EU, UM SARGO

Imaginem-se um sargo.
Imaginem que vão ter de sobreviver a pescadores, redes, predadores naturais, e ainda que vão ter de encontrar comida durante um dia.
Obter alimento onde todos os outros peixes também procuram, em locais por onde outras espécies já passaram. Será tudo menos fácil.
A viagem de hoje é algo que os nossos sargos fazem quatro vezes ao dia, embalados por cada seis horas de maré. As deslocações impõem-se por si, não são sequer uma opção de …sim ou não. E começam por uma razão suficientemente boa: a fome.
Sabemos que os fundos marinhos acima dos 100 metros de profundidade são muito mais ricos em alimento que tudo o resto. No oceano, a primeira centena de metros concentra em si mais de 90% das possibilidades de encontrar alimento, porque é aí que se reúne, por razões que se prendem com a penetração da luz solar, a maior concentração de vida. E destes 100 metros, seguramente 90% da comida disponível está nos primeiros 10 metros.
Sabemos que para um sargo, no todo desta franja costeira de 10 metros, a camada de água mais superficial é exactamente aquela em que as hipóteses de obter alimento se maximizam. É pois por aí que nós, sargos, vamos.
Ao tentarmos explorar esta primeira linha de água, a primeira dificuldade é saber tornear as redes que, permanentemente, estão esticadas a poucos metros das rochas. Sabemos que estão lá porque as vimos durante o dia, na maré anterior. E nas outras marés anteriores todas.
O nosso sargo, bem como outros peixes, como a dourada por exemplo, começam por ter de encontrar caminhos para a costa …não minados.


Desde pequenos, nós, os sargos, aprendemos a escapar a todo o tipo de armadilhas. As redes são…residentes, estão esticadas em permanência em algumas zonas da nossa costa.


Começam aqui os problemas, em águas mais profundas. Os pescadores apresentam-nos comida, diversos tipos de comida, a que forçosamente e mesmo com fome, temos de renunciar.


Depois de ultrapassadas as redes, a chegada à costa continua a ser para nós uma dificuldade. Ter demasiada pressa em encontrar comida pode significar o fim prematuro, uma viagem rápida para dentro de um saco plástico.


Existem predadores que os apreciam. Desde logo os robalos, quando têm um tamanho conveniente. Os sargos pequenos são engolidos por quem tem uma boca feita para tudo e também para eles.
Os safios procuram-nos quando estão entocados e caso os consigam encurralar sem dúvida que os tentam morder. À noite será um pouco mais fácil conseguirem enganá-los, aparecem muitos safios com sargos no estômago.


As pedras mariscadoras têm comida, mas obrigam a esperar pelo momento certo, o qual permite a entrada para cima da pedra, ou melhor ainda, para dentro de pequenas lagoas onde se criam minúsculos seres que são alimento bom. Por enquanto há que esperar mais um pouco. Nós, sargos, comemos sobretudo na enchente, porque é quando temos condições de água para chegarmos aos nossos locais habituais de alimentação. Os pescadores experientes, velhos lobos do mar, calejados de andar com uma cana às costas a correr pedras, chamam a este momento, …a “conta de água”.


Aos poucos a água sobe e começa a tapar as mexilhoeiras. O momento aproxima-se.


Agora sim, o momento de comer chegou! Há água suficiente. Com marés de 3 metros, o sargo fica com condições de entrar aos bancos de comida.


A teagem apresenta-se em “rebolos”, e é uma comida de excelência para um sargo. Poucas coisas serão mais fáceis de conseguir, basta raspar um pouco da areia numa zona de rochas baixas, e encontra-se uma grande quantidade. Os sargos fazem-no com a cauda, desenterram-na e alimentam-se até não poderem mais.


Uma santola morta é um alvo fácil para dentes mariscadores que apreciam carne fácil. Aqui, é como uma banana descascada, está tudo feito.


Difíceis estes, sempre atentos ao que se passa acima de água e sobretudo por baixo. Muito difíceis de conseguir enganar.


Caranguejo moura, também difícil de conseguir, mas um pitéu para um sargo com algum tamanho. A carapaça é um pouco rija, mas os dentes de um sargo estão habituados a morder bem pior.


Também os pequenos caranguejos da areia se perfilam como uma iguaria. O tamanho não excede 1 cm, mas quando se encontram vários...


Melhor que tudo: uma camarinha. Estes pequenos camarões fazem parte da dieta diária de um sargo. Encontram-se preferencialmente nas poças de maré, mas também em zonas densamente tapadas de algas. Ver a seguir.


Aqui. Este é o mundo da camarinha, as algas escondem centenas ou milhares delas. Também os esteiros e sapais, são zonas onde a criação de camarão é particularmente activa.


Lapas, também servem. O problema é que as lapas apenas se deslocam quando a maré sobe, e apenas o suficiente para mudarem de posição. Comem as algas que estão por baixo delas, e assim sendo, a única possibilidade dos sargos é mesmo a de as conseguirem quando levantam e deixam uma fenda onde meter os dentes. Depois de viradas, o trabalho está feito.


Duro para os dentes, mas muito nutritivo: mexilhão e perceves. Os dentes incisivos e molares de um sargo podem com estes resistentes seres. Para um sargo, uma pedra destas é um frigorifico repleto, com a porta aberta. Também muito apreciados, o lingueirão, a minhoca-serrada, ganso, casulo, minhoca da pedra, etc.


É tempo de sair. A maré já virou à algum tempo e daqui a pouco, os sítios onde era possível passar, deixam de ser transitáveis. Agora, ou não conseguiremos sair.


Fora da linha de costa, é tempo de procurar frestas, buracos escuros, procurar esconderijos, porque o bicho homem vem aí outra vez, e como de costume, com as suas redes de centenas de metros.



Vida de sargo...

Será que têm um minuto de descanso?



Vítor Ganchinho



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