CONDUZIR EM CONDIÇÕES DE NEVOEIRO

Quando o tempo está mesmo ruim, o que é avisado, sensato e inteligente é mesmo ficar em casa e esquecer a pesca por esse dia.
Mas nem sempre as condições de mar são efectivamente más, por vezes aquilo que nos separa de um grande dia de pesca é apenas um arreliador nevoeiro.
A maior das vezes nem está ondulação, pelo contrário, é a ausência de vento que promove a existência de nevoeiro. E nesses casos podemos sair, se soubermos exactamente o que devemos fazer.
Ponto prévio: eu tenho por hábito colher informação técnica sobre os assuntos que me interessam, mas nunca descuro a opinião daqueles que, mesmo já reformados da actividade de marítimos, já navegaram muitos anos, já sofreram muito por esses mares de Cristo.
A maior parte deles tem muito mais anos de viver junto ao mar, e no mar, do que aqueles que tenho de vida, e colheram por isso ensinamentos que me são sempre úteis. Enfrentaram nevoeiros, chuva e ventos fortes, e estão vivos. É um bom argumento para ser credível.
Acreditem que nunca sinto que perdi o meu tempo, sempre que falo com os velhos lobos do mar. Eles são pessoas simples mas sabem muito.
São conversas que duram horas, porque eu procuro sempre extrair tudo o que eles têm a dizer-me sobre um determinado assunto. A seguir, comparo com a informação que tenho, actualizada, e faço o meu juízo.

Porque estamos a chegar a um momento em que os nevoeiros são mais frequentes, parece-me importante escrever algo sobre este tema aqui no blog.


Aqui a saída da barra de Setúbal, com o nevoeiro a levantar.


O nevoeiro tem pelo menos uma vantagem: sabemos que o mar vai estar calmo. Não há nevoeiro com vento forte e isso já é positivo. Mas tem toda uma série de desvantagens para quem pretende navegar directo para os seus postos de pesca.
Desde logo a impossibilidade de visualizarmos os nossos pontos de referência. Falo de boias marítimas, de detalhes da costa, etc. No fundo, tudo aquilo que fazemos de forma automática, sem olhar a instrumentação.
Com o advento da tecnologia, muita da navegação é feita através de sistemas electrónicos. É possível sair do porto e chegar ao ponto de pesca sem ver um metro à frente dos olhos. Eu faço-o correntemente, sobretudo quando navego à noite.
Mas convém ter cuidados, até porque há mais gente no mar, não podemos nunca partir do princípio que estamos sós. Nunca estamos.
Assim, em caso de nevoeiro cerrado, e caso tenhamos tecnologia fiável à nossa disposição, a solução é mesmo sair, com marcha tão lenta quanto o necessário, pois podemos ter à nossa frente algo que nos barra por completo o caminho.
Por exemplo um petroleiro fundeado.


Em dia de nevoeiro cerrado, um navio destes é uma parede. Em caso de colisão, quase de certeza que ninguém lá dentro vai perceber que o nosso barco lhes bateu, mas nós podemos nem ficar vivos para praguejar...


Esses navios têm sistemas de emissão de sons, buzinas, a cada dois minutos, mas isso, que ajuda imenso a saber onde estão, pode não ser suficiente. Nunca esqueçam que numa zona portuária, a quantidade de buzinas que vamos escutar pode ser mais prejudicial que benéfica.
Cada navio sinaliza-se a si, mas os nossos sentidos enganam-nos. Os barcos pequenos são isso mesmo, e a pessoa que os conduz nem sempre está suficientemente longe do motor, e dos seus ruídos. E não podemos esquecer que não temos visibilidade quase nenhuma.
Assim, devemos ter um cuidado redobrado, não facilitando no que a luzes diz respeito. Vamos ver o que deve ser feito:

Caso o nevoeiro seja tão forte que nos impede por completo de navegar, sob risco de colidir com outra embarcação: neste caso devemos fundear, ligando a luz de mastro, luz de presença branca, visível a 360º.
Atenção, esta luz indica que estamos parados e com âncora no fundo. Contrariamente ao que é feito por “artolas” das nossas águas, esta luz branca só deve estar ligada quando estamos fundeados.
Todos os barcos têm buzina, é obrigatório por lei. Cumpre-nos sinalizar a nossa presença, enquanto esperamos que o nevoeiro passe, ou pelo menos que tenhamos algumas condições de navegação.
É muito corrente em Setúbal que se conduza com todas as luzes ligadas, por absurdo dando a informação de que estamos parados e em movimento, ao mesmo tempo!...
Nunca se pode ter ambos os sistemas em simultâneo, as luzes de bombordo e estibordo e a luz de fundeado, ok?

Luzes de bombordo e estibordo, as luzes laterais de cor vermelha e verde, só actuam quando estamos em movimento. A designação técnica é:
A expressão faróis de borda designa um farol de verde colocado a estibordo e outro de luz vermelha a bombordo projectando luz num arco de horizonte de 112º 30' colocados de forma a mostrar a luz desde a proa até 22º 30' para ré do través do bordo respectivo.
São estas luzes que irão informar outras embarcações sobre o sentido da nossa marcha. Quando duas embarcações se aproximam em rumos contrários, as duas devem partir a estibordo de forma a passar bombordo com bombordo.
Tudo o que seja diferente disto é uma informação errada e pode proporcionar uma situação de colisão.
A noite ou o dia não têm qualquer influência neste processo, os cuidados a ter são os mesmos. Vejo os veraneantes a conduzir os seus barcos de passeio e assusto-me de pensar que aquela gente tem carta e só sabe fazer aquilo: acelerar o barco. Adiante.
Embora embarcações com menos de 50 metros não sejam obrigadas a ter luz de popa, é importante saber que elas existem e qual o seu significado. A luz de popa, só é visível a 135º à ré.
A expressão farol de popa designa um farol de luz branca colocado tão próximo quanto possível da popa, projectando luz num arco de horizonte de 135º para ré.
Do Regulamento Internacional para Evitar Abalroamentos no Mar, um verdadeiro tratado de regras, excelente, o qual consultei para este trabalho, recolhi ainda algo mais sobre as luzes usadas em navegação. "As regras relativas a faróis devem ser cumpridas do pôr ao nascer do sol.
Durante este intervalo de tempo não se deverá mostrar nenhuma outra luz que possa ser confundida com os faróis prescritos nestas regras ..." "... devem também ser mostrados do nascer ao pôr do sol em condições de visibilidade reduzida ..." ,.
Acreditem que cumprir as regras de iluminação de embarcações não nos pode fazer mal, pode salvar vidas.


As marcações de informação, localização de boias, balizas, faróis, baixios, rochedos a aflorar a superfície, etc, são feitas em dias de visibilidade perfeita.


Eu tenho diversos pontos de segurança marcados no meu GPS, que me servem de auxiliares de condução, e que fiz em dias onde a minha visibilidade era total.
Em Setúbal temos línguas de areia que se prolongam muitas centenas de metros para além da baliza que vêm na foto. Porque existe o risco de arrojar na areia, marquei uma distância de segurança, que, em caso de maré vazia, me protege de encalhes. Marcar pontos de referência é extremamente útil. São eles que nos irão permitir seguir o nosso rumo sabendo onde estamos, sem dificuldades de maior.
E como fazem os capitães de embarcações comerciais de grande porte? Eles colocam as suas marcações de radar sobrepostas sobre o plotter da carta, e avançam. Em termos comerciais, um dia de viagem perdido é um prejuízo enorme, e por isso, desde que haja condições de navegar, navega-se.


Aqui um caso de nevoeiro alto, que permite ver por baixo. Não publico foto de nevoeiro cerrado porque, como é evidente, seria uma foto monocromática, sem contraste.


Mas afinal que é isso do “nevoeiro”?

Vamos ver a descrição técnica: O nevoeiro, brêtema, ou cerração, é uma nuvem stratus cuja base está no solo ou perto dele e reduz a visibilidade a menos de 1 quilómetro (com visibilidade superior a 1 km, temos apenas uma neblina ou névoa).
Pode ter origem no calor emitido durante a noite, em ar húmido que se move na horizontal e é arrefecido por baixo, (o caso do nevoeiro marítimo) ou aparecer entre o ar quente e o ar frio numa frente.
Os nevoeiros diferenciam-se das nuvens porque ocorrem junto à superfície, quer de terra quer do mar. É humidade condensada perto do solo, ou água, em forma de depósito. Gotículas de água extremamente pequenas e que, por convenção reduzem a visibilidade horizontal a menos de mil metros.
São condições essenciais para sua formação: no dia anterior humidade elevada à tarde, com céu limpo; ventos fracos; forte arrefecimento nocturno pela radiação terrestre. Ocorrem pela manhã e são dissipados pela insolação, sendo mais comuns nos vales e planícies.


Fiz esta foto em frente à Comporta, a caminho de um pesqueiro de pargos.  O nevoeiro aqui já estava a levantar e a visibilidade era mais que suficiente.


Este nevoeiro muito cerrado, bastante baixo, surgiu bem perto da costa. No meio dele, e dada a densidade, as condições de visibilidade são inferiores a 10 metros.


Por vezes enfrentamos situações difíceis que nem sequer têm a ver com nevoeiro, mas que ainda assim podem ocorrer: um mini tornado pode ser um desafio que é necessário ultrapassar. Neste caso, eu deslocava-me para Setúbal, e a água do mar subia para o céu, num remoinho impressionante. A chuva não nos pode fazer mal, mas neste caso isso significava que havia algum risco de ver o barco metido no meio desta turbulência. Pese embora a pressa em chegar a casa, a opção foi aguardar ao largo, esperar pela passagem deste fenómeno, que passou em 15 minutos, e então sim, entrar para o porto de abrigo.


Ao fundo pode ver-se a Arrábida. Aqui eu estaria ao nível da Pedra do Zimbralinho, um pouco mais ao largo.



Um plano mais aproximado. Quando temos de enfrentar fenómenos naturais, a primeira coisa a fazer é zelar para que todos os equipamentos a bordo estejam devidamente acondicionados, fixos, arrumados nos seus sítios, prontos para a agitação que se avizinha. Baixar o Trimm do motor dá-nos uma sustentação extra, cola-nos a proa à água e isso pode ser importante para a nossa navegação.


Em casos de dúvidas, falem com os marinheiros mais velhos. Eles já viram isto tudo muitas vezes e a sua palavra é a palavra de Deus. Chegaram a velhos porque quando estes casos lhes apareceram pela proa, …souberam fazer.



Vítor Ganchinho



Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال