Quem pesca à linha diverte-se imenso a fazer aquilo que gosta, mesmo que a quantidade de peixe não seja muita.
Uma saída de pesca com os amigos, desde que o tempo esteja bom, é uma garantia de felicidade para algumas horas. As razões para sair são inúmeras, desde a simples vontade de conseguir algum peixe para casa, até sair para fora, aproveitar o ar puro, ter a bordo um ambiente descontraído e saudável que recarrega as baterias para mais uma semana de trabalho.
O convívio e a possibilidade de reviver experiências passadas a pescar, muitas vezes com o habitual grupo de amigos, é razão mais que suficiente para justificar o entusiasmo de acordar algumas horas mais cedo que o habitual.
E os profissionais? Como encaram eles cada uma das suas saídas ao mar?
Que motivação leva esta gente para longe de terra, quando o frio, a chuva, o vento, retêm em terra aqueles que pescam por prazer?
O pescador profissional pensa a pesca de uma forma completamente diferente. Olha o estado do mar como uma inevitabilidade, da mesma forma que o trabalhador administrativo sai para o seu escritório, independentemente de estar frio ou calor, chuva ou vento. Vai porque tem de ir.
Se o marinheiro entende que tem um mínimo de condições para poder trabalhar, vai ao mar. A motivação é a de todos nós, quando saímos de casa para ir trabalhar: há que o fazer.
Esqueçam o prazer da pesca, esqueçam a ideia do peixe grande, porque a motivação é outra: são as caixas cheias, é o peixe que rende mais dinheiro, é ser capaz de lançar tão em cima da pedra que consiga o máximo possível de peixe, e é lançar tão longe da pedra que evite a prisão das redes e a sua eventual perda. É realizar lances que paguem o gasóleo do barco, é trazer peixe que pague a conta da farmácia, do supermercado e faça sobrar algumas notas para a compra de uma roupa nova para o filho.
Os nossos marinheiros têm vidas duras, arriscadas, e merecem todo o nosso respeito. São gente simples e boa, que tem pouco tempo livre, porque as redes têm de ser limpas de algas, o peixe tem de ser encaminhado para venda.
As horas de ir para o “escritório” são aquilo que são, são feitas de acordo com as marés, e quantas vezes obrigam a passar a noite em claro, a trabalhar em condições muito difíceis.
Eles têm quotas a respeitar, são obrigados a lançar ao mar peixe morto se tiver menos 1 centímetro que a medida legal, e o valor que obtêm pelo resultado do seu esforço quase sempre é ridiculamente baixo.
A arte da pesca é muito a arte de conseguir viver do nada. É um truque de magia feito a horas impróprias, um faz de conta a horas da madrugada em que ninguém vê, um espectáculo sem espectadores. Os nossos marinheiros lutam por um pedaço de pão para a sua família e nem sempre o conseguem. Aos dias de intempérie em que ir ao mar é morrer, somam-se os dias em que alguém entendido em números lhes manda dizer que não podem ir ao mar.
Se pescam sardinha dizem-lhes que só podem ir em Maio, se não pescam dizem-lhes para terem paciência. Mas esta gente tem contas para pagar.
Da qualidade daquilo que se captura depende sempre o valor em dinheiro que se pode levar para casa. Mas uns dias há peixe e outros, …nem tanto. |
O pescador português está feito a uma pesca que implica um grande conhecimento da zona de trabalho. Muitos dos nossos pescadores sabem de segredos que as pessoas que decidem a vida por eles nunca saberão. Quem trabalha de fato e gravata num escritório, e pode decidir quantas toneladas de peixe esta gente pode pescar, tem do mar uma visão que quase sempre peca por ser distorcida da realidade.
Se há excessos e abusos, e de facto há, também há dias em que falta pão na mesa.
O dia de hoje é dedicado ao pessoal que trabalha no mar. Deixamos de lado aqueles que se divertem no mar. Porque a gente que sai nas traineiras diverte-se muito pouco, e trabalha muito.
Eles estão ali para ganhar o seu sustento, e por isso peço a todos aqueles que me leem que sejam um pouco benevolentes quando por qualquer motivo esta gente do mar nos estraga um dia de pesca.
Já me lançaram redes à volta do barco, já me forçaram a sair do sítio onde estava e onde tinha chegado horas antes deles, já me fizeram um pouco de tudo. Mas ainda assim, faço um esforço por entender as suas motivações e quase sempre chego à conclusão que quem está ali a mais sou eu, que posso sempre ir pescar os meus peixinhos para qualquer outro lado. A gente do mar tem mesmo de pescar, nós nem por isso.
Quando acontecerem situações de atrito, porque isso é sempre possível, e mesmo que legalmente e moralmente tenhamos razão, lembrem-se que esta gente tem filhos na escola.
Por mais que custe, é respirar fundo e …sorrir para eles. São gente boa.
Vítor Ganchinho