VÊM AÍ OS SAFIOS, ... E VÊM EM FORÇA!

O “Conger conger”, ou congro, ou safio quando em pequeno, ou “samirro” quando juvenil, é um peixe que temos entre nós durante todo o ano. De dorso cinza escuro, quase antracite, e ventre branco, o safio é um dos maiores peixes que temos na nossa costa.
Exemplares acima dos 2 metros não são raros, sendo os 3 metros o tecto a que um destes peixes pode aspirar. Está registado um exemplar capturado em Inglaterra, com 110 kgs.
Existe mesmo um clube inglês de pesca ao congro, com centenas de filiados, que se juntam e preparam saídas de pesca que duram vários dias. Consiste a sua estratégia em engodar um local próximo de um destroço de um barco, (um rochedo com buracos, ou qualquer outro local onde se suspeite da existência de um destes monstros), mas suficientemente afastado para que, a seguir à ferragem se possa travar o animal antes de ele conseguir retornar ao seu buraco. São sempre lutas épicas, de muito esforço, de uma longa preparação e que só são vencidas com equipamento à altura.
Tenho um amigo irlandês que vibra imenso com as suas capturas de congros, e diz-me que para ele está ao nível do carpfishing, algo por aí. Pertence a um club que se dedica exclusivamente a pescar safios. Com efeito, o British Conger Club existe desde 1961, tendo hoje a bonita idade de 60 anos. Basicamente trata-se de um grupo de pessoas que se diverte a pescar congros monstruosos.
Por cá, devemos ser mais modestos na nossa ambição. Correntemente, diria numa base diária, temos safios na ponta da nossa linha que não excedem os 5/ 10 kgs, sendo que podemos ter a sorte de conseguir ferrar um acima dos 40 kgs, em zonas mais profundas.
O que não quer dizer exactamente que o consigamos capturar. A sua pesca é relativamente fácil até ao momento da ferragem.
Utilizando uma cavala ou sardinha inteira, entram com a maior das facilidades. A partir daí depende muito da qualidade do equipamento de que dispomos, sendo o anzol e o baixo de linha muito importantes, mesmo mais que a cana e carreto, que ainda assim devem ter a robustez necessária.
Com linhas finas, quase de certeza o iremos perder, dado que os seus multiplos dentes irão desgastar o nylon durante o trajecto do fundo à superfície. A linha vai esgaçando pela fricção com os dentes, e não adianta pensar em estar seguro até, pelo menos, um nylon 0.80mm.
Normalmente parte o baixo de linha ao chegar à vista do barco, quando temos de fazer o esforço final para o meter no camaroeiro, ou embarcar com um bicheiro. O peixe irá cabeçear, abanar a cabeça para um lado e outro, tentando recuar e evitar a entrada na rede. Este é o momento crítico, onde tudo se decide, pois a linha do carreto, já curta, irá esticar até atingir o seu ponto de rotura. Nós puxamos de um lado e o peixe do outro. Neste momento, o nosso nylon já vibra, é uma corda de guitarra. É de bom tom deixar um pouco mais de linha livre e realizar a operação à mão, deixando a cana de lado. A entrada no camaroeiro deve ser tentada sempre pela cauda. O movimento de recuo do safio ajuda-nos a fazê-lo entrar na rede. Caso a opção seja a contrária, ou seja utilizando o método que aplicaríamos num peixe como um pargo, uma dourada, o que se passa é que o safio, dado o seu comprimento irá ficar com a cabeça no saco de rede, mas a maior parte do corpo fica de fora. Os movimentos do peixe são no sentido de procurar a sua rectaguarda, ou seja, sair da rede. Isso basta para que, em acção de levantamento, acabe por cair à água novamente. Por isso, recorde-se de o tentar ensacar pela cauda, não pela cabeça.
Depois de tanto esforço, é inglório perder o peixe mesmo diante dos nossos olhos, mas acontece frequentemente. A quantidade de safios que capturamos com anzóis de outros pescadores assim o diz.


Os ingleses têm os maiores safios do mundo. Fazem-lhes pesca dirigida e são particularmente bons a executar. Também os franceses os têm, mas numa base de mais quantidade e menos peso. Em França, é comum existirem buracos com a cohabitação de diversos safios, dois, três e mesmo quatro, enquanto que em Portugal isso é raro.


Mas quem é este estranho ser, que nos parte linhas por abrasão de dentes que afinal de contas apenas são finos, imensos e movidos por dois maxilares muito fortes?
O safio é um predador muito bem sucedido, que está particularmente bem armado para o tipo de vida que faz. Vejamos um pouco das suas características físicas:
Trata-se de um congrídeo, que ocorre desde a Noruega e Islândia até ao Senegal. Isto é o que dizem os registos embora eu vos diga que ao longo de 25 anos em que mergulhei com regularidade no Senegal, de norte a sul, de Yoff a Saly, e nunca vi nenhum.
No nosso país, são aos milhares, de todos os tamanhos, desde os pequeninos “atacadores de sapatos” com pouco mais de 50 cm, que pululam por buracos muito próximos da superfície, até aos grandes mastodontes que se refugiam em tocas escuras a profundidades mais significativas.
Nunca faltam safios. Para vermos os seus buracos de caça vazios, teremos de estar a sofrer as agruras de águas mesmo muito frias, na ordem dos 12/ 13ºC. Só nessas circunstâncias eles resolvem afundar um pouco mais, procurando as termoclinas mais favoráveis.
Já foram avistados safios a profundidades de 1170 metros, pelo que ficam a saber que este congrídeo baixa a cotas que não nos estão acessíveis com os nossos equipamentos de pesca normais.
Não tem escamas, mas sim uma pele coberta de muco. É esta mucosidade que nos impede de os conseguir agarrar à mão com firmeza. Isso e uma anormal capacidade de rotação do corpo fazem com que não seja fácil trabalhar o peixe e descravar o anzol. Sugiro um pano a nível das guelras, apertado bem forte.
Quando os queremos libertar, é conveniente tentar retirar o anzol, se este se encontrar visível no interior da sua boca. Por vezes, quando damos tempo de picada a mais, o safio engole mesmo, e aí já é virtualmente impossível retirar o anzol. Nesses casos, cortar a linha é a única opção. Com o tempo, e pese todo o desconforto que a situação irá provocar ao infeliz safio, o anzol irá oxidar e acabar por se desfazer. Eles sobrevivem.

Este peixe tem uma vitalidade muito grande, e não é estranho que, com tempo fresco, húmido, muitos minutos depois de o termos retirado da água, tenha ainda energia para morder a nossa mão. Cuidado! O safio tem um par de maxilas muito fortes e pode provocar estragos.
Tenho um amigo que resolveu aproximar a mão de um destes peixes, capturado por mim ao mergulho. Ficou sem 4 mm do dedo, e teve de ser cosido no hospital. Vejam a foto:




O safio é essencialmente um predador nocturno, que sai para caçar a coberto da noite. Vive em tocas que basicamente são tubos redondos, sítios onde podem estar abrigados, escondidos, limitando-se a manter a cabeça bem perto da saída.
A quantidade de safios que ferramos durante o dia, especialmente em zonas mais descansadas, prova que mesmo durante o dia estão atentos a ruídos, cheiros, brilhos, e aproveitam muito bem todas as oportunidades para fazer aquilo que mais gostam: comer.
O safio come sempre que pode. Com o estômago cheio, encontram ainda assim espaço e coragem para um pouco mais. A ansia de crescer, e com isso o poderem chegar a um estatuto de superpredadores, impele-os a cometer excessos.
E é esta gula que os perde. Não temos dificuldade nenhuma em os convencer a picar. Adoram polvos, (um tentáculo ou um bucho de polvo funcionam bem, mas também uma sardinha, uma cavala filetada, uma lula, …tudo lhes serve).
Reproduzem uma vez apenas na sua vida, (são sexualmente activos entre os 5 e os 15 anos), e depositam aí todas as suas esperanças de continuidade. As fêmeas largam a estrondosa quantidade de …5 a 8 milhões de ovos.
O safio aparece quase sempre como um by-catch, um peixe que não procuramos mas que vai à isca de peixe fresco, com sangue. Podem ser incómodos, se considerarmos que temos 10 kgs de peixe diários para capturar, mais o maior exemplar, isento. Ou seja, dois safios fazem o dia e isso consegue-se em minutos. Libertar é preciso. Por mim, e desde que o anzol permita a sua libertação (utilizar um alicate, nada de pôr as mãos dentro da boca do bicho!), faço-o sempre.

Passo-vos algumas fotos, deste mês.


Este é o tamanho standard do nosso safio. Daqui para cima começam a ser mais raros em zonas baixas. Temos muitos, mas pequenos.


A ideia que tenho é que a caça submarina será a responsável por grande parte das capturas, pois trata-se de um peixe que tem nessas circunstâncias muito pouca defesa.
É algo tímido perante o caçador, mas não o suficiente para se esgueirar rápido para dentro do buraco. Resiste a ser retirado da toca, tem força e emprega-a contra as paredes da pedra dificultando a extração, mas é sempre uma questão de tempo.
Nos primeiros metros de água, digamos os primeiros 20 mts, raramente podemos aspirar a safios acima dos 20 kgs. Existem, mas são raros. O normal é encontrarmos peixes de tamanhos bem mais modestos.


Safio de 1,70 Mts. Este peixe dá a luta que pode, e assenta a sua estratégia na rotura da linha.


A Nanci Tavares com mais um “atilho” pequeno, que são mesmo os mais correntes.


E outro, desta vez para a Laura. Estes peixes devem ser sempre libertados.


Um jovem dinamarquês de 13 anos, com o seu primeiro safio.


Em rigor, não há falta de safios. A sua abundância prende-se com o facto de a pesca profissional não “apertar” muito com os peixes mais pequenos, por falta de interesse na sua comercialização.
Pese embora os aparelhos venham carregados deles, a verdade é que os pescadores apenas levam à lota os maiores. Não por razões ecológicas, de todo, mas porque não há compradores para estes peixes quando em pequenos.
Isso faz com que exista abundância. Mesmo se a forma de libertação é pouco ortodoxa: os profissionais não perdem tempo com eles, apenas cortam a linha ao nível da maxila.
São libertados às dezenas todos os dias, embora com o incómodo do anzol. Mas a rusticidade do peixe supera esse handicap e daí a semanas estão como novos e continuam a sua vida sem entropias.
O mês em que estamos é um mês em que os safios nos vão apertar um pouco. A razão é simples: a chegada dos polvos para a desova vai acontecer no mês que vem. À medida que os polvos sobem para a costa, ou seja, que iniciam a sua migração vertical até aos baixios, os safios acompanham, diria mesmo que até os precedem. Vem aí o momento da grande matança, tempo para safio engordar.
Ou conseguem os polvos num momento de descuido, sem protecção, ainda na fase em que se encontram na areia a avizinhar a pedra, ou irão comê-los a seguir, quando os machos e fêmeas morrerem, depois da desova.
Atendendo ao que vejo debaixo de água, é todo um ritual, primeiro a chegada dos safios, a seguir a chegada dos polvos, e durante dois meses um jogo de gato e rato, para ver quem engana quem.
Lembro que os safios assentam armas nas mesmas pedras onde os polvos procuram reproduzir. Vejo-os frequentemente em pedras que chegam a parecer-me pequenas demais para que possa haver a menor coabitação, pedras ilhadas na areia com pouco mais de meia dúzia de metros. Os polvos encostam-se o que podem às pedras, procurando ficar o mais resguardados possível, uma fresta, uma cova, com muitas pedras roladas ao seu alcance. Os safios descansam preferencialmente durante o dia, e esperam pela noite, para cobrarem a sua parte nesta migração forçada. Mas se o polvo abandona o seu espaço seguro, mesmo de dia, …os safios vão atrás dele. E esta luta, esta aflição, é algo que decorre de dia e de noite, sem interrupções, sem tréguas.

É a natureza no seu melhor, juntando a vida e a morte no mesmo espaço.


Vítor Ganchinho



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