de barragens e vem aquela água verde, própria de águas paradas onde o fitoplâncton teve muito tempo para se reproduzir, estão criadas as condições certas para pescar com isca orgânica. Um pequeno parentesis aqui com esta chamada de atenção: a pesca com iscos vivos, sendo na mesma uma pesca com isca orgânica, enquadra-se numa categoria distinta, já que pode e deve ser feita com águas com boa visibilidade.
E temos a pesca com iscos artificiais, os jigs metálicos, normalmente chumbos pintados, (ou mais recentemente os tungsténios pintados, mais pequenos e compactos), as amostras ou os vinis, que todos conhecemos. Esta é uma pesca muito mais dinâmica, que nada tem a ver com espera, mas sim com movimento, em que o trabalho do pescador é centrado na animação do isco, na procura de dar vida a um pequeno pedaço de madeira, plástico ou metal, tentando reproduzir uma presa em dificuldades, eventualmente um peixe ferido. Sabemos que a menor exposição de fragilidade irá despoletar um ataque imediato do predador mais próximo. Mas aqui, os sentidos a explorar são diferentes: a visão e a linha lateral têm uma importância fulcral. Pescar com artificiais estimula desde logo o instinto predador dos nossos peixes. Neste caso, a questão olfacto e sabor é para esquecer, já que apenas estamos a lançar um pedaço de metal ou silicone. O estimulo é feito ao sentido da visão, da captação de vibrações. E funciona tão bem quanto os outros, desde que tenhamos um mínimo de condições, na circunstância a possibilidade de o peixe ver a amostra.
Mas até aqui, apenas tratamos de caçar para comer. Eu acredito muito firmemente que há muito mais que isso, e explico porquê: O factor alimentação não pode ser explicação plausível e /ou única para que uma sardinha ataque um jig.


Uma sardinha atacar um jig significa que mesmo pequenos peixes que são pelágicos e naturais aproveitadores de fitoplâncton, podem acabar por ceder à tentação de atacar algo que lhes dê um aporte de proteína superior. Esta é uma situação algo rara, mas será que o factor alimentar entra aqui em equação? Será que é isso e só isso?


Nalguns casos, sabemos que a protecção de ninhadas pode ser justificação para ataques violentos. Também a invasão de um peixe de uma zona que pertence a outro, pode ocasionar a defesa desse espaço. O domínio territorial tem uma justificação profunda: uma boa zona de caça é o garante de alimentação regular, e por isso é defendida com unhas e dentes pelo seu….”proprietário”. Temos ainda a considerar o reflexo predatório, o instinto natural que irá impelir o predador a morder algo que lhe surja por perto, e que lhe sugira um peixe em fuga.
Também a questão da irritabilidade: há peixes que se encontram em situações de stress reprodutivo, estão focados naquele acto e não desejam concorrentes ou interferências. As próprias alterações climatéricas, uma brusca baixa de pressão, uma trovoada, um baixamento de temperatura, algo que altere as condições normais e que possa ser factor de criação de instabilidade. Tudo isso provoca irritabilidade. Deixo para o fim questões relacionadas com a competitividade entre membros do cardume, o chamado frenesim alimentar, e por último a própria curiosidade natural.
Seguramente que outras explicações haverá para justificar os ataques que os nossos iscos sofrem, que não apenas a questão alimentar. Um robalo que morde uma amostra maior que o seu próprio corpo não pode ser algo corrente, não se enquadra naquilo que podemos aceitar como acto regular.
Tenho a certeza que os nossos leitores terão muitos casos pessoais dentro desta linha de raciocínio e seria interessante receber alguns comentários deles.


Aqui temos uma situação que me parece ser um acto natural de alimentação. Ferrei este sarrajão com um jig Jigpara de 20 gramas, a meia água. Todavia alguns dos exemplos que vimos acima já me parecem ser algo mais que apenas a procura simples de comida.



Vítor Ganchinho



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