A RAZÃO DE UTILIZARMOS ISCOS PEQUENOS

Quem faz spinning sabe disto: matamos a cabeça a procurar amostras/iscos pequenos. Corremos lojas e lojas a espeitar as vitrines, procurando miudezas.
Os fabricantes desenvolvem séries de produtos cada vez mais pequenos, quantas vezes meras cópias de outros modelos maiores, que já tiveram o seu tempo, mas que agora não se vendem.
Provavelmente nunca parámos para pensar nas razões que levam a isso.
Quando pensamos em artificiais, há toda uma ideia de tamanho formatado, e que vai de X a Z, sendo que x nunca é maior ou z menor que aquilo que nos parece bem. Há um comprimento padrão de amostra, e não pode ter muito menos nem muito mais.
E porque é que nos parece bem dessa forma, e nunca maior ou menor? Que objecto padronizado é esse que nos é imposto pela nossa consciência de pescadores?
Como chegamos a essa definição de “amostra boa”?

Penso que trabalhamos por ….”exclusão de partes”….mais do que tudo.
Se quisermos ser sérios e pensar de uma forma aberta e clara, teremos de admitir que grande parte da resposta é dada assumindo a influência daquilo que se vê fazer aos outros, de impulsos exteriores, daquilo que se lê, daquilo que vê, do que nos contaram, e muito pouco por experiência própria. Falta experiência prática, mais que tudo.
Mas na verdade, há razões objectivas para que as nossas amostras sejam mesmo pequenas. Há razões para isso, há um fundo de verdade que nos leva a pensar dessa forma.


Os fabricantes procuram produzir de forma a que cada modelo seja um sucesso de vendas. Uma fábrica realiza-se vendendo, criando valor.


Aquilo a que chamamos de “a minha amostra da sorte”, a amostra que nos deu um peixe grande, que nos permitiu sentir emoções fortes, é antes disso, antes da festa, antes do entusiasmo e da alegria, das fotos e dos telefonemas aos amigos, um objecto produzido em fábrica.
Alguém a desenhou, testou em condições controladas de laboratório, porventura num tanque de ensaios, lançou milhares de vezes essa amostra, submeteu-a exaustivamente a provas de mar, com vento, sem vento, com e sem correntes e ondas, e quando satisfeito com os
resultados, fez essa amostra chegar aos distribuidores, à lojas. É aí que decidimos sobre a qualidade e capacidade do designer. Tudo se joga num fugaz olhar, de relance. Se não nos chama a atenção, acabou.
Não é fácil estar do outro lado, daquele que produz. Porque primeiro têm de criar, ser aceites, ser escolhidos entre tantos e tantos produtos similares, e garantir a venda. Vender é o mais importante, porque sem isso, não há salários, a fábrica fecha.
E para vender têm de seguir as tendências, ou seja, ir ao encontro daquilo que as pessoas querem comprar. É a inversão total da cadeia criativa.
Vão ao final do processo, a nossa compra, a nossa exigência, buscar inspiração para voltar atrás, ao início, onde tudo deve começar, formatando a linha de montagem da sua fábrica ao que nós clientes esperamos que seja feito.
Não é fácil ser criativo dessa forma, porque nós pescadores balizamos a sua capacidade inventiva. Quem manda somos nós, porque se não gostarmos, não compramos.

E como decidimos sobre aquilo que pode ser mau ou bom para a nossa pesca? Como conseguimos encaixar a amostra no peixe que temos nos nossos pesqueiros?
A falta de grandes exemplares, a “ananização” dos stocks de peixe disponíveis, é provocada desde logo por uma tremenda pressão por parte da pesca profissional. Há barcos a mais, para um espaço tão pequeno. Provavelmente para metade da frota já não haveria peixe suficiente.
As embarcações de pesca lúdica também não ajudam, antes acrescem ao problema. Há uma progressiva e insistente procura de exemplares com tamanho XL. Todos querem troféus, peixes grandes.
Mas não lhes damos condições para crescerem. Praticamos muito pouco a captura e solta de pequenos exemplares, por exemplo. É transversal a todo o sector: ninguém trata devidamente os peixes. Queremos flores bonitas no jardim, mas não as regamos.
Há escassez de peixe nos pesqueiros tradicionais perto dos portos e cidades. Isso leva a que seja cada vez mais difícil encontrar um bom peixe sem gastar muito dinheiro em combustíveis. É preciso ir longe. Para atestar um depósito são necessárias muitas moedas de euro.
Caminhamos alegremente para uma situação em que um bom peixe vai valer uma fortuna. É caro pescar! E sê-lo-á mais ainda se não chegar uma alternativa aos combustíveis fósseis, com os quais o governo arrecada uma fatia substancial, sob a forma de impostos.
E temos aqui uma equação de difícil resolução: é caro ir pescar e a recompensa que se obtém de cada vez que aceitamos pagar um valor elevado é …cada vez menor. A tendência, atendendo à crescente e quase diária pressão sofrida pelas pedras onde ainda se concentra alguma vida, será a de uma redução progressiva de exemplares interessantes. Paulatinamente, ano após ano, as pedras vão ficando mais pobres, sem peixe adulto.

Ao longo da costa, de norte a sul, perto e longe, deparamos com quilómetros de panos de redes. Não falta imaginação para lançar redes em L, em M, em Z, ou em R de raio que os parta.
Porque faço sobretudo pesca jigging, com o barco solto, e por isso mesmo não lanço ancora ao fundo, um dos maiores problemas que sinto é mesmo o de tentar adivinhar qual a orientação que essas redes têm no espaço onde pretendo pescar.
Resulta inglório perder jigs no fundo, agarrados a redes, por falha na percepção do espaço e orientação das ditas.
Entendo a necessidade dos profissionais em pescarem peixe. É isso que eles fazem como profissão, é assim que ganham a vida. Custa-nos pensar nesses termos, mas nós estamos do outro lado, do lado quem não precisa daquele peixe para viver, para pagar as contas, para cuidar da família, dos filhos, para os ter na escola, para comer. Mas eles dependem disso. Se poderiam ser diferentes para melhor? Sem dúvida. Isso não vai acontecer nesta e provavelmente na próxima geração, pelo que há que descartar essa possibilidade. Os nossos pescadores profissionais olham para a pesca lúdica como sempre olharam: com desdém, com ar superior, na melhor das possibilidades, com indiferença. O mar, na óptica do profissional de pesca, é dele.
Nós estamos ali a mais, o nosso “escritório” é outro.


Todos queremos peixes grandes...


A verdade é que os peixes encolhem. Os nossos peixes já não têm o tamanho que tinham há 30 anos atrás. Recordo-me de fazer triplas de safias, ou choupas, todas com mais de 1 kg.
Esses peixes, por força da pressão generalizada de pesca, já são hoje considerados bons, quando atingem 0.5 kg de peso!
Estimo que grande parte de quem pesca vertical ache que uma tripla de sargos de 0.5 kg é um bom lance de pesca embarcada. Ou seja, a consciência que temos de um peixe com valor, reduziu a metade.


Pedro Rosa em Tóquio, a pescar à boia minúsculos peixes de aquário.


Enquanto humanos, temos uma tendência nata, ancestral, para nos adaptarmos às condições que estão disponíveis. Se não há grandes, que se pesquem pequenos.
E é aqui que entronca o dilema que faz título hoje no blog “Peixepelobeicinho”, a razão de utilizarmos iscos pequenos.
De facto, porque pescamos cada vez mais pequeno, e à falta de contraponto, ou seja, porque já não temos memória de como eram esses peixes em formato grande, a “bitola” mudou. E exactamente por isso, a tendência é para comprarmos amostras cada vez mais pequenas. Queremos pescar, seja o que seja. Não é aceitável ir à pesca sem pescar.
E porque pescamos os peixes em pequenos, imaturos, juvenis se quiserem, temos um stock de exemplares com capacidade reprodutiva limitada. Vejo hoje pessoas de sorriso nos lábios por terem pescado 20 douradas, que no total dão …8 kgs de peixe. Chegam ao porto e abrem as geleiras com ar estasiado. Mostram a quem ficou em terra o resultado de uma pescaria de arromba.
Na verdade, pescaram 20 peixes miúdos, que deixam pouca ou nenhuma descendência. Matam-se douradas de vida curta, que não valem como troféu, nem valem em casa, em termos culinários.
Essas pessoas não têm contraponto, não têm na sua memória o que é uma dourada grande!
Há uns anos atrás, esta pescaria de 20 peixes seria considerada uma verdadeira lástima porque aquilo que seria de enaltecer era que esse peso de douradas fosse conseguido com….2 exemplares.
E uma dourada de 4 kgs já deixou atrás de si muitas outras douradas. Já partiu muitos ouriços e mexilhões, já comeu muitos perceves, muitos lingueirões, e está no ponto para ser apreciada à mesa.
Sabemos muito das douradas de viveiro, mas em contraponto muito pouco sobre as douradas selvagens. Poucos saberão que numa fase da época descem aos 150 metros de profundidade.
Sendo hermafroditas, ou seja, mudando de sexo por volta dos 2 anos, (passam de machos a fêmeas), podemos esperar da parte delas uma acrescida capacidade de adaptação à falta de um ou outro sexo.
Dificilmente as conseguiremos acabar. Mas de que serve uma dourada de 200 ou 300 gramas?! No final da sua vida regular, se a conseguirem atingir, esses peixes terão 15 anos para cerca de 6/7 kgs de peso, dependendo da qualidade do seu habitat.
Os grandes exemplares são essencialmente peixes solitários. É um peixe combativo, duro, que vende cara a sua vida. Pescar uma dourada grande, adulta, a raiar os 7 kgs de peso, tem mérito.
Pescavam-se com caranguejos inteiros, grandes. Hoje pescam-se com caranguejos partidos ao meio, aos quartos, ….
A dourada é um bom exemplo de um peixe que é importante preservar, antes que seja tarde. Teremos coragem de, agora que a época vai começar, de libertar exemplares pequenos? Temo que não…vamos muito provavelmente continuar a assistir ao massacre de peixes fragilizados pela sua condição de fase reprodutiva.

Poderíamos extrapolar este caso das douradas para os robalos, para qualquer outro tipo de peixe. Na verdade, as amostras, os equipamentos de pesca, tudo acompanha a tendência generalizada que aponta para a redução do número de efectivos e a sua sistemática redução de peso. Daí a nossa tendência para, de uma forma inconsciente, procurarmos adaptar os nossos materiais a peixes de menor porte. Quando compramos, não estamos a fazer mais que a adaptar-nos a esta crua e fria realidade.


Sucesso! Isto é o que nos espera se continuarmos a delapidar os pesqueiros da forma como o estamos a fazer.


A pesca pode ser uma excelente terapia para quem sofre de stress, para quem está submetido a um contínuo excesso de tensão no seu local de trabalho.
Há mil razões para ir pescar. E deve haver mil e uma razões para pensarmos a pesca, para sermos capazes de, por iniciativa própria, podermos decidir libertar um peixe pequeno.
Depende da consciência de cada um. Conseguiremos fazê-lo?


Até por razões de saúde, é importante continuar a pescar. Só temos de o fazer de forma….SUSTENTÁVEL!



Vítor Ganchinho



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