NAUFRÁGIOS QUE CRIAM VIDA

Chapas e perfis retorcidos no fundo do mar são normalmente sinónimo de problemas.
Alguém não deve ter boas memórias de um dia em que seguia a bordo descansado... e de repente...
Os naufrágios são sempre algo que necessariamente evoca uma tragédia, remete-nos para algo que não correu bem, situações de aflição que quase nunca deixam muitos sobreviventes para contar como foi.
Mas os ferros ficam por lá, e ajudam-nos a entender o que se pode ter passado, com mais ou menos gritos, mais ou menos ondas.
Quando a calma retorna, aquilo que fica é um labirinto de cavernames e destroços. E os peixes agradecem-nos esses novos refúgios.
São local de residência e abrigo para muitos, zona obrigatória de passagem para muitos outros.


Mesmo a baixa profundidade, os destroços são sempre um chamariz para espécies de pelágicos que ali tentam a sua sorte, dado que concentram uma grande quantidade de vida.


Para além dos peixes de passagem que circulam nas redondezas, é muito frequente que tenham dentro das suas chapas peixes que necessitam de pouca luz, peixes que fazem a sua vida durante o período de ocaso do sol, tais como os safios, as abróteas, as fanecas, etc. Também os salmonetes adoram estar junto a estes emaranhados de ferro, por razões que poderão ter a ver com a possibilidade de encontrar comida nas imediações. Os materiais ferrosos que se libertam destas estruturas propiciam a criação de minúsculos seres que a nós nos passam despercebidos. Mas que estão lá.


Um pequeno lírio sobrevoa a zona, na expectativa de encontrar alimento.


Quando temos naufrágios a uma profundidade significativa, é certo e sabido que há peixe grosso nas imediações. Os meros, os safios, e se mesmo muito mais fundos, os chernes e os gorazes não largam estas zonas. Normalmente acabam por atrair peixe miúdo, camarão, etc, que neles encontram refúgio, e a partir daí, gera-se a criação de uma cadeia alimentar. À conta das “miudezas” aparecem outros, os pelágicos, e entre eles, os inevitáveis lírios.
Se mais fundo, digamos a partir dos 50 metros, fora do alcance de mergulhadores, têm mesmo lírios de grande porte. Não é esse o caso que vos mostro, um naufrágio que repousa quase à superfície.


Estes destroços são muito procurados por gente que mergulha de garrafas. Quando a baixa profundidade, também são acessíveis a quem baixa sem recurso a “ar engarrafado”, pessoas que têm boa condição física e descem em apneia. Os naufrágios, quando em zonas de águas limpas, proporcionam sempre alguns minutos de imagens interessantes.


As castanhetas, um peixe que sobe na coluna de água e tem com portamento pelágico. Quando ameaçadas, baixam à pedra e procuram refúgio em frestas escuras.


Vejam acima a quantidade de vida que podem ter por cima, e entenderão a razão de haver sempre pelágicos nas imediações.
A dada altura, estes peixinhos têm mesmo de sair para comer, e alguém estará à sua espera.


A estas castanhetas, os lírios, procuram-nas avidamente. Quando pequenos, juntam-se em cardumes de muitas dezenas. À medida que crescem, o número de exemplares do cardume reduz significativamente, até serem apenas dois ou três lirios. Mas aí podem ter perto de 80 kgs de peso...


Um cardume de robalos faria exactamente o mesmo trabalho. O comportamento dos cardumes é idêntico. Os predadores necessitam de ter estes pontos de caça referenciados, pois é normalmente aqui que satisfazem as suas necessidades alimentares.


Outro visitante dos destroços, o encharéu “ Pseudocaranx dentex”, um peixe que pode ser interessante de pescar: cresce até aos 15 kgs... e lança-se aos nossos jigs. Já os encontrei, em tamanho juvenil, a mergulhar a sul de Sesimbra. Mas são um habitante dos mares dos Açores, por norma. Vivem em grutas escuras, saindo para caçar quando a fome aperta. 


Uma jamanta, Mobula birostris, um viajante do azul.


As jamantas são absolutamente pacificas, e a única coisa que pode correr mal é termos uma boia de apoio a sinalizar a nossa presença à navegação, com um cabo ligado a um chumbo no fundo.
Com alguma frequência enrolam-se nesse cabo e partem para o largo, em aflição, levando-nos a bóia...
A jamanta tem o corpo em forma de losango e uma cauda longa sem espinho e pode atingir sete metros de envergadura e pesar até 1.350kg. Podem viver até 20 anos.
Estes peixes não têm verdadeiros dentes e alimentam-se de plâncton e pequenos peixes, sendo portanto inofensivos para nós.
Ocasionalmente, podem aproximar-se de um barco ou de mergulhadores e podem executar curtos “voos” fora de água. Têm a maior taxa de volume de cérebro em relação ao corpo de todos os tubarões e raias.


Deixando de lado os meros, normalmente mais difíceis de conseguir para os pescadores à linha, porque cortam os nossos fios nas chapas retorcidas e afiadas do casco, aquilo que podemos encontrar que se presta a uma boa sessão de jigging é o lírio comum, “Seriola rivoliana”, sendo que nalguns lugares aparece o írio branco, muito parecido, de nome “Seriola dumerili”.


Estes peixes crescem! Podemos, com alguma sorte, encontrar monstros destes a avizinhar os 80 kgs. Não são fáceis de pescar, porque se defendem bastante bem, são sagazes, entendem muito bem o que se está a passar, procuram bater no fundo, contra as rochas, cortando assim a nossa linha. Digamos que cada captura de um destes peixes é sempre bem merecida. Em determinados pesqueiros são mais possíveis que noutros, depende sempre da estrutura da pedra.
O lírio grande, acima dos 50 kgs, tem poder suficiente para nos roubar linha do carreto, ir ao fundo, e esfregar a linha contra as rochas. Não o conseguimos impedir de descer. Quando temos a possibilidade de ter um destes peixes na ponta da linha, o esforço do nosso lado deve ser no sentido de o segurar, de o esgotar de forças, impedindo-o de baixar até onde ele quer ir. Na maior parte dos casos, não conseguimos. É aí que entram os carretos Daiwa Saltiga, os Shimano Stella, com drags de 30 kgs, que nos permitem fazer força sem se desconjuntarem.
Mesmo os minúsculos lírios que encontramos frequentemente nos nossos pesqueiros nacionais, mesmo esses, são capazes de levar alguma linha, defendendo-se bem, fazendo pela vida.


Este é um peixe que luta muito, que não se dá por vencido, e que no fim de um combate merece ser restituído à água. É um oponente digno, merecedor da nossa compaixão.


Sempre que possível, e desde que o peixe tenha condições de recuperação do seu estado normal, devemos procurar libertar. Não esqueçam que estes peixes são apenas protótipos de algo que pode chegar a ser mesmo muito grande.
A pescar nas Selvagens recordo-me de estar a puxar um pargo de 3 kgs, …e de repente esse peixe ser engolido por um lírio... grande. Podem ter 80 kgs, ou mais, por ali...



Vítor Ganchinho



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