AS FIGURAS QUE FAZEMOS...

Porque saio ao mar com alguma frequência, acabo por esbarrar com insólitos que mais não são do que manifestações de impreparação para a importante função de conduzir um barco. Há gente muito perigosa a sair das nossas marinas e portos.
Aparece de tudo, desde pessoas que colocam o seu barco na água e esquecem a chave do barco em casa, a quem, com a pressa e ansia de sair para o seu passeio, deixa alguns dos ocupantes esquecidos em terra.
Ou quem vai para a pesca e de tão obcecado com a saída, perde por completo o norte ao sítio onde deixou o carro com o atrelado. Quando chegam, entopem tudo pela impossibilidade de levantarem a embarcação no guincho…
O período do Verão é ainda propício a ver “comandantes” que põem o motor a trabalhar completamente fora de água, a trabalhar em seco.

Hoje trago-vos um caso de alguém que se esqueceu de abastecer de …gasolina. Vejam abaixo um dos inúmeros veraneantes que, por incúria, desleixo, falta de conhecimento ou distração, saíram ao mar com o barco na reserva.
Acontece muito mais vezes do que pensam.


Felizmente neste período estival há sempre muitas embarcações a deambular pela costa, e com um esbracejar mais vigoroso é possível chamar a sua atenção.


Ser rebocado para terra por iniciar a jornada de mar com o tanque vazio é deprimente. Significa que os procedimentos de segurança, a executar previamente à saída, não foram cumpridos, e que o comandante da embarcação é um pouco…distraído.


Esta é uma figura triste que nenhum capitão de embarcação responsável deveria passar...


Sobre este tema gostaria de vos dizer o seguinte:
Não é proibido, bem pelo contrário, prestar assistência a uma embarcação em dificuldades. Pode e deve fazer-se, sempre que seja necessário. Não esqueçam que a assistência em mar é obrigatória!
Mas há regras a cumprir. O primeiro passo é lançar um cabo à embarcação danificada, garantir contacto. Não esqueçam que estão a assumir neste momento que nunca irão perder o barco empanado, mas se houver por exemplo nevoeiro cerrado, isso pode acontecer.
De seguida, a prioridade é informar as autoridades do ocorrido, via VHF.
Há informação relevante a prestar: coordenadas GPS do local, condições de vento, visibilidade, ondulação, corrente, poderão ser úteis, bem como outras indicações que possam ser úteis a quem eventualmente possa ter de nos assistir a nós.
Isso ocorre no caso de a nossa embarcação não ter capacidade de reboque, por exemplo. Pode acontecer que a motorização do nosso barco não seja suficiente, eventualmente por a outra embarcação ser maior, e/ou mais pesada.
Caso existam feridos a bordo, será prestada a assistência possível, e, sendo o caso de um náufrago de longa duração, deve ser fornecida alimentação, primeiro líquidos e a seguir sólidos.

Num caso desses prevalece a aplicação de bom senso, sendo que em momento algum a embarcação que socorre é obrigada a colocar a vida dos seus tripulantes em risco, para efectuar o salvamento.
O trabalho de reboque é processado de forma a garantir que não haverá danos para a nossa embarcação, os quais podem ocorrer sob a forma de arrancamento de cabeçotes, danos nas amuras, etc. É importante garantir que o cabo de reboque tem a solidez e resistência necessárias, e providenciar no sentido de o manter esticado, tanto quanto possível. Há técnicas de reboque, e é intenção da GO Fishing marcar para uma das sessões a realizar na loja de Almada uma visita do nosso amigo da Polícia Marítima, Sub-Chefe Veloso, para que, com a sua longa experiência destes assuntos, possa elucidar e tirar dúvidas a todos aqueles que andam no mar. Será feito assim que as condições Covid 19 o permitam.

Mas há mais dados que podem ser interessantes: talvez não saibam, mas é devida a quem procede ao salvamento uma indeminização das despesas ocorridas.
Há ainda um facto mais curioso: partimos sempre do princípio de que o barco que encontramos está tripulado por alguém. Mas pode não ser assim. No caso de encontrarmos uma embarcação não tripulada, à deriva, o processo de salvamento e reboque é idêntico.
Pode ter ocorrido que os tripulantes da embarcação tenham sido resgatados por um meio aéreo de asa móvel, vulgo um helicóptero, e que a embarcação tenha sido deixada no mar, por não haver condições meteorológicas para ser resgatada. Nesse caso, existem duas possibilidades: o barco foi encontrado dentro das 200 milhas e o Estado Português tem uma palavra a dizer, sendo que existirá sempre uma compensação para quem rebocou o barco a terra. Ou este foi encontrado fora das 200 milhas, e nesse caso o barco passa a ser propriedade de quem o achou. Tão simples quanto isso!
Espantem-se com isto: há rebocadores de alto mar que estão constantemente à escuta, sobretudo quando há mau tempo no mar, à procura de situações de abandono de barcos/veleiros/navios. Não preciso de vos dizer o resto: se estiverem, ou forem deixados evoluir até estarem fora das 200 milhas, ...

Eu, com o meu amigo Gustavo Garcia, fizemos o salvamento de um veleiro, de nome Green Fingers, nos Açores, há uns anos. Ainda hoje recebo mensagens de gratidão do Andy, um simpático inglês, saído de Bristol, UK, e dele guardo a melhor das impressões.
Não só prescindi de qualquer indeminização, como ainda o convidei para um jantar numa marisqueira. Foi espectacular ouvir dele, de viva voz, o relato da sua aventura. Podem ler essa história aqui no blog, na data de 03.07.2020.

Espero ter ajudado a esclarecer esta questão da impossibilidade de reboque de um barco em pane. O critério é: se o perigo de não rebocar for superior ao de rebocar, o trabalho deve ser feito. Abandonar o navio em perigo, nunca!
Entendam isto da seguinte forma: não é permitido retirar uma embarcação de um porto, e sair com ela presa por um cabo. Isso implica perigo para a navegação, e não pode ser feito, a não ser por empresas credenciadas. Mas trazer uma embarcação sem capacidade de manobra para um porto seguro, isso sim, deve fazer-se sempre. Ou pelo menos zelar para que isso aconteça, no caso de fisicamente não termos meios ou capacidade para o fazer. Em qualquer dos casos, a informação às autoridades é obrigatória.
O resto, é usar o bom senso e a capacidade de entreajuda dos homens do mar. Somos solidários com aqueles que estão em dificuldades. Sempre!



Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. O caso que foi noticia , nada tem a haver com falta de gasolina! Foi uma avaria (cabo de direção partido e impossibilitado de navegar) . E como ja vi que está dentro das leis marítimas fiz o devido reboque! Afinal nem tudo o que luz é ouro! "As figuras que fazemos"

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  2. Na qualidade de fotografo do incidente, e a luz do que me foi esclarecido por um grupo de pessoas, que descreveram o secedido como falta de gasolina.
    Entendi que seria correto ceder tais fotografias ao blog, por ser um tema de extrema importância. Com isto , quis alertar dos perigos como o relatado.
    Nunca foi minha intenção ferir susceptibilidades de terceiros

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  3. Bom dia a todos.

    A riqueza e conteúdo deste blog também depende da interacção que possa existir entre quem escreve e quem lê. Fico extremamente feliz por este comentário. Desde logo porque isso significa que este espaço é lido. A seguir porque alguém, de quem não sei o nome por não se identificar, resolveu participar. E isso para mim já é excelente, é muito positivo. Nada dizer é muito parecido com ignorar, e nesse caso não valeria ter um espaço de debate público de opiniões, assinado, com nome e com responsável conhecido, o meu. Por tudo isso, queira, quem se define como "Day-pesca", seja quem for, receber o meu bem haja.
    De facto, o assunto foi-me apresentado como sendo um caso de falta de gasolina. E confirmado à pessoa que fotografou, por quem rebocou o barco ao porto. Na circunstância, aquilo que se pretendeu foi alertar para situações que são muito mais correntes do que se pensa, e a forma técnica de as solucionar. Tivessem as fotos em questão elementos que permitissem a identificação dos participantes, ou das embarcações, e não seriam publicadas. Este assunto seria tratado da mesma forma, caso houvesse a necessidade de fazer um esboço, um desenho a lápis de carvão.
    E para que não se julgue que é uma situação pontual, ( eu ando no mar durante a semana e vejo ocorrências destas com regularidade), vou tratar de publicar um outro caso, também curioso, de alguém que adquiriu uma embarcação a outrem, e resolveu levá-la ao mar, para a experimentar. Mas somente depois de a preparar com cuidado, com a devida atenção. Vamos ver o que acontece.

    Não percam nos próximos dias, aqui no blog.

    Entretanto posso anunciar que iremos ter na GO Fishing de Almada, no final do mês de Outubro, um workshop dedicado à pesca da dourada com jigs, a cargo de dois dos melhores pescadores europeus da actualidade. Workshop esse onde irá estar um elemento graduado da Polícia Marítima, exactamente para falar sobre esta questão da assistência a embarcações em dificuldades. Porque o tema é muito importante!
    Agradeço a presença da pessoa que escreveu este comentário. Obrigado pela sua participação.


    Cumprimentos
    Vitor Ganchinho

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  4. Impossível ter sido confirmado falta de combustível por quem rebocou
    Era bom não confundir a beira da estrada com a estrada da beira

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