A FALTA QUE TEMOS DOS TEMPORAIS...

O crescimento das algas e plantas marinhas ( não é a mesma coisa…) favorece enormemente a proliferação de pequenos microrganismos dos quais se alimentam muitos dos nossos peixes.
É ao abrigo das plantas marinhas que muitos deles podem nascer, crescer e reproduzir. Fossem as rochas todas lisas e nuas de plantas e tudo aquilo que nasce e precisa de protecção não teria grandes possibilidades de encontrar esconderijos. Por isso elas são tão importantes. Mas não se fica por aqui a sua influência, também a produção de oxigénio seria dramaticamente afectada.
Não esqueçam que devemos às plantas aquáticas, e concretamente às algas mais simples, as algas azuis, a existência de vida no nosso planeta. Há 3.5 biliões de anos, estas algas começaram a lançar oxigénio na atmosfera. Era o princípio de uma longa viagem. Não tivesse acontecido e não haveria animais nem plantas, a vida conforme a conhecemos não teria sequer surgido. Ou seja, nós não estaríamos aqui.
O conjunto de algas, de água doce e marinhas, produzem 55% do oxigénio disponível na Terra. São por isso mais importantes que a Amazónia, pois ao produzirem mais oxigénio do que necessitam, libertam-no e dão-nos a nós a possibilidade de existirmos. Respeito pois por estes seres vivos, que vivem e deixam viver.

Bem sei o quanto os pescadores de surf-casting as odeiam. Culpam as enormes manchas de plantas mortas pela impossibilidade de pescarem. E têm alguma razão, tudo é mais difícil, mas não devem esquecer o quanto é importante a permanência de matéria orgânica junto à costa. É esse o motor da criação de vida. A partir daí, uma enormidade de micro-organismos consegue desenvolver-se, criando uma cadeia alimentar que termina nos peixes que eles irão pescar, com o seu equipamento de lançamento.
Águas claras e limpas são hipoteticamente uma bênção, mas para nós, e apenas aparentemente, não para os peixes. Para quem interessa, esse caldo de algas tem muito mais importância e valor que um mar isento de plantas.
Aquilo que deve ser lido quando temos ausência quase total de matéria orgânica é que esse mar estéril tem muito pouco interesse para o peixe que queremos pescar.

O tema de hoje é o ciclo de vida das plantas que fazem o peixe encostar à distância dos nossos lançamentos de surf-casting.


Esta é a situação standard: as plantas enraizadas, a crescer por ação dos raios solares e da matéria orgânica que lhes serve de substrato. Aqui, tudo pode crescer.


É muito importante para o peixe ter abrigos. Se podemos segmentar em três os factores decisivos para que um peixe decida escolher uma zona para viver, teremos forçosamente de pensar em alimentação, reprodução e abrigo. A segurança é indissociável dos outros dois, pois sem ela nada faz sentido. Os peixes já têm contra eles demasiadas contrariedades para poderem prescindir desse factor tão decisivo na sua vida. E as plantas podem dar-lhes isso, segurança.
Não estabeleçam uma relação directa entre plantas e peixe miúdo, porque de facto não é assim. Podem ver um robalo de 6 kgs a “dormitar” à sombra de uma laminária.
Ou um cardume de dezenas de robalos de 3/ 4 kgs numa fresta tapada por algas. A protecção que recebem destes substratos serve a todos, não apenas às miudezas.


Exemplo de um caule de laminária. São plantas de rápido crescimento, infelizmente entretanto quase desaparecidas da nossa costa.


As laminárias funcionavam como fixadores de peixe. Porque criavam cadeias alimentares, eram procuradas por todo o tipo de peixe. De uma ou outra forma, todos beneficiavam da sua existência. Razões que se prendem com o aumento da temperatura das águas, com poluição, com acção humana de arrasto em zonas onde deveria ser proibido fazê-lo, etc, acabaram por ficar reduzidas a nada. Também em caso de temporais eram uma barreira natural, que enfraquecia a entrada de ondas.


Os peixes utilizam esta cobertura para tudo: comer, caçar, esconder-se, e até reproduzir-se. Os bodiões, como o que podem ver na foto, fazem ninhos utilizando o ágar-ágar e aí depositam os seus óvulos.


Foto feita na Arrábida, em Setúbal. Esta zona, que agora tem apenas plantas rasteiras, já teve verdadeiras florestas de laminárias. Nessa altura, havia muitas espécies que as utilizavam como esconderijo e ponto de partida para as suas caçadas. O sargo, o robalo, a dourada, e muitos outros, faziam aqui a sua vida.


Quando os temporais apertam a santola consegue agarrar-se à pedra. Mas não deixa de ver a sua habitual cobertura de algas ser arrancada pela turbulência das águas. Voltará a colocar o seu manto tão rapidamente quanto possível, pois neste estado é uma presa fácil de descobrir para os seus predadores. Os pampos comem-nas.


As salemas, peixes herbívoros, tiram partido de toda a movimentação de algas que ocorra por força de tempestades. É um peixe que aguenta até ao limite do possível, pois tudo o que o mar arranca e lava é bem vindo.


É este o resultado de uma ressaca de mar. Durante o período de Primavera e Verão, as plantas cresceram sem demasiadas limitações. A agitação do mar é reduzida durante este período. Quando em Setembro/ Outubro chegam as primeiras ondas altas, e sob a pressão forte do impacto da água, partem e são levadas pelas correntes. Porventura para locais que nem sempre serão os mais convenientes para quem faz pesca de costa.


Vejam o resultado de uma arribada de algas à costa. Neste local, será obviamente muito mais difícil conseguir pescar. Mas o peixe nunca estará muito longe. Algas/ plantas são o principio de muita coisa que acontece, são o cimento que cola os peixes à franja costeira. Não fiquem a pensar que apenas há algas em pesqueiros baixos. A 15/ 20 mts as pedras estão tapadas delas, sobretudo nas zonas abrigadas da corrente. Os buracos na rocha tornam-se nestes períodos absolutamente inutilizáveis.


Ovas de choco. A agitação marítima irá oxigenar imenso as águas, e isso cria vida. Mas alguma dela também irá perecer por conta dessa mesma turbulência. É um preço a pagar por um casal de chocos que acabou por ter trabalhos de “parto” para nada. Mas mesmo em terra, esta matéria orgânica será consumida, em última instância por microrganismos que dependem destas dádivas do mar.


Óvulos de raias, tubarões, chocos, lulas, tudo aparece à costa quando o temporal se levanta. A natureza destina uma pequena percentagem destes casos para “perdas” e mesmo assim, continuamos a ter peixe na costa.


Muito pior estaríamos sem os temporais! Fazem falta para limpar, oxigenar, e para renovar massas de água que, de outra forma, ficariam saturadas deste ou aquele elemento, e privadas de muitos outros.
Encaremos a agitação natural dos tempos de Inverno como sendo algo que nos é benéfico, que vem para ajudar, e não o contrário. Só temos de ser pacientes, e deixar a mãe natureza trabalhar. Ao seu ritmo.



Vítor Ganchinho



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