Nós damos-lhes de comer. É com isso que os enganamos, é dessa forma que os motivamos a morder o nosso anzol.
De uma ou outra forma, com isco orgânico ou com artificiais que imitam isco orgânico, a motivação é sempre a mesma: fazer com que abram a boca e comam aquilo que lhes propomos.
Não há espécies de peixes que não comam, pelo que natural é encontrarmos em todas elas pontos em comum, no que a digestão diz respeito. Há é diferentes hábitos alimentares e por isso mesmo, diferenças acentuadas a nível fisiológico.
Os peixes adaptam-se no seu todo, boca, dentes, morfologia do canal alimentar, a diversos tipos de habitat. Aquilo que podemos esperar é que, sendo diferentes, tenham também diferentes adaptações estruturais para a captura, ingestão e digestão dos alimentos.
Um peixe herbívoro, exemplo a nossa salema, não pode ter o mesmo tipo de estômago de um predador, exemplo o nosso robalo. Também a produção dos enzimas digestivos não pode ser idêntica, antes varia de acordo com os hábitos alimentares de cada espécie.
E se vamos analisar as diferenças entre espécies, talvez possamos começar por definir aquilo que as une: a boca e a cavidade bucal, é um sistema comum a todos eles. Está geralmente situada na extremidade anterior do peixe, abaixo das narinas e paralela ao seu eixo longitudinal.
Mas vejam o caso das raias, que têm a boca numa posição diferente, por baixo do seu corpo. Alguns tipos de peixes que se alimentam no fundo têm o seu aparelho bucal localizado ventralmente, pois é no fundo que captam os seus alimentos.
Recordo-vos o caso dos salmonetes que, alimentando-se de pequenos vermes que desenterram das areias, também criaram uma adaptação nos lábios no sentido inferior, têm a sua boca numa posição baixa que lhes permite aspirar a partir do fundo.
Não é o caso do robalo, que morde as suas presas a um nível superior ao fundo, e por isso não ganharia em ter a mesma forma de boca do salmonete.
De qualquer forma, em termos genéricos a boca serve para captar o alimento. Tem sobretudo uma função de retenção e manipulação de alimento. O tamanho da boca está directamente relacionado com o tamanho das expectáveis presas a captar. Há uma relação directa entre a dimensão relativa e a própria abertura que essa boca permite, e obviamente o tamanho das partículas a ingerir. No caso do robalo, uma sardinha, uma cavala, um carapau, terão uma dimensão tal que seguramente inviabilizaria a sua captura pelo tipo de boca do salmonete.
Também o tipo de dentes nos diz muito sobre a actividade do peixe. Os carnívoros geralmente apresentam mandíbulas bem desenvolvidas providas de dentes bem afiados. Já os herbívoros apresentam pequenos dentes esofagianos capazes de triturar material fibroso, as plantas.
Há ainda aqueles que não apresentam dentes, mas estruturas especiais nos lábios e arcos branquiais capazes de sugar e filtrar pequenas partículas do fundo, da superfície e da coluna da água. As nossas sardinhas não se caracterizam propriamente pelos seus grandes dentes…
Um mero é basicamente uma cabeça enorme, com uma boca enorme, com dentes, e um estômago que pode albergar facilmente um polvo de 5 kgs. Ou dois... |
As espécies carnívoras caracterizam-se por apresentar boca grande e mandíbulas muito fortes. Os dentes, quando presentes, são pontiagudos e afiados, importantes na captura e se possível, corte das presas.
Nas espécies predadoras, a boca e o esófago são geralmente de grande dimensão. Porque são obrigados a isso: é necessário que o animal possa captar e engolir de imediato um peixe que, pese ter sido capturado, ainda assim está vivo e pode escapar. Assim, o procedimento nos predadores está condicionado pela sua própria actividade de caça: a presa entra na boca, passa para a faringe e daí para o esófago. Daí para o estômago, que é sempre grande, que dilata bastante e serve de depósito …seguro. Não esqueçam que o peixe predador pode aproveitar, se a situação lho proporcionar, para fazer várias capturas em poucos segundos.
O trato digestivo é o tubo que vai da boca ao ânus pelo qual passam os alimentos. A nível do estômago, temos várias adaptações, várias formas, consoante se trate de um herbívoro, ou um peixe carnívoro. Desde logo a forma. Já vimos que nos predadores a necessidade de armazenar várias presas leva-os a possuir estômagos grandes, alongados, geralmente em forma de “Y” e com ampla capacidade de distensão.
As espécies herbívoras apresentam o estômago quase sempre pequeno.
O passo seguinte é o intestino. É aí que acontece de facto o processo digestivo. Os vários tecidos e órgãos relacionados ao intestino estão envolvidos com a apreensão, mastigação e deglutição, seguidas da digestão, absorção dos nutrientes e excreção. O intestino apresenta muitas variações quanto ao tamanho e forma. Nos carnívoros normalmente são pequenos, enquanto nos herbívoros são de maior tamanho, podendo chegar a ser de 2,5 a 5 vezes o comprimento total do corpo. De referir que no ser humano, o nosso intestino tem entre 7 a 9 metros de comprimento.
Ainda no intestino, e preso ao mesmo, podem haver cecos pilóricos em quantidades variadas. Estes são considerados dilatações da superfície intestinal com estrutura histológica comparável à do intestino delgado que produzem enzimas proteolíticas. Na terminação do intestino, no reto, forma-se o esfíncter anal, que se abre ao exterior pelo orifício urogenital. Sim, é por aí que as nossas bogas nos sujam as mãos, o barco, e tudo aquilo que estiver em seu redor. Quando as apertamos para retirar o nosso anzol, elas deixam sair uma enorme quantidade de excrementos que têm em processamento dentro de si. Nos intestinos.
Cada espécie tem as suas particularidades alimentares. Mas muitas delas podem ser capturadas com um mesmo tipo de isco, logo há pontos em comum. |
A maioria dos peixes é generalista, explorando uma grande diversidade de produtos alimentares disponíveis. É isso que explica que possamos capturar uma espécie utilizando tanta variedade de iscos.
Mesmo quando ingerem um único tipo de alimento, os peixes podem substituí-lo por outro totalmente diferente quando o primeiro se torna indisponível, ou podem mudar de hábito alimentar ao longo da vida.
Se o hábito alimentar de um robalo é inicialmente planctónico, alimentando-se primeiramente de fitoplâncton, depois de zooplâncton, no fim da sua vida será essencialmente um carnívoro absoluto. Começa por alimento que lhe é acessível na sua condição de pequeno peixe e posteriormente, vai-se especializando na ingestão de organismos animais cada vez maiores. Para um peixe, é muito arriscado o facto de ser demasiado especializado quanto a hábitos alimentares. É uma estratégia de sobrevivência arriscada, para qualquer espécie.
Por isso os pescamos com tanta variedade de iscas.
Vítor Ganchinho