Ir aos peixes grandes e …deixar escapar um. Upps….problemas!...

A picada de um bom exemplar deixa sempre um traço de alegria e boa disposição a bordo.
É um momento de frenesim que nem sempre é aproveitado, por erros crassos das pessoas que estão ao lado do feliz contemplado. Perder-se um peixe por má conduta de outros colegas de pesca é uma lástima.
Um dos erros mais correntes é o de lançar linhas para o local de onde está a ser içado o peixe. Com isso, e na melhor das possibilidades aquilo que se consegue é mesmo enrolar todas as linhas e fazer com que se perca inevitavelmente o peixe que tanto trabalho deu a ferrar. O simples facto de manter as linhas em baixo (os menos experientes fazem-no por também quererem um peixe grande para eles), já prejudica enormemente quem tem a missão de pôr a seco o exemplar ferrado. Estou a lembrar-me da tétrica situação de quem vai às corvinas do Tejo, que tem muito mais problemas em conseguir manobrar no meio de barcos e kayaks, do que propriamente em trabalhar o peixe.
Nestes casos, e sempre que se constata o efectivo peso do oponente, a primeira medida de quem está à volta é mesmo retirar rapidamente todas as linhas da água. E para embarcações que estejam nas imediações, seria bom retirarem-se o mais depressa possível. Isso é aquilo que seria correcto, e a única medida que pode ajudar quem teve a sorte de conseguir a picada de um bom peixe. Não é isso que acontece, infelizmente.
Se o principio for válido para todos, ninguém ficará prejudicado, e no fim, e se houver de facto mais peixes de bom tamanho, todos acabam por ser bafejados pela sorte. Cada um a seu tempo, e todos podem ser felizes.
Já o contrário, o facto de se prejudicar a captura a um dos elementos a bordo, pode originar um prejuízo generalizado: o peixe que escapa acaba por ir ao fundo e sai excitado do pesqueiro, levando com ele o resto do cardume.
E aí começam os problemas, para todos. Para os pescadores porque perdem a possibilidade de conseguir resultados. Mas também para o peixe que escapou, que começa aí um martírio que provavelmente vocês não imaginam.
Vamos ver esta situação mais em detalhe.


Um pargo de seis, sete, oito quilos já tem poder suficiente para pôr à prova as nossas linhas. Com sorte, consegue fugir com o anzol, mas começa aí um processo que vai durar algum tempo até se libertar dele.


A coexistência de peixes feridos, peixes debilitados ou com marcas de acção humana, (amostras cravadas na queixada, linhas de nylon penduradas da boca, etc), é algo que não é muito bem tolerado pelos outros elementos do cardume. Porque tenho feito mergulho por essas águas fora, em muitos países, tive oportunidade de ver repetidas vezes qual a atitude do cardume perante estes peixes diminuídos. Procuram mantê-los à distância, resguardar-se da sua companhia. Um peixe diminuído é sempre um foco de problemas, porque atrai sobre ele a atenção dos predadores. Para o cardume, o isolamento desse peixe faz sentido, em termos de “saúde” de grupo.
Em cardumes de pelágicos, nomeadamente de atuns, que têm um nadar muito sincronizado, muito padronizado em termos de mudanças de direcção e profundidade de deslocamento, o facto de haver uma linha de nylon a ser arrastada por um dos peixes implica um factor de stress acrescido. Porque o peixe afectado não prescinde da segurança do cardume (muitos olhos veem um predador muito mais facilmente que um só individuo) gera-se uma sensação de desconforto que só desaparece quando o peixe debilitado sai fora. Em termos de deslocamento, cria-se um espaço bastante maior entre esse peixe e todos os outros. Se há a tendência para que os peixes do cardume sigam agregados numa massa continua, com espaços bem definidos, esse padrão altera se a meio seguir um peixe com um anzol e uma linha pendurada. É criada uma “clareira” à volta desse individuo.

Por vezes as pessoas interrogam-se se o anzol ficará muito tempo na queixada do peixe.
Em princípio, não. A corrosão do metal em água salgada é relativamente rápida. E esse é o ensaio de hoje aqui no blog “peixe pelo beicinho”.
Falamos de tempo de corrosão, porque ele está directamente ligado ao tempo que o famigerado peixe terá de andar com aquele apêndice na boca. Com tudo o que isso implica de incómodo, de sofrimento e de impossibilidade de fazer a sua vida normal.
Vejamos então o que se passa quando o peixe nos... foge.




Temos a considerar dois tipos diferentes de elementos: desde logo a água do mar, uma solução salina uniforme, constituída por cloretos de sódio e magnésio dissolvidos em água H2O. Sabemos que na água do mar existem muitos outros minerais solúveis, alguns em muito pequenas quantidades.
E quais são os efeitos cumulativos desses minerais em relação ao nosso anzol. Na verdade, e porque são residuais, têm apenas uma acção desprezível sobre o aço carbono dos anzóis. Aquilo que nos interessa para o nossos estudo é mesmo a presença de cloretos dominantes, e principalmente o cloreto de sódio. Consideremos pois que a água é uma solução 0.5N de cloreto de sódio. A sua concentração provoca um pico de corrosividade sobre o nosso anzol, independentemente da sua maior ou menor concentração. Já vimos aqui no blog qual a composição química da água e de que forma se concentram os sais minerais, aquando de um artigo sobre a formação de areias, recordam-se?
Os anzóis são feitos de uma liga de metais, em que a base é o aço inoxidável. Concretamente de 74% de aço, 18% de cromo e 8% de níquel. Esta liga especial tem como particular propriedade o facto de não enferrujar facilmente. Quanto mais ferro na composição do aço utilizado, mais rapidamente enferruja. Os metais crómio e níquel formam óxidos insolúveis que protegem o aço do nosso anzol do oxigénio e da degradação que este lhe provoca, quando em contacto com a humidade do ar. O aço inoxidável é um tipo de aço que contém, pelo menos, 12% de crómio. A máxima protecção à corrosão ocorre com o aumento da percentagem de crómio que pode chegar aos 30%. Os aços inoxidáveis são resistentes à corrosão devido ao fenómeno da passividade. Não é necessário tratar quimicamente o material para que isso aconteça; os elementos de liga presentes reagem com muita facilidade com o meio ambiente e um deles em particular, o crómio, ajuda a formar um película invisível e aderente, que protege o material da corrosão. Apesar de a atmosfera marinha ser muito severa, o aço inoxidável geralmente tem uma boa resistência, mas é susceptível a alguns tipos de corrosão localizada como a intergranular, intersticial e por picadas. Por outras palavras, o nosso anzol vai mesmo enferrujar, dê por onde der. Mais ainda dentro de água salgada. O aço tem boas prestações em ambientes secos (atmosferas rurais), mas a taxa de corrosão aumenta rapidamente em ambientes húmidos e salinos e em atmosferas industriais. Os metais ferrosos formam durante o processo de fabrico (por oxidação a altas temperaturas) um óxido chamado “calamina”, que acaba por proteger o interior da peça. Este óxido não é aderente, pois cria escamas que se soltam da superfície do metal, provocando perda de massa e deixando-o exposto e vulnerável à continuação do processo corrosivo. Mas não acontece qualquer tipo de protecção quando submerso na água do mar, e sobretudo em ambientes de forte agitação marítima, pois a remoção desta camada protectora é contínua, e isso acelera a degradação. E o nosso peixinho bem necessita de se livrar da peça incómoda.




E que outros factores contribuem para a corrosão do anzol? Desde logo, a concentração de oxigénio, a degradação de material biológico, a velocidade de deslocamento do peixe que nos escapou, e ainda, pasmem-se, a temperatura da água do mar! Não é igual um peixe partir-nos uma linha no Verão ou o Inverno….
A taxa de corrosão mais habitualmente referenciada para o aço carbono puro em água do mar é de 130 microns/ ano. A degradação é contínua a este ritmo durante cerca de 8 anos, depois desacelera.
Significa isto que os nossos peixes ficam tanto tempo assim com o anzol na queixada? Não, de todo. Os nossos anzóis não têm demasiada espessura, felizmente. Não há estudos concretos, aplicados a anzóis, mas há alguns indicadores que nos podem ser úteis. Vejamos alguns casos.
Aquilo que é comumente aceite é que há uma degradação de 1mm por ano, para colunas metálicas em formato perfil H imersas no mar. Mesmo que pintadas. Estas colunas, durante um período de 20 anos, degradam-se ao ritmo médio de 1 mm, ou seja 50 microns anuais. Depois desse período, a degradação torna-se mais lenta, a cerca de metade. Mas as colunas estão fixas e o nosso peixe está em movimento. E isso acelera bastante a corrosão.

Para avançar, teremos de falar de uma parte técnica, em taxas de corrosão. Elas são muito idênticas em praticamente todos os pontos do globo. Mas há excepções: em portos marítimos, em que existe uma mais alta concentração de metais ferrosos, acelera um pouco a profundidade de ataque dos sais minerais. Um exemplo muito próximo é o da Marina de Ponta Delgada, na nossa lindíssima ilha de S. Miguel, Açores, em que os barcos ancorados necessitam de mudar os zincos duas vezes mais depressa que noutros portos. As taxas de corrosão em águas tropicais são substancialmente maiores que em regiões da Europa com climas mais frios. Daí que nos Açores ou na Madeira, que têm águas mais quentes, a corrosão seja mais acentuada que em Portugal continental.

Na maioria dos casos, entretanto a profundidade de ataque dos sais é maior em aços carbono cobertos com carepa (mill scale) do que os livres de carepa. Os nossos anzóis podem ter, ou não, uma cobertura de fluor, de níquel, etc. E isso retarda ou acelera ligeiramente a sua degradação.




Vamos a seguir verificar a questão da concentração de oxigénio ser maior ou menor nas águas em que o nosso peixe se conseguiu libertar. O efeito da despolarização catódica do oxigénio promove o avanço mais ou menos rápido das reacções de corrosão. Se por algum motivo fosse possível inibir a presença de oxigénio na superfície do nosso anzol, ele não iria oxidar. E daí, não iria sofrer corrosão nenhuma.
Vejamos um quadro com investigação feita sobre os efeitos de diversos parâmetros, tais como a concentração e oxigénio, salinidade, temperatura da água e PH. Chegamos à conclusão que a taxa de corrosão do nosso anzol é directamente proporcional à quantidade de oxigénio dissolvido na água do mar:




Ainda não temos todos os dados. O nosso anzol será degradado sim, mas terá de sofrer outro tipo de efeitos, concretamente o da corrosão galvânica. E o que é isso?
A água do mar é um meio que possui uma condutividade muito alta. Os metais são afectados de diferentes formas, consoante a composição da solução aquosa, concentração de sais, agitação (o nosso peixe desloca-se bastante…), a oxigenação (se o nosso peixe visita águas paradas retarda o processo, mas se nada em zonas de corrente e turbulência, ficará livre do anzol mais depressa…), temperatura da água e, muito importante, a composição química do nosso anzol, a pureza do metal com que foi fabricado. Nós pescadores exigimos aos fabricantes anzois que não enferrujam. Mas é um erro! Estamos a condenar peixes a terem de os suportar durante mais tempo. O ideal seria que nós soubéssemos cuidar dos nossos anzóis de forma a estarem impecáveis para a pesca, (nomeadamente utilizando pequenos pacotes de sílica absorvente de humidade) mas a seguir, em caso de fuga de um peixe, eles se pudessem degradar o mais rapidamente possível. As correntes galvânicas ajudam a isso:

Abaixo a tabela com as séries galvânicas em água do mar, por ordem de degradação:




Outro aspecto a considerar é o da taxa de corrosão na água do mar: já vimos que os aços carbono e outros aços de baixa liga apresentam taxas de corrosão elevadas, quando submersos. Não se verificam variações drásticas decorrentes de diferentes métodos de fabrico do aço, nomeadamente na adição de pequenas quantidades de outros elementos de liga como o cobre ou o crómio. Ou seja, haver degradação há sempre, pode ser ligeiramente mais rápida ou não, dependendo da composição química do anzol. O cobre retarda ligeiramente a oxidação, mas não a inibe. Anzois com uma ligeira taxa de cromagem, normalmente a 3%, podem também retardar um pouco.
Teremos ainda a considerar, conforme referido acima, a velocidade da passagem da água do mar sobre o metal do nosso anzol. A um aumento de velocidade corresponde um aumento da taxa de corrosão. Em águas paradas, (caso se trate de um safio ou uma abrótea, por exemplo), a corrosão tem um ritmo de 70 microns/ ano. Em águas muito mexidas e oxigenadas, o ritmo sobe para 130 microns/ano. Logo, se se tratar de um sargo, a degradação do anzol é feita em quase metade do tempo. E se o nosso sargo for um peixe habitual nas zonas de muita espuma, muito oxigenadas portanto, a taxa de corrosão pode chegar aos 380 microns/ ano. O que quer dizer que muito rapidamente irá ficar sem o nosso anzol, que terá em princípio cerca de 1,2mm de espessura. São apenas alguns dias. E nós queremos isso, queremos que o anzol desapareça muito rapidamente da boca ou estômago do nosso peixe. Porque gostamos muito dos nossos peixes e queremos saber que estão bem!

Por princípio base, nós apoiamos a criação de ferrugem. Mas nem toda a gente pode pensar desta forma, noutras actividades económicas.
Vocês nem imaginam os milhões de euros gastos em desesperadas tentativas de evitar a ferrugem. E o que é isso da ferrugem, em termos técnicos?

A formação da ferrugem inicia-se em virtude da oxidação do ferro (Fe (s) → Fe2+ + 2 e-) em contato com a água ou o ar húmido. É verdade que nós aplicamos nos nossos motores marítimos os famosos “zincos”, que mais não são que uma ação destinada a desviar a oxidação das peças metálicas do motor, para uma peça de substituição que irá sofrer a oxidação. Existem diversas formas de proteger os metais, mas esta tem-se revelado bastante útil. Para tal, um elétrodo de sacrifício ou metal de sacrifício é colocado em contato com o objeto feito de ferro ou de aço, na circunstância o nosso motor. Esse metal de protecção deve possuir um potencial de oxidação maior que o do ferro ou aço, para que se oxide no lugar dele (daí o nome “eléctrodo de sacrifício”), fornecendo eletrões para quaisquer iões Fe2+ que se vierem a formar.

Para entender melhor, vejamos um exemplo: O magnésio possui potencial de redução menor que o do ferro/ aço, conforme mostra as suas semirreações de redução abaixo:

Fe2+ + 2 e- → Fe(s) E0 = - 0,44 V

Mg2+ + 2 e- → Mg(s) E0 = - 2,37 V

Visto que seu potencial de redução é menor, a tendência do magnésio de oxidar-se é maior que a do aço. Assim, liga-se uma peça do nosso a esse metal, formando uma pilha galvânica, em que o ferro é o cátodo e o magnésio funciona como ânodo. Isso significa que, em contato com o ar, o magnésio irá oxidar-se, e não o ferro/ aço:

Mg(s) → Mg2+ + 2 e-

Veja que a oxidação do magnésio fornece eletrões, que irão reduzir os iões Fe2+ a ferro metálico, impedindo assim que ele seja corroído:

Fe2+ + 2 e- → Fe(s)

Essa técnica de proteção do ferro (e também do aço, que é uma liga metálica feita de aproximadamente 98,5% de ferro, 0,5% a 17% de carbono e traços de silício, enxofre e fósforo) é muito aplicada em tanques para combustíveis, navios, oleodutos e tubulações. Geralmente, no caso dos nossos barcos, placas de zinco são colocadas diretamente em contato com o motor. Os navios, porque os cascos são feitos em metal, aplicam ema. No caso de tubagens, tanques de combustível e oleodutos, blocos de magnésio são conectados em vários pontos desses equipamentos. As plataformas petrolíferas sabem tudo sobre ferrugem, claro.


O mar irá fazer o seu trabalho e dia após dia irá comer um pouco desta peça metálica. 


A nós, que pescamos peixes, basta-nos saber que o anzol que ficou cravado no peixe que infelizmente nos fugiu, não irá durar muito tempo.
Queremos e fazemos muita força para que se degrade, porque queremos o nosso peixinho livre de problemas e de “piercings” incómodos.
Até porque queremos que ele nos volte a picar de novo, e quem sabe, talvez tenhamos aí um pouco mais de sorte….ou sejamos menos…azelhas.





Vítor Ganchinho



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