ESPREITAR LÁ PARA BAIXO

Faço mergulho vai para 40 anos.
Habituei-me desde novo a ver fundos e peixes, a saber encontrar no meio do nada aquilo que tão discretamente se esconde dos nossos olhos.
Não é algo que se consiga de um dia para o outro, não há fórmulas mágicas que digam que isto é assim …e sempre assim.
O mar ensina-nos, se soubermos ter a paciência necessária para o aprender.

Mostro-vos hoje um pouco de mar, nestes meses de férias, para quem possa eventualmente ter a curiosidade de espreitar lá para baixo. A caça submarina é a sequência lógica de quem desce e vê os peixes. Apenas difere da pesca à linha que praticamos habitualmente porque exige uma capacidade física um pouco melhor, e algum equipamento diferente. Mas não deixa de ser pesca.
A maior parte das pessoas não tem ideia nenhuma sobre aquilo que se passa nas profundezas. Não lhes fazia mal entenderem a grande diferença que existe entre um e outro local, há zonas “carregadas” de peixe, e outras que são autênticos desertos. E também saber como interagem os peixes de diversas espécies, como nos toleram na sua presença, como se aproximam ou fogem de nós.
Lá em baixo, está muita coisa à vista.


A entrada no meio aquático mostra-nos um mundo novo, diferente, com os seus perigos mas também com os seus encantos. Uma descida no azul deixa-nos próximos dos peixes, seres de que tanto gostamos. Poder observar como se deslocam, quais as suas reacções, dá-nos vantagens acrescidas quando queremos pescá-los.


Estes não contam. As palmetas são nossas amigas, são péssimas na culinária, e de forma alguma devemos considera-las um alvo. Já na pesca à linha, proporcionam momentos divertidos, porque são fortes, são agressivas e desde que pescadas com amostras muito ligeiras, valem a pena. Mas são indiscutivelmente para libertar, sem dúvida.


Uma moreia pintada. De nome “Muraena helena”, este estranho ser pode ser perigoso, se lhe tentarmos tocar. É daqueles que mais vale passar ao largo, deixar estar. Porque se alimentam de peixes, vivos ou mortos, têm os seus dentes permanentemente infectados. Uma mordedura de uma moreia é um acidente que dispensamos, não pelas feridas em si, não são demasiado profundas, mas porque levam meses a cicatrizar. E deixam cicatrizes...


Os açorianos adoram-nas. Existem em grande abundância, e aparecem nos palangres de fundo. Moreia frita é considerada uma especialidade. Cá pelo continente, sei que no Algarve é apreciada. Em Vila do Bispo há quem a inclua no menu de restaurante, e são apregoadas como “sandes de moreia seca”.


O pampo, “Balistes carolinensis”, uma vítima dos novatos, pela sua fraca mobilidade. São os “reis do filete”, sem dúvida, à conta da sua carne branca e firme. Agrupam-se em bancos de centenas de peixes e quando chegam ao pesqueiro, ...mais vale fugir.


Os lírios, “Seriola rivoliana”, um peixe muito excitante para pescar à linha.


Para ser caçado com arpão, é bom que se tenha a noção de que estes peixes atingem 80 kgs de peso máximo, pelo que nos devemos abster de os capturar em juvenis. Na nossa costa são frequentes peixes de 1 a 2 kgs. Trata-se de um pelágico que adora lançar-se com ímpeto aos nossos jigs.
Pesco-os com stickbaits, pequenas amostras de superfície que , quando recolhidas a alta velocidade, com intermitências, são para eles irresistíveis.
A maior parte das pessoas nunca pescou um peixe destes. De resto, conheço pessoas que passam uma vida inteira sem ferrar um robalo. A razão tem a ver com o facto de passarem anos e anos a pescar com navalha, ganso, minhocas, casulo, coisas que estes peixes não querem comer.


Voltar para cima, sempre. Não há peixe que valha uma vida. O meio aquático não é nosso, não nos pertence, apenas estamos ali...”de passagem”.



Vítor Ganchinho



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