Se é verdade que a maior parte das pessoas com quem saio ao mar são aficionados de pesca e gente perfeitamente normal, também por vezes me aparecem pela proa “almas caridosas” que me deixam a meditar sobre a sanidade psíquica da humanidade. Isto a propósito de um atleta estrangeiro que, à viva força, me fez prometer que tentaríamos bater o recorde de Portugal de robalo.
Sabem vocês e sei eu que estas coisas dos recordes são “manias” de quem tem pouco mais que fazer que andar à caça de fantasmas. Um recorde surge quando menos se espera e dificilmente o conseguiremos por o querer muito. Mas se a pessoa estava tão emprenhada, enfim, aceitei sair com ele para tentar fazer algo. Até porque com isto do Covid, é sempre melhor estar no mar que em terra. A ideia que tenho é que os pombos das praças andam desesperados por não terem ninguém nas ruas, nem ombros para deixarem cair as cagadelas. Para o mar, então!
Alguns dias antes tinha conseguido que um par de americanos simpáticos tivessem feito um robalo de 5 e outro de 6 kgs, quase em simultâneo. E foi para lá que fui, sabendo que os dias não são todos iguais, as condições de mar alteram, e sabendo sobretudo que quando se pesca um peixe destes e se traz para casa, ele não fica lá a nadar no mar. Será sempre menos um peixe e menos uma possibilidade, embora indique que existe actividade na zona e que o peixe anda por aquelas paragens.
Isto, para ele, era uma amostra minúscula, a menor que havia na caixa. Achou-a pequena... |
Ainda os peixes estavam cheios de remelas nas pestanas e já nós estávamos lá, a lançar as nossas amostras. Ao chegarmos, vejo que estava a abrir uma mala grande que levava com ele.
Tirou de lá de dentro amostras que eu nunca vi fora do contexto de um filme com acessórios de torturas medievais.
A maior teria cerca de 35 cm de comprimento, e levou-me a abrir a boca de espanto. Nunca vi nada assim, e eu tenho bem a noção do tamanho das amostras para lúcios, da Savage, que imitam salamandras e outros bichos enormes. Igual àquilo, nunca vi!
Pareceu-me ser pertinente pôr um pouco de ordem naquela loucura assolapada e sugeri que ele tentasse fazer algo com a mais pequena amostra que tinha. E que é a que vêm na foto acima.
Ao fim de meia dúzia de lançamentos, olhou-me desconfiado, e perguntou-me: “achas que um robalo grande se contenta com uma coisa tão pequenina?”….
Eu, que faço Light Rock Fishing e que de vez em quando consigo uns peixes bonitos com amostras minúsculas, vinis com 5cm, ou com jigs de 20 a 30 gramas, e que exactamente por isso mesmo já achava um despropósito aquela “pequena” que ele estava a usar, respondi-lhe:
_ Na minha opinião, deverias descer um pouco à Terra, jogar a bola rente à relva, e tentar pescar uns robalos normais. Aqui, nos últimos dias, temos feito até aos 6 kgs….mas aquilo que tu procuras está acima dos 13 kgs, ….é mais do dobro.
_Para mim, peixe grande pesca-se com isca grande. Vou mudar para um tamanho de amostra mais fixe! Ou seja, ...bem maior!
Estes “bacamartes” podem fisgar tudo menos um robalo... |
A partir daí, desisti de tentar chamá-lo à razão, e passei apenas a conduzir o barco. Ao fim de umas 5 horas de pesca, já tínhamos zero picadas e zero peixes.
As amostras que lançava à água faziam o mesmo cachão de um pé-de-galo caído de 100 metros de altura. Seguramente lançou “ bombardas” lastradas com mais de 300 gramas, e não inferiores a 40 cm. Para mim, era a loucura total.
Não faço ideia sequer para que peixe aquilo possa servir, mas seguramente não para um exemplar de robalo com menos de 2 metros. E eu não tenho vistos bichos desses por aí.
Passou-me pelos olhos uma ideia de Fernando Pessoa: Nós conquistamos o mundo todo antes de nos levantarmos da cama. Depois, chegamos à janela e vemos a rua com uma nitidez absoluta.
Neste caso, esta pessoa estava completamente desfasada da realidade e eu estava a achar que nem se iria levantar da cama onde sonhava.
Eu pesco robalos com amostras pequeninas. Aquilo para mim era a loucura total. |
Perguntou-me: “Queres apostar em como é desta vez, ali naquela direcção, que vai sair o robalo grande?!"...
Por mim, sigo um sábio e velho conselho de Mark Twain: Há duas ocasiões em que um homem não deve jogar ou apostar: quando tem dinheiro e quando não tem.
Continuava o pobre a lançar, já com evidentes sinais de cansaço, de maleitas nos braços e ombros. Perguntei a mim próprio se não resultaria melhor com uma coxa de frango no forno, ...zero por zero...
Senti-me impotente para travar os acontecimentos. Resulta estranho estarmos a conduzir um barco com um perfeito louco dentro, sem qualquer ideia do que está a fazer, sem qualquer perspectiva de sucesso.
A descrença apoderou-se de mim, eu que sou positivo até cair de costas. Senti que nada podia fazer por aquela pessoa. E veio-me à memória uma frase milenar: Às vezes Deus acalma as tempestades, às vezes Ele acalma o marinheiro.
No fim de tudo, ainda teve coragem para me dizer:
_ Eu sinto que eles andam por aqui. Provavelmente devia ter trazido a outra caixa, a das amostras grandes. Achas que não picaram por não se interessarem por iscos demasiado pequenos?...
Vítor Ganchinho
😂😂😂😂😂..Já ganhei o dia amigo Vítor..surreal no mínimo e não teria certamente a sua paciência..😱 Eu acho que ele se enganou na espécie!!
ResponderEliminarUm grande abraço e tudo de bom para a família 😊👍👍
Olá Luis!! É mau de mais ser "barqueiro" de alguém que procura peixes que nós não lhe podemos dar. Acaba por surgir um ambiente pesado, de trabalho inútil, de frustração, que não é bom para ninguém. Corri as pedras todas, para nada.
EliminarEu levei-o aos meus melhores sítios de robalos, e pelas marcas da sonda, eles estavam lá. Só que daí a lançarem-se a amostras de 40 cm com 300 gramas....eu nunca vi um robalo lançar-se a uma coisa daquelas. E foi mesmo muito mau.
Tenho a certeza de eu teria enchido uma caixa de peixe, com as minhas amostras pequenas, ou os meus jigs minúsculos de 20 ou 30 gramas.
Seis horas de trabalho inútil. Faz parte do trabalho de um guia de pesca, mas preferia nem ter ido...
Abraço
Vitor
Os Americanos é que têm a mania de ser tudo á grande....
ResponderEliminarBem sempre mais é melhor.
Belo texto...
Amigo, o que tenho a dizer nesta situação é que não existe vento favorável para um marinheiro que não sabe para onde ir. Senti uma frustração enorme de não poder valer a esta pessoa, mas ele estava decidido a fazer algo que não é possível pedir a um guia de pesca: bater o recorde de um peixe, na circunstância um robalo, ao qual ele nunca tinha pescado na vida. Apenas leu que havia peixes desses em Portugal e vai daí, apresentou-se para bater o recorde, que é superior a 13 kgs...
EliminarSão peixes de excepção, e por isso são recordes. Tivesse ele a pretensão de pescar alguns peixes bons e eu teria conseguido que ele tivesse bastantes picadas. O peixe estava nos sítios do costume, a sonda marcava-os bem.
Faz-se o que se pode...
Abraço
Vitor