Os pargos não estão lá para fazer amigos...

Há pessoas que pegam num barco e logo que soltam amarras, dão à chave do motor e já têm um problema complicado para resolver: Onde vou?
Sabem que querem ir à pesca, e isso é um dado adquirido, foi para isso que se levantaram cedo da cama, mas não sabem onde ir, onde podem e devem pescar, ou sequer a quê.
A partir daí, entram em roda livre relativamente a dúvidas, a incertezas, passam inclusive a aceitar como boas quaisquer sugestões recebidas de alguém. Por mais absurdas, todas as informações são para eles algo mais que nada.
E por isso, absorvem-nas todas. Estão às cegas, e assim sendo seguem um princípio universal: vão direitos a outros barcos que estejam na zona. Digamos que copiam aquilo que veem fazer.
Dão como bom lançar a ancora onde encontram um barco que possa eventualmente ser conhecido, que tenha ganho fama e crédito de normalmente realizar boas pescarias. Se não conhecem ninguém, aplicam o critério: todos sabem mais que nós...

Estas pessoas têm barco, têm aparentemente todos os meios necessários para navegar, mas falta-lhes tudo o resto.
Digamos que é o mesmo que conduzir sem carta. Ter carro mas não ter preparação, não ter os princípios de formação que devem nortear alguém que tem um volante nas mãos.
Quando não se tem um mínimo de ideia para onde ir, sequer um laivo de inspiração que os leve aqui ou ali, e nenhuma noção minimamente clara da presença de peixe, está-se perante um dilema irresolúvel.
Lançar ferro e levantar ferro consome tempo e recursos físicos. Pescar sem estar fundeado é algo que nem equacionam, porque basicamente pescam vertical, a pesca tradicional que toda a gente faz com um chumbo e dois anzois, e isso, …só mesmo com a ancora no fundo.

Como fazer? Como decidir qual o rumo a dar ao nosso barco, em função das condições de mar que temos pela frente?
É isso que vamos ver hoje, num ensaio que seguramente deixará espaços abertos, lacunas, porque a quantidade de variáveis a analisar é de tal monta que nem cabe num só artigo. Vamos por partes: quais são as alternativas, as possibilidades de escolha?

A primeira pergunta a fazer é esta: Que peixe queremos pescar?
Com isso em mente, devemos concentrar a nossa atenção nos detalhes que vão viabilizar, ou não, essa pretensa pescaria.
A mim, normalmente essas pessoas pedem-me coordenadas de sítios com pargos e robalos. E destes dois, os pargos ganham por larga margem, já que são aqueles cuja pesca pode ser normalmente feita em barco fixo, com iscas orgânicas.
Afinal de contas, o que é que conta efectivamente? O que é que interessa mesmo quando temos de decidir onde ir aos pargos? Vamos por aí, vamos ver alguns detalhes, alguns tópicos que possam ajudar a decidir.


Pargo Capatão-das-Canárias Nome Científico: Dentex canariensis. Este pargo das Canárias, foi feito em Setúbal, com jig Shimano 30 gr. Costumo pescá-los de Janeiro a Maio, sendo que este ano, anormalmente, ainda fiz alguns em Julho. 


Em que época do ano estamos? Que temperatura de água temos nesse dia? Temos vento, correntes fortes, marés grandes, ou não? A que horas estamos a sair para o mar?
Os nossos companheiros foram pontuais ou pelo contrário, chegaram tarde? Um deles deixou o carreto em casa? Outro teve de voltar atrás porque era ele que iria trazer as iscas de todos e …esqueceu-se?
O sentido de responsabilidade não foi distribuído por todos em iguais quantidades, e por isso mesmo, as coisas acontecem. Mas vamos supor que o plano foi cumprido à risca, e que, tirando o facto de não sabermos para onde ir, temos tudo o resto.
A que horas vai ser, ou foi, a preia-mar? Para esta gente, isso são pormenores que não têm um interesse particularmente relevante. Todavia, são eles que determinam aquilo que podemos e devemos fazer.

Não sigam outros barcos! Nunca! Isso, na melhor das hipóteses, pode servir para ter companhia. Mas se a questão é ter alguém para conversar, então que se saiba que a distância mínima a que podemos estar fundeados de outra embarcação igualmente fundeada é de 50 metros.

Passo-vos o decreto:

>>>Distâncias entre Praticantes/Embarcações:


"Quando a pesca lúdica se exerça a partir de uma embarcação, deve ser guardada uma distância mínima de 50 m em relação a outras embarcações, praticantes de pesca submarina ou artes de pesca caladas."


Por outras palavras, se aquilo que queremos é alguém com quem conversar, pois teremos de o fazer aos gritos. Como alternativa, a falar normalmente, estaremos em absoluta transgressão, seguramente a incomodar os outros pescadores.
E vale a pena ir lançar âncora a 50 metros de outro barco? Em princípio não. Os locais de pesca daqueles que efectivamente sabem o que estão a fazer, não têm uma amplitude dessa natureza. O ponto é aquele, está testado, e algumas dezenas de metros ao lado, …é outro filme, outro habitat, outros quinhentos.
Assim sendo, como fazer? Como podemos procurar algo que indique a presença de pargos?


Há dias em que tudo parece estar alinhado, e os peixes de bom tamanho se sucedem. Não acontece todos os dias, mas…acontece.


Antes de mais, e admitindo que os pargos são um objectivo bastante comum na pesca embarcada, podemos considerar como boa a ideia de procurar a sua comida. Há peixe miúdo na zona? Há cardumes de cavala, sardinha, bogas, carapau?
Se refiro estas quatro espécies isso não quer dizer que sejam sequer as mais procuradas, mas sim aquelas que nós conseguimos encontrar com mais facilidade. Um dos últimos pargos bons que capturei, tinha dentro do estômago um minúsculo peixe-aranha de 7cm, e uma estrela do mar, pequena. Mas estes nós não conseguimos detectar com os nossos instrumentos, estão colados ao fundo, pelo que nos resta seguir os sinais dos cardumes de pequenos peixes, e procurar dessa forma encontrar quem os come.

É de bom tom considerar que zonas com pedra alta poderão constituir só por si um ponto de concentração de pargos, pois, para além da segurança que dão ao predador relativamente a arrastos e redes, permitem a caça de emboscada. Os pargos resguardam-se nos marouços de pedra, e esperam a comedia que a corrente lhes traz. Também um fundo de pedra partida, ou com buracos, pode ser uma zona quente, já que alberga e serve de esconderijo a inúmeros peixes de pequeno tamanho. Pensem com atitude de peixe: se fossem pequenos e indefesos, estariam na areia, descobertos? Ou seria conveniente ter por perto um buraco escuro e estreito onde resguardar o corpo à presença de um predador?
Na verdade, a natureza é pródiga em casos bizarros, e há mesmo pequenos peixes que desenvolveram incríveis técnicas de camuflagem, ou de capacidade de se esconderem onde aparentemente seria impossível: as galeotas conseguem enterrar-se numa fracção de segundo, …na areia.
Mas o padrão é mesmo o contrário: peixe miúdo esconde-se nas frestas, nos buracos, nos lajões estreitos, onde os grandes não conseguem entrar. E daí a quantidade de ecos que a nossa sonda detecta quando passamos por cima desses amontoados de pedra partida, tão atreitos a ter vida no exterior e ainda mais no seu interior. Os pargos não estão lá para fazer amigos….são agressivos, estão para caçar e por isso fazem rondas por estes locais à procura de uma oportunidade. Assim, podemos procurar pedras e aí já teremos boas probabilidades de conseguir descobrir aqueles que ali encostam, para comer.


Os jigs e sempre os jigs... dão-nos peixes incríveis, e lances muito bonitos, que não esquecemos facilmente. Este tinha 6 kgs, e utilizei um jig da Shimano, de 30 gr.


Convém ter presente que as temperaturas baixas reduzem a actividade metabólica dos nossos peixes, e que o contrário joga a nosso favor, dando-lhes mais espaço de procura, de deslocação e até de agressividade. Não é igual durante todo o ano.
Também o facto de termos mar parado, sem corrente, não ajuda a termos pargos no fundo à procura de comida. Mar com correntes fortes, dias de luas grandes, com elevado coeficiente de maré, trazem vantagens a predadores fortes e o pargo é um deles. Vamos encontrá-los virados à corrente, a preparar emboscadas, ou a procurar comida activamente, dependendo da hora do dia. Para quem pesca ao fundo, esta é a situação mais proveitosa, tê-los a procurar comida, em deslocação. É nestes dias que a sua actividade se torna mais frenética, são eles que permitem melhores resultados.


Os pargos capatões são extremamente agressivos e isso é uma vantagem para quem utiliza iscas vivas, ou amostras que imitam iscas vivas.


Zonas que fiquem na rota de passagem da comedia são também interessantes. Mesmo outros predadores, as tintureiras, os robalos, os meros, as corvinas, procuram estar numa zona de passagem regular de cardumes. Esperam e as correntes trazem-lhes a devida recompensa por essa espera.
Gostava que entendessem a lógica deste raciocínio: se estamos a querer pescar predadores, com isca, seria importante estar onde os predadores procuram obter comida. Os peixes que procuramos são, na sua maioria, comedores de peixe. Ao encontrarmos zonas com peixe miúdo, estamos mais próximo de estar perto dos nossos peixes. Aumentamos exponencialmente as nossas possibilidades, quando estamos “no sítio certo”, e esse sítio é onde os peixes grandes estão a cercar a comida.
Por vezes encontramos cardumes à superfície. Isso é sinal de que algo os empurra para cima, os força a subir. E repito força a subir, porque tirando os momentos que os pelágicos procuram comida na primeira camada de água, nomeadamente as desovas de outros peixes que flutuam, (são óvulos transparentes e por isso não conseguimos vê-los do nosso barco, mas os peixes filtradores sabem que estão lá e que são comida boa, nutritiva e fácil), os cardumes preferem estar longe da artilharia aérea dos pássaros, que sobre eles caem impiedosamente.
O peixe miúdo é atacado de todas as formas e este é um princípio universal. Com os devidos créditos a esta reportagem da BBC, gostava de vos apresentar este filme, em que peixes-voadores são atacados por dourados:




Já aqui vos falei dos ataques dos golfinhos aos cardumes de comedia. Na nossa zona e dada a presença massiva de carapau, sardinha e cavala, sobretudo esta última que tem vindo a ocupar o nicho que era ocupado pela sardinha há alguns anos, podemos assistir a este espectáculo várias vezes ao dia. É muito mais comum do que as pessoas pensam, ver ataques de grupos de golfinhos, quer os roazes quer os comuns, a bolas de peixes. E daí resultam “destroços de guerra”, ou seja, peixe ferido, morto, quantas vezes cortado ao meio. Tive oportunidade de mergulhar no meio desta confusão e aquilo que vi no fundo foi pargos a aproveitar os despojos desta actividade. O fenómeno é cíclico, muitas vezes repetido ao longo do dia e nem sequer difícil de observar. A zona de caça dos golfinhos roazes, que preferem os chocos do rio, mas que não desdenham peixe bem vivo, estende-se desde o estuário do Sado ao Cabo Espichel, e para sul, costumo vê-los até à zona de Sines. Têm itinerários bem definidos, que alteram em função das condições de mar, e ao longo do ano, de acordo com aquilo que existe disponível, como que a fruta da época.
Mas este tipo de pesca que faço, de avistamento de “passareiras” e pesca com jigs em cima delas, não é algo que esteja acessível a quem pretende pescar fundeado. Pura e simplesmente não resulta. São situações que têm um limite de tempo para execução, por vezes de alguns minutos apenas, e a seguir, tudo desaparece, tudo volta à calma, como se não se tivesse passado nada. Ficam escamas em suspensão, ficam pedaços de peixes a cair para o fundo, e peixes grandes a correr todos os recantos à procura de algumas sobras. Como se o massacre de algumas centenas de quilos de pequenos peixes fosse subitamente apagado com uma borracha.
Zonas como as saídas dos estuários são locais que beneficiam de melhores condições de alimentação para os predadores. Nas zonas de lamas do Sado, por exemplo, a criação de anelídeos é uma constante, e os pequenos peixes dependem delas para a sua alimentação diária. Existe uma infinidade de pequenos micro-organismos, crustáceos, etc, que atraem quem deles se consegue alimentar. Quando atingem um determinado porte, esses peixes passam a águas mais profundas e é aí que os predadores que procuramos vivem, esperando por eles. Por isso há tanto pargo nas pedras em frente ao estuário. Digamos que a “engodagem” é permanente. Pensem em termos de cadeia alimentar, que começa em minúsculos seres, zooplâncton, e acaba nos golfinhos, nos tubarões (muito mais frequentes na nossa zona do que possam pensar…) e nos homens.

Em termos gerais, e para quem não conseguiu ainda ter a coragem de adquirir equipamento de jigging, ou outro que permita fazer pesca com o barco solto, tenya, kohga, etc, a solução boa é estar atento aos sinais dos pequenos peixes na sonda, (quando à superfície vê-se a água “ferver”), a relevos de pedra que também são perfeitamente visíveis através desta. Esses são locais de concentração de peixes, porque permitem a criação de uma cadeia alimentar.
Relativamente a iscas para o nosso pargo, as dúvidas são poucas: se temos a possibilidade de pescar cavalas no local, e temos sempre, então é de pegar numa cana curta e sensível, e lançar um jig de 10 gr durante 15 minutos. Ficamos com 2 kgs de cavala viva nas mãos num piscar de olhos. Fácil, simples, gratuito.
Quando achamos que não teremos habilidade para isso, então pois que se comprem iscas em terra, e nesse caso, a selecção deve apontar para o tamanho de pargos que pretendemos capturar: com ganso, minhoca coreana, casulo, etc, aquilo que vamos fazer é tentar os pequenos peixes que comem essas “desgraças”. Os parguinhos de 300/400 gr comem essas “coisinhas”. Se por outro lado a intenção é a de fazer um bom peixe, então que se aposte em sardinha. A minha preferência vai indiscutivelmente para a sardinha ou cavala. Esta última pesco-a sempre no local, bem fresca, com sangue. Faço filetes estreitos e compridos, em vez de quadrados. Tudo é cavala, mas ter o anzol a meio do filete com as pontas soltas, …pesca mais. Isto se decidir fundear, o que no meu caso é cada vez mais raro, tenho muitos dias em que nem toco na âncora.
Nos últimos anos, sem dúvida, as minhas preferências vão para os jigs. São estes que me permitem pescar peixes maiores, de forma mais limpa e também, porque não, mais barata.


Pargo capatão feito com jig Zeake de 30 gr. Levei cerca de 9 minutos a tê-lo à superfície, com equipamento muito ligeiro. 


Em resumo, convém ter uma ideia do que procuramos, e isso pode ser feito em casa, analisando as cartas, as batimétricas, tirando pontos e visitando esses locais. É trabalho nosso.
Não vão incomodar os barcos que já estão a pescar. Se queremos companhia, se queremos alguém com quem carpir mágoas por os peixes não picarem, se queremos conversar à desfilada, podemos sempre levar connosco um …cão.



Vítor Ganchinho



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