LEVANTAR CEDO DA CAMA... PARA IR PESCAR

Acredito que seja mais fácil que o corpinho se sacrifique a levantar cedo, ainda bem de noite, …para ir à pesca.
Fosse o motivo outro, nomeadamente para ir trabalhar, e o entusiasmo seria porventura bem menor. Faz parte da natureza humana, o cair para o lado dos brilhos, das lantejoulas, dos aplausos, do espectáculo, e não para o lado de quem tem de varrer o lixo no fim. A pesca, indiscutivelmente faz parte das coisas boas da vida.
Motiva-nos a superação de desafios, a luta, a vontade de conseguirmos superar as manhas de um peixe velho e astuto. E isso tira-nos da cama.
Quando o acordar cedo já faz parte da rotina diária, ou seja, quando vamos pescar com muita frequência, deixa de ser um verdadeiro problema. E ver nascer o sol paga todos os sacrifícios! É um momento mágico, de expectativa, de esperança, de Ilusão de que esse vai ser um grande dia de pesca.

Tenho pessoas que me contactam para eu as levar a pescar. E dizem-me: “…queria ir pescar das 10.30h às 12.15h, pode ser”…?
Invariavelmente respondo um pouco áspero e sem muita…”anestesia”. Algo como:
_Meu amigo, isso é horário para o barco Cacilheiro de Lisboa! Se quer ir à pesca comigo levanta o rabo da cama bem cedo, e vai comigo ver o nascer do sol.


Saída aos primeiros raios de sol da cidade de Setúbal. Este é o momento certo para sair quando queremos ir lançar linhas aos nossos peixinhos.


Costuma dizer-se que quem se levanta cedo acha as carteiras que os bêbados perderam durante a noite. Acredito que sair a pescar pela manhã nos dá, em termos de pesca, uma série de vantagens tremendas.
Já aqui analisámos questões que se prendem com actividade diurna e nocturna dos nossos peixes. As nossas linhas “desaparecem” quando lançadas para uma água ainda (ou já) escura, com falta de visibilidade. A visão dos peixes, nesses momentos, é menos utilizada, menos predominante sobre outros sentidos, nomeadamente a linha lateral, o olfacto, a audição. Bem cedo pela manhã, podemos ter o melhor de dois mundos: o peixe que, sendo essencialmente nocturno, ainda está a caçar e pode encontrar os nossos iscos, e o peixe diurno que, perante o levantar dos primeiros raios de sol, inicia a sua labuta diária de procura de comida. E que encontra os nossos iscos.
Só voltamos a ter a mesma oportunidade de conjugação destes factores ao final do dia, com desvantagens obvias para nós: a noite vem aí, e com ela alguma impossibilidade de continuarmos a pescar.
Não me refiro apenas à questão da legislação sobre pesca nocturna embarcada, que é francamente ambígua e não esclarecedora. Provavelmente de propósito.
Se tomarmos à letra os decretos existentes, e na soma da leitura de todos eles, chegamos à conclusão de que se pode, mas não em todos os locais. De resto isso mesmo foi confirmado por uma Capitania a que recorremos no sentido de esclarecer o tema.
Entendo no entanto as dúvidas do legislador, e procuro perceber a dificuldade de dar uma permissão clara, que viabilize a pesca nocturna embarcada.
Sabemos que uma infinidade de práticas ilegais ocorrem à noite. O espectro é largo, desde o transporte de drogas, de contrabando, de lançamento de redes ilegais em zonas ilegais, etc. Sabemos disso, mas é preocupante saber que por isso, ou seja, por haver essa possibilidade factual, se pretende limitar a liberdade e livre opção de um cidadão que sente que tem condições, e interesse, em fazer pesca à noite. Não é uma situação fácil de contornar, porque a haver muitas embarcações no mar, isso gera confusão, muita instabilidade. E isso pode ser aproveitado por quem quiser tirar proveito, quem vive de subterfúgios e esquemas ilegais. E são esses que obrigam a que os pescadores se vejam de repente com um ponto de interrogação sobre a cabeça, sair ao mar ou não. A segurança deve imperar sobre toda e qualquer devoção à arte da pesca. E a situação em si obriga a legislar no sentido de acautelar ilegalidades. Já outras, são suficientemente ridículas para poderem ser levadas a sério.
Entronca nesta linha de raciocínio o absurdo de termos de cortar as pontas dos rabos aos peixes capturados, a troco de impedir a comercialização do pescado. Dou-vos a minha opinião já a seguir.
Trata-se de uma medida que peca por ridícula, porque a maior parte dos pescadores não consegue sequer pescar meia dúzia de peixes para sua casa. As despesas de sair a pescar são infinitamente superiores às receitas que daí poderiam advir, da venda do pescado. Poupem-me ao ridículo de vos dizer que os baldes de quem pesca ao fim de semana não ficam propriamente atestados. Muitas vezes, e tão frequentemente, nem o fundo do balde fica tapado. A pesca lúdica é uma forma de passar o tempo para quem trabalha durante a semana, e contabilizando as possíveis “receitas”, leia-se peixe capturado, contra as despesas totais, sabemos ser uma classe sobremaneira “apreciada” pelo Estado. Contribuímos, e muito, com os nossos valores de Ivas e taxas variadas para os cofres do país. Para pescar, e para onde nos viramos, equipamentos de pesca, iscas, combustíveis, lanche, roupas, óculos escuros, protector solar, estamos sempre a contribuir para o Estado. A pesca é uma actividade lúdica muito cara.
Sendo claros, para sermos capazes de pescar em quantidade para vender aos restaurantes, teríamos de conseguir conjugar dois factores: ter peixe em qualidade e abundância para isso, e também ter pescadores com nível técnico suficiente para isso.
Aqueles que são de facto bons, e são-no por força da necessidade de serem bons, leia-se não terem emprego em terra, saem e pescam, seja ou não permitido. Provavelmente será gente que já não terá muito a perder. Vão vê-los aos sargos nas paredes do Espichel, Parque Natural, Reserva Ecológica.
Esses, que poderão ser duas dúzias no país, e porventura são conhecidos das autoridades, irão continuar a vender o seu peixe nos restaurantes. Que servem de receptadores de pescado mais barato, sem factura e sem IVA para o Estado.
Uma fiscalização apertada e muito dura, com verdadeiras coimas e “hospedagem” em prisão durante uns tempos, poderia desmobilizar aqueles, poucos, que podem pretender viver disso. Mas assim sendo, teríamos de ser todos nós a alimentá-los, …porque o valor das despesas prisionais sai do Orçamento de Estado. Dos nossos impostos, …certo? Por outras palavras, ou pagamos o “ Subsídio de Desemprego” desta gente, ou pagamos as “despesas do cárcere”. Nem sei o que prefiro…
O campo de recrutamento de actividades ilegais é imenso, e se começa na ameijoa do Tejo, pode perfeitamente acabar por algo relacionado com pesca à linha. Ou à rede. Mas deverá a legislação incidir sobre o todo, para limitar uma pequena franja de gente que possa eventualmente estar interessada nisso?
Se houver um acidente numa autoestrada proíbem-se de imediato todos os condutores de circular nas autoestradas?
Serei sempre um incondicional da legalidade, até porque tenho família e gosto de dormir descansado, mas certos “truques legislativos” parecem-me suficientemente ridículos para acreditar neles.
Em Setúbal, e porventura em muitos mais sítios, (Algarve, seguramente!) os turistas escolhem na vitrine um sargo bonito, fresco, e a seguir levam com o sargo que sobrou de ontem, ou que tem um furo de um arpão, ou que tem o rabo cortado. E que se partiu na grelha….se bem me faço entender.
A questão que se coloca tem a ver com a necessidade do Estado não poder deixar “rabos de palha”, actividades comerciais que não pagam impostos. E todos concordamos com isso. A seguir, um iluminado teve uma ideia brilhante: “manda-se toda a gente cortar um bocadinho do rabo dos peixes que pesca”….
Ou paga multa. E nós cortamos os rabinhos dos peixes, colaborando assim numa prática que só não nos mata de ridículo …por acaso.




Pescar à noite tem vantagens do ponto de vista técnico, alguns tipos de peixe estão particularmente activos, mas desvantagens do ponto de vista de segurança e infelizmente de garante de boas intenções.
Para produzir legislação nesse sentido, seria necessário acreditar que quem vai pescar o faz dentro de um enquadramento completo e total de legalidade, o que, indiscutivelmente, levanta dúvidas e objeções ao legislador. Reconheço isso.
Mas não haverá também alguma incapacidade e interesse em fiscalizar a qualquer hora do dia e da noite? Quem está interessado em estar num cais de desembarque às quatro da manhã à espera de quem entra? Que custos traz isso ao Erário Público?
Quem arrisca a pele para executar esse serviço?

De qualquer forma, não me referia à questão da legalidade, mas sim ao conforto de pescar à noite. Falo do incómodo de estarmos no mar e poder surgir algum eventual golpe de mau tempo. Tudo fica mais difícil nessas circunstâncias.
Sei de pessoas que com muito bom tempo já denotam dificuldades, imaginem com mau tempo, vento, ondulação, correntes, zonas baixas. Imaginem levantar âncoras, preparar o barco para sair da zona e voltar a terra.
Pela parte que me toca não sinto que navegar de noite seja mais fácil ou mais difícil, apenas é diferente. Não é complicado. Não será muito mais difícil para quem está bem equipado de meios eletrónicos.
Conhecendo a zona, e tendo um bom GPS, uma sonda que nos indica os fundos, podemos não ser rigorosos ao metro, mas somos às dezenas de metros. E isso basta para sabermos onde estamos.
Depois se há boias na zona, …e se as conseguimos ver….aplica-se o princípio de Arquimedes, que diz que …as boias à noite se afastam sempre de nós.


Aqui um dia em que saí sem vento, sem ondulação, e que por sinal rendeu peixes interessantes logo ao raiar dos primeiros raios solares.


A legislação existe, mas não é fácil encontrá-la, não está disponível de imediato nos sites onde a podemos procurar.
Seria bom que a regulamentação estivesse exposta, que fosse acessível a todos aqueles que possam ter dúvidas. E inclusive, se não for pedir muito, que os diversos organismos estatais estejam sintonizados, que divulguem todos a mesma mensagem. Não ajuda que uma entidade diga sim à pesca nocturna e outra o contrário. Ou assim assim…conforme se pode ver aqui, com meia-hora antes e depois.




Jornada de pesca

O período que decorre entre a meia hora que antecede o nascer do sol e meia hora após o pôr do-sol.

Fora da jornada de pesca só excecionalmente é permitido pescar de noite e apenas nas seguintes situações:

- A pesca profissional praticada em zonas de pesca profissional (ZPP) cujo respetivo plano de gestão e exploração preveja a pesca noturna;

- A pesca lúdica e a desportiva noturna na modalidade de carp fishing, praticada em zonas de pesca lúdica (ZPL) cujo respetivo plano de gestão e exploração a preveja;

- A pesca lúdica e a desportiva noturna na modalidade de carp fishing, praticada nos locais estabelecidos na deliberação do Conselho Diretivo do ICNF, de 17 de abril de 2018;

- Provas de pesca desportiva, incluindo o treino, organizadas pela FPPD e cujo regulamento preveja a pesca noturna.



Deixando de parte esta questão da legalidade, ainda assim, e mesmo assumindo a permissão, outras questões se colocam. Questões de segurança desde logo. Fazer planeamento da saída é uma medida avisada. Manter alguma reserva sobre os excessos de optimismo pode ajudar-nos a não nos vermos em situações de apertos. E assim sendo, que dias devemos escolher para as nossas incursões nocturnas? Aqui o meu ponto de vista é claro: sair sim, mas com certezas de que a noite vai ser calma.
Verificar as previsões para esse dia e dias seguintes pode ajudar. Já aqui no blog dedicámos um artigo ao tema, o ano passado, e têm lá dados que podem ser importantes na definição do melhor dia para tentarem a vossa aventura de pesca à noite.


Esta é uma noite que se adivinha como boa para a actividade da pesca.


Nada como ter um mar calmo para poder navegar rápido, nada como ter mar mexido, para pôr o peixe activo, a procurar comida. No meio pode estar a virtude. Mas quando se fala em pescar à noite, não há meios termos: é calmo mesmo calmo, sem vento, e não … quase calmo.
Questões de segurança não podem ser nunca, de forma alguma, negligenciáveis.



Vítor Ganchinho



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