Normalmente saio ao mar utilizando uma embarcação, pescando ao largo, visitando marcas de pedras que conheço há quase 40 anos. Faço-o por todos os motivos.
Porque posso ir ao lugar que me parece ser mais conveniente, onde acho que efectivamente poderei ter mais chances de encontrar o peixe que quero para esse dia, porque posso escolher uma zona onde não está mais ninguém, ou porque o sentimento de espaço, de liberdade que um barco me dá não pode ser substituído por um lugar fixo em terra. Em terra falta-me a distância, falta-me o contacto directo com os intervenientes de lutas intermináveis de esconde /encontra, dos golfinhos com os cardumes, dos peixes com as lulas, dos pássaros que mergulham à procura da sua vida.
Falta-me estar perto daquele jogo de gato e rato que é no fim de tudo a essência da vida dos seres que habitam as nossas águas.
E ainda me falta o saber que tenho poder de decisão, que posso escolher o meu caminho por mil estradas possíveis. No mar, os caminhos são largos.
Bem sei que há quem não possa ir, ou porque tem problemas de enjoo, ou porque não dispõe de barco, ou porque o tempo disponível para pescar é apenas de um par de horas e não justifica todo o trabalho que dá meter uma embarcação na água.
O tema de hoje é dedicado àqueles que pescam de terra. Devo começar por dizer que por eles tenho o maior respeito, porque são pessoas que aceitam jogar um jogo em que as probabilidades de ganhar são bem mais reduzidas do que as daqueles que saem de barco. Ainda assim vão, lutam, esforçam-se imenso por obter resultados. E fazem-no muito bem, há gente a pescar com muita qualidade, com muito conhecimento daquilo que está a fazer.
De resto, acredito que seja necessário ser muito mais conhecedor, ser mais entendido, para que alguém, de terra, possa sequer aproximar-se dos resultados obtidos em alto mar. As desvantagens são evidentes.
Ficaria feliz por vos dizer que, a exemplo do que faço diariamente, todos os nossos colegas pescadores têm a noção da importância de deixar os locais de pesca tão limpos, ou ainda mais limpos quanto os encontraram. Mas não é isso que acontece, infelizmente.
Hoje no blog, uma chamada de atenção para todos os que vão “fazer uma perninha” à nossa costa, e a deixam num estado que apenas é, quase de certeza, o espelho daquilo que fazem em casa.
Papéis, plásticos, linhas, são lugares comuns nas arribas da nossa costa. Vejam a seguir. |
Todos estes produtos serão um dia minúsculas partículas, invisíveis aos nossos olhos, e que estarão dentro do organismo dos peixes de que nos alimentamos. |
Não precisamos de procurar muito para encontrarmos vestígios de actividade humana. |
Bem visíveis os traços da passagem de “pessoas” que muito provavelmente não mereciam ter acesso ao nosso mar. |
Muitas vezes ficam. E é uma lástima que isso aconteça. |
Não é uma questão de fiscalização, isso não é exequível, mas sim um imperativo de consciência de cada um de nós. |
Para que o mar continue a ser o mar limpo que herdámos dos nossos antepassados. Para que continuemos a gostar de ir ao mar. |
Eu fiz durante dezenas de anos saídas regulares a África. Vi aquilo que gostaria que nenhum dos leitores pudesse ver. Paredes de garrafas de plástico a boiar na costa, zonas onde era necessário levantar o motor do barco para que os colectores de refrigeração não ficassem entupidos de sacos, tudo aquilo que dificilmente podem imaginar. Ver crianças a lançar ao mar toda a sorte de detritos, sacos, latas, embalagens de lixívia, fazendo-o com a convicção de que era mesmo assim, que isso não teria consequências. É confrangedor pensar que falta uma tomada de consciência global para acabar de vez com algo que, a manter-se, nos irá penalizar fortemente no futuro.
Aquilo que vamos deixar aos nossos filhos é um mundo sujo. Depende de todos nós zelar para que não aconteça.
Afinal, tudo depende de cada um de nós, basta um pequeno gesto.
Vítor Ganchinho