E POR FALAR EM POLVOS...

Tenho por eles uma admiração extrema. São fantásticos nas suas demonstrações de inteligência, de capacidades de raciocínio, de previsão de consequências do que fazem. Os polvos conseguem…planear.
O polvo, nas palavras um biólogo muito conceituado, é o ser mais próximo de um alienígena que nós humanos podemos contactar em vida.
Esta semana falámos deles aqui numa vertente mais humanizada, a sua captura por duas artes distintas: os covos (gaiolas de rede com iscas dentro, onde o polvo entra para se alimentar) ou alcatruzes, (cântaros em barro ou plástico, utilizados pelo polvo numa perspectiva de abrigo).
Nós humanos, não os tratamos bem. Mesmo nada bem...

Hoje trago-vos mais umas quantas curiosidades acerca deste molusco sem concha, (por oposição aos chocos e lulas que a apresentam, embora internamente). Trata-se de um animal com uma elevada percentagem de macro neurónios que só aparecem nesta classe e são mais desenvolvidos do que qualquer outro invertebrado. O polvo é um octópode incrível, um animal estranhíssimo, de longe o mais inteligente dos moluscos, e por isso mesmo um bom motivo de estudos e experiências para cientistas de todo o mundo. Quanto mais sabemos sobre ele mais nos surpreende.

Vamos hoje ver aqui as possibilidades de sobrevivência de um polvo no seu meio natural. Percentualmente não são muitas, e por isso mesmo, mais impressionante ainda é saber que mesmo assim …e não obstante tudo o que passa, há polvos.
No fim de tudo, e pese os riscos que corre desde que nasce, o nosso sobrevivente polvo ainda é capaz de se manter… vivo.


Este inocente polvinho estará a dar passos rápidos para crescer o suficiente e deixar de ser um potencial alvo para robalos, pargos, safios, etc. Para um mero nunca será grande demais, pois esses peixes “aspiram-nos” mesmo com alguns quilos de peso. Os meros são malucos por polvos. Reparem como se “espalha” por entre as pedras, de forma a oferecer o mínimo recorte possível.


Comecemos por dizer que a sua curta vida é recheada de acontecimentos dramáticos, que frequentemente podem acabar na morte prematura do exemplar. O seu nascimento já resulta da morte dos seus progenitores.
Os seus pais, para lhe darem vida, deixaram de comer e sacrificaram a sua vida, guardando o ninho onde ele e os seus irmãos estiveram protegidos dos predadores. Os polvos escolhem recantos de pedra, com frestas, para depositar a sua postura.
Mostram uma preferência muito grande por pontas de rocha onde possam escavar a areia com os tentáculos, produzindo assim uma depressão no terreno que lhes servirá de refúgio. Complementam a protecção com alguns calhaus rolados, que pegam e apontam ao seu opositor. Por experiência própria digo-vos que é difícil penetrar nas suas defesas e para um safio não será mais fácil. Mas não impossível, com a devida perseverança, atendendo à quantidade de polvos com falta de tentáculos que capturamos.
A fêmea pendura os óvulos no tecto, e fica a prestar guarda. O macho, normalmente de menor tamanho, acasala e vai embora. Não ficará vivo muito mais tempo.
Durante todo o tempo de eclosão dos futuros polvinhos, a fêmea não se alimenta. Sabe que um minuto de afastamento e descuido seu será fatal, pois os pequenos peixes não deixam de rondar as imediações.
A equação não é fácil de resolver: porque o casal de polvos quer dar aos seus descendentes as maiores probabilidades de sobrevivência, deposita os ovos em zonas baixas, no litoral, onde existe mais abundância de comida. Falamos de uma dieta de crustáceos, moluscos e pequenos peixes.
Se os polvos podem ser capturados a mais de 200 metros de profundidade, é no entanto nos baixios, nos primeiros 20 metros, que reproduzem. Precisamente onde, pelo mesmo motivo, vivem os peixes de pequeno tamanho, capazes de comer esses mesmos ovos, ou os polvinhos recentemente nascidos. Estima-se que, de uma ninhada de 500.000 óvulos, muito poucos chegarão ao estado adulto, não mais de 2 ou 3. Embora reproduza todo o ano (quando se tem um ciclo de vida tão curto, não mais de 2 anos, isso é fundamental), é na Primavera e Outono que encontra as melhores condições para efectuar as posturas. Na zona onde costumo mergulhar, Setúbal/ Sines, encontro-os em grandes concentrações sobretudo nos meses de Outubro e Novembro. Continua a haver pedras com centenas de polvos à sua volta, em ninhos que não distam mais de 50 cm uns dos outros. Os grandes, ou seja, aqueles que ultrapassam os 8 kgs, tratam de mostrar que são mesmo grandes aos outros. Já os vi a comer polvos pequenos com…5 kgs. Começam pelas pontas dos tentáculos, e no fim fica apenas a cabeça. O canibalismo é frequente, e na minha opinião justifica-se pela redução do número de efectivos que concorrem pela comida e reprodução nesse local. Quando se tata de garantir descendência, e mais se o animal tem um espectro de vida de 2 anos apenas, todos os argumentos são válidos.


Mau disfarce. A tenra idade ainda não lhe deu o conhecimento necessário para entender que as pedras reviradas não são algo de natural e por isso chamam a atenção. A parte das pedras que esteve sempre para cima tem algas incrustadas, a parte branca e lisa,... ficou para baixo, sem luz, e por isso sem algas. De repente, o polvo, na sua aflição para se esconder, inverteu as posições e por isso ficou numa situação algo crítica, tornou-se visível a partir da superfície.


A sua consistência aparentemente mole, por ausência de esqueleto ósseo, engana-nos bem. Na verdade, quando em tensão, o corpo de um polvo pode ser duro e extremamente forte. Um polvo grande, entre os 8 e os 10 kgs, pode causar problemas a um mergulhador, caso este não tenha a experiência necessária. Com este peso, e com força séria nos tentáculos, há que ter cuidado com as barbatanas, com fatos lisos, e sobretudo com a máscara. Não é difícil que fique fora do rosto, porque eles arrancam-na da cara com facilidade. Não é frequente que nos mordam. Pese embora possam infligir dentadas muito dolorosas com o seu bico de papagaio, o bico quitinoso, não é frequente que isso aconteça. Bem mais normal é que um choco nos morda, se tiver essa oportunidade.
A visão do polvo é binocular e pese embora as diferenças para o olho humano, acredita-se que tenham percepção das cores. Provavelmente não a que temos, mas com gradientes de cor, o que parece não os limitar quando se trata de imitar na perfeição as cores das pedras, areia ou de qualquer fundo onde possam estar pousados. Fazem-no em segundos, e utilizam essa camuflagem para nos confundir. Estimo que um mergulhador pouco treinado apenas consiga ver uma pequena parte de todos os polvos que cruza aquando de um mergulho.
Os polvos, em caso de ameaça, podem liberar uma nuvem de tinta negra, que os ajuda a escapar aos seus predadores. A principal substância dessa tinta é a melanina, uma substância que também dá a coloração dos cabelos e à pele dos humanos.
Para além de servir de cortina de fumo, essa tinta também confunde os predadores através do cheiro. Mas é a sua capacidade de camuflagem e de se esgueirarem por fendas estreitas, por buracos impossíveis, que faz deles um sobrevivente convicto.
A sua capacidade de “desaparecer” adoptando as cores do meio ambiente em que se encontra são conhecidas e devem-se a células especializadas existentes na sua pele. Chamam-se cromatóforos e permitem alterar a cor em vários tons, o que, com a dose certa é mais que suficiente para nos passarem despercebidos. Para além da cor, conseguem ainda adoptar uma textura rugosa, que os torna mais uma alga ou pedra, no meio das algas ou pedras circundantes.
Mas trazem de série mais uns quantos argumentos de sobrevivência: podem regenerar um tentáculo, ou mais se necessário, em caso de ataque de um predador. São uma caixa de surpresas, estes bichinhos.


Situação menos frequente: um polvo na sua toca de caça, mas numa zona muito desabrigada. Nesta posição, fica muito exposto a eventuais predadores. A existência de uma concha de mexilhão pode indicar-nos que não estará longe de uma mexilhoeira, ou tão só que encontrou a concha longe e decidiu trazê-la para o seu lugar de permanência. Fazem o mesmo com objectos humanos, uma lata, uma garrafa, tudo o que possam utilizar como obstáculo contra quem se aproxima deles.


Aqui podemos observar a particularidade de conseguirem eriçar a pele, para conseguirem modificar a sua textura. Este disfarce resulta bem melhor em zonas com algas. Se este polvinho conseguir viver tempo suficiente, irá aprender a fazer bem feito.


Mais visível nesta foto. Reparem no olho, com uma linha horizontal simples. Um portento de capacidade adaptativa, este pequeno ser.


O Algarve é um dos pontos do país onde se podem encontrar mais polvos. As suas águas mais calmas e cheias de comida permitem um crescimento rápido. Mas toda a costa Vicentina não está mal de stocks, e mais acima, em Setúbal, podemos mesmo considerar que os pescadores de linha são afortunados: o tamanho máximo que atingem é na ordem dos 10 kgs.


E que comem os nossos polvos para crescer tão depressa? Se a princípio se ficam por micro estrelas-do-mar e minúsculos organismos bentónicos, a partir do momento em que ganham algum tamanho e peso o caso muda de figura: passam a procurar peixes, bivalves, outros moluscos, polvos mais pequenos, etc. Vejam abaixo o que pode ser um almoço para polvo.


Navalheira. São espalmadas, conseguem introduzir-se em fendas muito estreitas, mas o seu adversário não tem esqueleto. Logo, passa sempre.


As judias, “Coris julis” são frequentemente capturadas e comidas pelos polvos.


Os bodeões, peixe muito abundante, é outro dos que levam pancada.


Aqui o têm, um polvo a tentar cores pouco vistas, os tons de azul. Em zonas de algas procuram seguir o padrão mais comum.


E aí vai um pretendente. Os safios matam polvos todos os dias, e serão eventualmente, a seguir ao homem, o maior perigo que um polvo tem de enfrentar. A técnica é primária e tem para o polvo resultados devastadores: o safio aboca um tentáculo e roda sobre si próprio até o conseguir arrancar. Quanto maior o safio, mais facilidade tem em o conseguir fazer.


Quando a noite cai, os safios saem, e começa o martírio dos polvos. Vão ser procurados até o sol voltar a aparecer de novo no horizonte.


Desde que nascem até que procedem à reprodução e morrem, os polvos têm uma vida atribulada, feita de superação, de perigos, de enormes dificuldades.
São um bichinho que merece bem o nosso carinho e admiração.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Eu tenho uma grande admiração por eles.
    Os polvos apresentam macro neurónios que nesta classe são mais desenvolvidos do que qualquer outro invertebrado.
    Maravilhoso de um artigo.

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    1. Bom dia Carlos Campos O que é fantástico é que eles conseguem desenvolver inteligência personalizada, não são todos iguais. Desde que nascem, com poucos milimetros de comprimento, até que morrem são sistematicamente perseguidos. Por tudo e todos! E enquanto escapam ...fazem uma grande quantidade de coisas: nascem, crescem, caçam, defendem-se de predadores, reproduzem, e tudo no espaço de 2 anos.
      É um animal magnífico!


      Abraço
      Vitor

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