GAIVOTAS EM TERRA...

Recebo muitas chamadas e e-mails a perguntar “onde é que se podem fazer uns peixes grandes, ….de terra?”. Esta é uma pergunta que vale 1 milhão de euros, e à qual quem sabe verdadeiramente a resposta …não quer responder.
Como gostaria de poder ajudar. Todos sabemos que de quando em quando aparece um peixe aqui ou ali, pescado normalmente por quem teve a coragem de se levantar cedo, ou não ir deitar-se quando a noite cai e todos os outros pescadores já estão a descansar em suas casas, em sossego.
Há milhares de pessoas a pescar de terra. Os sítios verdadeiramente “bons” são raros. Bem mais frequentes são os medianos ou …razoáveis, e se quiserem, são sobejamente conhecidos. Ruins são aos magotes, mas desses ninguém quer saber.
Estas zonas melhores, onde se pode pescar algo diferente da trivialidade do costume, quase sempre rimam com sacrifícios pessoais em termos de horários, ou correspondem a locais que, pelas suas características impedem a colocação de redes, ou não permitem o arrasto.
Há factores dos quais o peixe não conseguirá fugir nunca: a zona onde estão tem de lhes proporcionar segurança e comida. Não necessariamente por esta ordem.
Podemos, em termos genéricos, tentar abordar esta questão da pesca de peixes bons a partir de pesqueiros de costa, sem nos focarmos demasiado nesta ou aquela zona do país, apenas nas possibilidades reais que existem de conseguir um peixe de excepção.
Sabendo à anteriori que os sítios que podem ser bons, não o são todo o dia, nem todos os dias. Nem sequer todos os meses do ano. Na maior parte dos casos, apenas são locais onde o peixe encosta para comer, durante algumas horas.
E isso faz com que, ou bem que estamos lá quando é para estar, ou estaremos apenas a lançar linhas no vazio.


Chegar a um pesqueiro com o sol alto, é algo que só se justifica por força de uma maré mais tardia, e sabemos que os resultados finais serão sempre algo exíguos, comedidos.


É minha opinião que o nascer do dia e o pôr-do-sol são momentos em que o peixe acaba sempre por dar um ar da sua graça. Estar no sítio certo, na hora certa, pode render algum peixe.
Mas ainda assim, a maior parte das vezes estaremos a pescar onde outra pessoa esteve ontem, e antes de ontem. Para além disso, não podemos considerar viável uma pesca que apenas se restringe a dois momentos específicos do dia, períodos de uma hora, pois isso é demasiado restritivo, demasiado limitativo das ambições que temos de pescar continuamente algumas horas. Assim sendo, há que procurar locais menos visitados.
Se quisermos pescar em pesqueiros pouco explorados, teremos forçosamente de nos deslocar para zonas mais remotas, de mais difícil acesso, onde possa ser possível encontrar peixe mais descansado, menos habituado aos truques de cada um de nós. Se faz sentido comparar a costa do Almograve com os pontões da Caparica? É natural que a pressão de pesca seja muito inferior no primeiro, por ser um local remoto. A Costa Vicentina tem acessos difíceis, e por isso mesmo, muitos locais pouco frequentados.
Se me falarem em pescar na Ponta da Atalaia, ou na Carrapateira, ou em pescar debaixo da Ponte 25 de Abril, pois digo-vos que preferia os primeiros dois locais. E qual a razão?

Pois tem a ver com a expectativa que podemos ter em termos de capturas, mas também com a pressão de pesca que um local sofre e o outro não sofre. E isso sobrepõe-se inclusive ao potencial em termos de habitat que cada um dos sítios tem.
Assim sendo, já temos aqui dois conceitos diferentes: o potencial de pesca em termos de habitat, aquilo que faz com que os peixes estejam, ou queiram estar, num determinado local (que forçosamente terá de lhes fornecer alimentação e segurança), e por outro lado, a pressão de pesca que esse local sofre.
Tenho para mim que tentar pescar num local deserto de peixe, será sempre pior que pescar numa zona muito pressionada por pescadores, mas com peixe. Nesta segunda possibilidade, há pelo menos algo que depende da técnica individual de cada um, da qualidade dos equipamentos que utiliza, do seu saber.
Tentar tirar de onde não há é uma habilidade que eu pessoalmente não tenho.
Pesco de barco, e isso permite-me escolher as zonas em função da época do ano, da percepção que tenho da presença de peixe, e até da qualidade do peixe que existe debaixo do barco. E normalmente encontro-o.
Digamos que o facto de nos podermos deslocar costa fora, dá-nos pelo menos isso de bom: podemos escolher o quê, onde e quando.

Mas para quem tem de pescar apeado, as opções não são muitas, por vezes o leque de escolha é até bastante estreito. E aí, a maioria das pessoas vê-se num dilema: apostar tudo num peixe maior, um grande exemplar, utilizando pescas mais grossas, canas, carretos e linhas mais robustas, anzóis maiores, ou por outro lado, tentar aproveitar aquilo que será mais provável no local, e que não passa de meia dúzia de pequenos sargos, uns carapaus, algumas cavalas. Não raro, as pessoas querem fazer tudo, ao mesmo tempo. Das conversas que tenho com gente que pesca nos molhes, aquilo que ressalta é que a ambição é grande, a esperança de pescar algo vistoso motiva-os, mas os anzóis são pequenos, as linhas finas, porque a intenção é a de, pelo menos, se conseguirem alguns peixes para levar para casa. Deve ler-se “miudezas” que sirvam para uma refeição. Esse é mesmo o patamar mínimo. Consideremos entendível e razoável que algumas pessoas vão aos pontões tentar a sua sorte, mas a fasquia é colocada muito baixa. Para eles, conseguirem meia dúzia de peixes já lhes dá algum conforto. O resto são três dedos de conversa com o colega de pesca do lado, quantas vezes o mesmo de muitos outros dias.


O molhe da Nazaré. Seguramente não há um dia do ano que não seja pescado. E no entanto, por vezes dá uns peixes. A razão é simples: estes pés-de-galo são um refúgio perfeito para diversas espécies, desde logo sagos e robalos, que os utilizam como ponto de partida para as suas correrias diárias. Para além de segurança, proporcionam também comida.


Para pescadores de certas idades, por vezes mais vale prescindir de um pesqueiro melhor e apostar num que, pese embora menos produtivo, ofereça no entanto mais garantias de segurança. Nenhum peixe vale uma vida humana. Chega de lermos sobre falecimentos de pessoas que caíram de uma escarpa acidentada!


Os acidentes com pescadores de mais idade sucedem-se e isso muitas vezes tem a ver com uma percepção errada das possibilidades físicas e psicomotoras, que vão sendo delapidadas a cada dia que passa. Um pesqueiro onde um jovem não tem qualquer dificuldade em pescar, pode ser um tormento para alguém mais idoso. Mesmo que o tenha feito muitas vezes, anos antes, quando jovem.


Ao fundo, à bóia, à chumbadinha, ao spinning, tudo servirá a estas pessoas na sua tentativa de conseguirem um peixe.


Ainda assim, …por vezes um bom peixe aparece e por isso, vale sempre a pena tentar. Porque ficar em casa será sempre pior e mais deprimente que estar à beira mar, mesmo sem peixe, a olhar para o infinito.


O mais certo é mesmo que os resultados de uma pescaria de terra sejam irrisórios. Quem decide ficar na rocha sabe disso. É verdade que o investimento não é muito, na maior parte dos casos restringe-se a um equipamento de segunda linha, comprado numa qualquer loja chinesa, um pacote de minhoca, e pouco mais.
Quem sai de barco sabe que tem de subir a parada, que tem de apostar mais, e por isso mesmo pode almejar algo de mais palpável. Normalmente os pescadores embarcados fazem muito mais peixe, mas os custos também sobem significativamente. Ter um barco é caro. Mesmo quando não se sai nele... um barco é uma despesa permanente. Quem sabe exactamente quanto custa, fica feliz por o vender e poder atrelar-se a quem, ainda assim, insiste em ter um barco.


Um barco parado em terra não é o mesmo que um barco que sai para o mar mesmo que sem perspectivas de sucesso. É colocado na água que ele faz sentido. Para pescar a sério é lá fora, no meio das vagas, é para isso que as embarcações são construídas.


Esta é a imagem que vos deixo: gaivotas em terra.


Pescar de terra tira-nos um pouco do horizonte largo que seria visível do ar. Corta-nos muito espaço, reduz-nos possibilidades, e por isso os resultados da nossa pesca serão sempre tão limitados quanto aquilo que uma gaivota pode almejar, ficando pousada na costa. Não é igual. Quem quer pescar a sério, vai onde está o peixe. Como as gaivotas fazem, quando podem, quando não são obrigadas a ficar em terra.
Se é verdade que para a pesca embarcada é mais necessário que o mar tenha condições que permitam navegar, por outro lado querer fazer um peixe bom com o mar calmo, parado, a partir de terra, é uma tarefa dura.
Apenas acessível a quem conhece os segredos todos do mar onde lança a sua linha. Não é fácil.



Vítor Ganchinho



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