Elas comem de tudo.
São de muito boa boca, muito pouco esquisitas com a qualidade dos iscos. Muito menos que a minha Mafalda quando era pequenina e eu tinha de fazer “aviõezinhos” para ela engolir a comida…
De resto, quando vou por elas, as abróteas, procuro levar iscas já…..”requentadas”, que é como quem diz, sardinhas que já foram ao mar umas três vezes, e sobraram sempre.
Digamos que pesco com um produto tão moído e desfeito, tão engravatado, que só a custo seria “impingido”, no mercado de Setúbal, por uma peixeira menos escrupulosa, como sardinha fresca, vivinha.
Se tivermos isca sobrante, que fica de uns dias para os outros, podemos utilizar. Não vai ser a ASAE que nos vai fiscalizar o estado meio decomposto das iscas.
Se tiver cavala fresca melhor, porque é mais barato e mais resistente no anzol, mas isso só é válido para situações em que temos “rataria” pequena a roubar-nos as iscas dos anzóis. Caso não exista, ou seja meramente residual, então a solução boa é sardinha pequena, e não necessariamente demasiado fresca. As iscas moles, segundo a opinião da maior parte dos pescadores, não prestam. Dizem eles. Acontece que em termos de eficácia, uma isca macia é terrivelmente mais útil que uma isca dura. Não esqueçam que o objectivo final é o de ferrar o peixe, não de o alimentar. E para isso, e caso consigamos convencer o peixe a engolir a isca, a partir daí, tudo o que se segue é-nos muito mais favorável. Se a isca lhe ficar “espapaçada” dentro da boca, mole, o anzol crava muito melhor. Da mesma forma que uma isca estreita e comprida será sempre melhor que uma isca em formato de bola. Pensem em termos de mecânica. Temos o anzol, temos a isca e temos a boca do peixe.
A isca é aquilo que impede, no caso de ser dura, de cravar o anzol mais fundo. Serve de amortecedor. Impede o anzol de penetrar, porque está entre o músculo, pele, osso da boca do peixe. Retira espaço de penetração, trava a cravagem.
E se apenas entra a ponta do anzol, mesmo que a barbela entre, temos uma prisão que, desde o fundo até à superfície, irá ser posta à prova muitas vezes. De cada vez que o peixe se debate, estamos a arriscar a sua perda. Bom mesmo é que o anzol penetre bem, e que não seja por aí que vamos perder o peixe. Vejo pessoas a fazer bolas duras de isca que, a serem engolidas, praticamente não deixam espaço a que o anzol espete com um mínimo de eficácia. Fazer iscas atractivas para o peixe, que o motivem a morder, e que ao mesmo tempo sejam eficazes é o objectivo. Para evitarmos a perda a meia água de exemplares que podem ser bons.
A sua pesca não tem nada de difícil, apenas há que obedecer a alguns pressupostos, e que vos passo aqui:
- A abrótea é um peixe que entoca. Vive em buracos escuros, onde se pode proteger dos predadores, até porque não tem defesas particularmente significativas. Diria mesmo que, a par da faneca, é um peixe “galinha da perna” para quem a quiser morder. Não tem espinhos, não tem arestas, não tem contraindicações. Os safios não as enjeitam, e sempre que podem, engolem-nas vivas.
Não é difícil encontrar furnas escuras em que ambos coabitem. Isso quer dizer duas coisas: o safio vai estar sempre à espreita de uma oportunidade para a enganar. E a abrótea vai viver num desassossego permanente, sempre dividida entre a necessidade de se movimentar na sua gruta, se quiserem numa linguagem popular “fazer a sua vida”, e não passar a jeito do safio.
Conheço buracos na rocha que pouco mais são que tubos, em que o safio fica na parte mais recôndita, a parte posterior do buraco, e a abrótea permanece na saída, sempre atenta ao que o outro inquilino está a fazer. Há todo um protocolo de entrada e saída do safio, que a abrótea respeita.
Não consigo melhor analogia do que um pacato cidadão de 58 anos que mora num apartamento T0, a meias com uma fogosa loira de 28 anos, ….sempre com o coração nas mãos. A qualquer momento pode ser atacado.
- Se estamos a tratar de um peixe de buraco, de pouco adianta procurar abróteas em areais. Nunca estarão lá. Podem pontualmente procurar pequenos caranguejos, que adoram, nos metros de areia que ficam nas imediações da toca, mas a crença é sempre a de estarem junto à fresta ou furna que lhes dão abrigo. Logo, vamos procurar estes peixes em zonas de rocha, de preferência pedra partida, com tuneis, rasgos, zonas escuras. É aí que elas vivem. Dir-me-ão: “_Mas Vitor, aí vamos perder muitas pescas, vai prender muito no fundo!”…
Claro que vão. Preparem-se para dizer adeus a algumas baixadas, se tiverem a sorte de encontrar uma zona mesmo muito boa de abróteas. Para isso, deixamos um fusível na chumbada, nos últimos centímetros, que possa partir.
Pescar com linhas mais finas na chumbada, nestes casos, pode ser muito positivo. Permite-nos recolher o resto da baixada sem problemas, sem retirar solidez ao conjunto que efectivamente pesca.
Não queremos fragilidades na parte importante do nosso sistema de pesca, a linha madre e os estralhos dos anzóis, mas podemos ceder em algo que já sabemos que irá procurar reentrâncias, rasgos, para se anichar. E prender.
Se houver alguma corrente, pescar com chumbada cilíndrica, não ajuda. Queremos fixar o chumbo ao fundo, para que pouse e fique quieto. E uma superfície triangular é melhor que uma redonda.
Não defino diâmetros, porque cada um tem as suas próprias convicções sobre aquilo que é bom. Uma linha de estralho com alguma segurança será algo parecido com um fluorocarbono Varivas 0.57mm.
Arrepia-me ouvir dizer que se pescam safios com linhas de estralho 0.30/ 0.35mm. Só mesmo muito pequenos, de 5 ou 6 kgs. Acima disso, mesmo uma linha 0.50mm, rompe em segundos. Vejam o resultado:
Os safios a sério, grandes, têm peso e fazem valer isso. Com dentes minúsculos, mas muitos e abrasivos, o safio é um oponente que precisa de tratamento especial, em termos de equipamento.
Quando tem o anzol dentro da boca, a linha roça nos dentes e é uma questão de segundos até partir. Começamos a ter algumas possibilidades a partir de linhas 0.70mm e, se forem mesmo grandes, acima dos 25 kgs, mesmo este diâmetro ainda não garante nada.
Por grande azar, o território de uns é o mesmo dos outros. As abróteas são tão de buraco quanto os safios. E porque habitam os mesmos lugares, é natural que pontualmente se encontrem alguns.
Quando ferrados, e se estamos equipados com carreto eléctrico, a última opção é tentarmos levantar o peixe utilizando a opção eléctrica. Não são peixes para trazer para cima a reboque, com muita velocidade. Estamos apenas a forçar o nosso equipamento, para nada, porque um safio não vale uma cana, uma linha, ou mesmo um carreto.
O safio, acima de alguns quilos de peso, precisa de paciência, e isso significa enrolar a linha à manivelada. E antes disso, convencê-lo a largar a zona de pedra onde é rei e senhor. Quando os levantamos alguns metros, se conseguirmos manter-lhes a cabeça virada para cima, e isso significa manter uma pressão constante e enrolar linha com ânimo, poderemos ter algumas possibilidades. A seguir, teremos de enfrentar o outro momento crítico: a chegada ao barco. É aí que eles “rabeiam”, tentando impedir a entrada na rede do camaroeiro.
Se queremos pescar ao safio, então vamos pescar com equipamentos para safio. É outro campeonato, outro equipamento, muito mais pesado, mais robusto, e que resulta bem por isso mesmo. Um destes dias vou fazer uns safios, filmar todo o processo, para vos trazer aqui ao blog alguma informação de como fazer. Mas o dia de hoje é dedicado às abróteas.
As abróteas são um gadídeo, da família dos bacalhaus. É muito importante conhecer a sua estratégia de vida, para as conseguirmos pescar. Saber o que come, mas também saber como come. |
Passo-vos hoje um filme de uma pescaria que fiz há dias, em que tive a possibilidade de colher alguns minutos de imagens. Como habitualmente, o meu amigo Carlos Campos esteve disponível para captar alguns minutos de filme:
Reparem na acção da cana. É muito importante que tenha reserva de potência, para fazer subir um peso significativo (baixada com chumbada + peixe de elevado diâmetro), e ao mesmo tempo que tenha uma relativa sensibilidade na ponteira, para nos dar a informação de que necessitamos. Nunca por nunca colocar a cana numa posição vertical. A posição correcta é esta, cabo firme debaixo do braço, e a nunca deixar que a parte mais alta da cana suba acima do nível dos nossos olhos. Nunca parte, nestas condições!
Quando pescamos a alguma profundidade, temos sempre de ter em conta o efeito físico que isso provoca no nosso corpo. Convém não esquecer que estaremos a pescar algumas horas, e devemos por isso ter atenção a alguns detalhes. O primeiro é o de termos nas mãos material relativamente ligeiro. O peso de todos os componentes deve ser-nos confortável. A principio, tudo serve, mas no fim, já cansados, cada grama é um suplício. Por isso, no acto de compra, devemos levar em linha de conta sobretudo o peso da cana e do carreto. Também é importante saber ajustar o diâmetro da linha ao carreto que temos.
Para mim, um PE 2 é mais que suficiente. O resto é trabalho de embraiagem do carreto. Pescar não é uma questão de medir forças, ver quem tem mais força, ver quem puxa quem. Nada disso. Temos uma determinada resistência de linha, e antes disso, temos uma embraiagem que a solta, se o peixe o justificar. Os carretos eléctricos fazem isso tão bem quanto os outros, basta regular a tensão máxima que queremos suportar e a partir daí, o peixe leva linha. Enquanto o peixe estiver forte demais, o carreto patina, a linha não enrola, ou sai mesmo alguns metros, mas a seguir, logo que o peixe deixa de se debater, volta a enrolar e ao fim de alguns segundos, está à superfície.
Tudo isto é trabalho de casa. É no remanso do lar que preparamos os nossos equipamentos, não resulta bem inventar em situação de trabalho. Perdem-se peixes.
Aqui, utilizei um carreto Daiwa Seaborg 300J- L, a máquina indicada para a profundidade a que estava. Dos 70 aos 120 metros, é com este carreto que pesco. Mais profundo, passo ao tamanho 500 J.
A questão não é a de que esse carreto tamanho 300 não o possa fazer. Mas estaria a forçar a mecânica com um peso que não pode fazer bem a uma máquina que quero preservar durante muitos anos. E que já pesca nas minhas mãos há 5 anos, sempre devidamente lubrificada, sempre cuidada.
Aparece no filme suja de iscas, de muco de peixes, mas já sabem que em tempos de guerra não se limpam armas. Ao chegar a casa fica tudo a brilhar, como de costume. A pesca para mim só acaba quando o equipamento está limpo, lubrificado e pronto a utilizar de novo.
Pescar abróteas, ou safios, ou outros tipos de peixe, deve ser feito com luvas. A protecção dos nossos dedos é importante. Os cortes, para além de possíveis infecções, limitam-nos, provocam-nos desconforto, e deixam marcas que levaremos dias a sarar. As luvas que utilizo aqui são as novas Major Craft, feitas em cabedal sintético, criado pela marca japonesa para aguentar salitres. São de longe as mais confortáveis, mais anatómicas e resistentes que já utilizei. Os dentes dos peixes deixam marcas!
A cana, em stock na GO Fishing Portugal, é um portento de tecnologia: Daiwa A-Britz Nerai E H-240 E Boat. O código de produto é: 4960652218023. Tem a acção certa para o tipo de pesca que fiz nesta saída, com um comprimento de 2,40 mts. E é tão leve que posso pescar horas e horas sem que me provoque qualquer tipo de fadiga. |
Em caso de dúvidas, agradeço que as coloquem aqui no blog. Tenho sempre muito gosto em responder a todos os que se me dirigem, mas entendam que não é possível individualizar as respostas, quando utilizam o meu telemóvel. Pelo blog, por favor.
Vítor Ganchinho
Belíssima pesca ,já a tinha visto no YouTube ,aguardava pelo relato ... Uma pesca a considerar .
ResponderEliminarBruno Gomes
Bom dia Bruno Costa. Nós temos na zona de Setúbal uma imensidão de diferentes possibilidades de pesca. É escolher aquilo que se pretende fazer, pegar no equipamento certo e passar uma manhã divertida. Com alguma boa vontade, é possível fazer dois ou três tipos de pesca numa mesma manhã: um hora a pescar aos robalos com vinis, ou jigs, bem cedo, duas horas a desassossegar os pargos com jig, e terminar por exemplo com uma pesca de abróteas, que em pouco mais de uma hora já dá para fazer umas quantas. Basta fazer um mapa de viagem, e cumprir o programa. No fim, há sempre peixe na caixa. O que não falta é peixe...
EliminarAbraço
Vitor