SAIR CEDO PARA A PESCA

Aos olhos de pessoas “normais”, leia-se não pescadores, haver quem se levante da cama cedo para ir ao mar já é um absurdo. Não faz sentido, sabendo que teremos o dia todo para lá estar.
Presumem que saímos de casa pelas 9 horas da manhã. Se soubessem mesmo a que horas nos levantamos, e a que horas saímos nos nossos barcos, ficariam horrorizados!
E todavia, fazemo-lo com uma convicção quase religiosa. Saímos da cama bem cedo, de noite, e isso nem nos maça por aí além. Há boas razões para nos sacrificarmos dessa forma.
Desde logo o facto de sabermos que há peixe de actividade nocturna, que ainda está a comer quando chegamos ao pesqueiro. É o caso das abróteas, dos safios, e de ilustres convidados que também têm o hábito de caçar durante a noite: os robalos.
Estes peixes, e sobretudo se o dia amanhece escuro, nublado, prolongam a sua actividade mais algum tempo, aproveitando a escuridão do fundo. Pouca luz chega a essas horas à sua zona de caça e isso são vantagens para quem tem olhos preparados para ver na escuridão. E sobretudo para quem tem outros mecanismos de ”ver”, como uma sensível linha lateral, um bom olfacto, etc.
Mas não fica por aqui o leque de possibilidades de pesca. O peixe essencialmente diurno, e falamos de pargos, de choupas, de sardas, de douradas, (embora estas também comam de noite…), de ruivos, de besugos, etc, etc, quando raia o dia, começam de imediato à procura a comer.
Estarmos no sítio da pesca bem cedo garante-nos o lugar do barco em cima da pedra, primazia na escolha dos locais, e dá-nos sobretudo a possibilidade de aproveitarmos o resto de actividade de uns, e o inicio de actividade de outros.
Há mesmo uma meia hora mágica, aquela que vai do raiar do dia ao levantar do sol no horizonte. Tudo corre bem a essa hora! E por isso vamos ao mar, alegremente, a horas em que a maior parte das pessoas ainda está debaixo dos lençóis.


Pela manhã, bem cedinho, há grandes possibilidades de conseguirmos mar chão. Fiz esta foto há duas semanas, numa saída que viria a ser um perfeito sucesso. Encontrei os atuns grandes, que me brindaram com saltos fora de água, enquanto perseguiam as aterrorizadas cavalas. 


Mas há mais motivos para irmos cedo: os ventos.
De manhã cedo são-nos favoráveis, e à tarde matam-nos com pancada.
Sabemos que raramente temos ventos constantes durante todo o dia. Sabemos que a intensidade e a quantidade de vento não é idêntica durante o dia e a noite. Há momentos do dia, cedo, em que praticamente não sopra. E há boas razões para que isso aconteça pela madrugada. A meio do dia, é muito natural que se comecem a levantar ventos mais fortes. Na zona onde pesco habitualmente, há mesmo um termo para definir estes ventos, geralmente usado pelos marítimos mais antigos: o “garruaço”.
Trata-se de um vento muito persistente, rasteiro, que sopra junto à camada superficial da água e que lhe quebra as cristas quando elas sobem o suficiente para ficarem mais finas. Se houver alguma vaga, é certo e sabido que o “garruaço” irá partir-lhe as cristas, e fazer espuma branca, aquilo a que muitos de nós chamam de “carneirinhos”.

Vamos hoje ver como e porque acontece.


Como diria alguém, não há ventos favoráveis para quem não sabe para onde ir. Mas nós temos uma ideia precisa do lugar onde queremos pescar. E assim, se não podemos mudar a direcção do vento, podemos pelo menos navegar quando ele tem intensidade residual: pela manhã, bem cedo, se quiserem… pela fresquinha.


Já aqui falámos algumas vezes neste fenómeno meteorológico: a criação de vento. Porque me parece que é um factor decisivo para o desenrolar de uma boa ou má pescaria, atrevo-me a voltar ao tema. Gostaria que ficassem “mestres” neste assunto.
Os dados da equação são relativamente simples: de manhã cedo, a temperatura da água do mar e a temperatura de terra, são muito idênticas. Mas ao meio-dia, de um lado temos no mar uma superfície fria, e ar frio, e do outro lado terra quente, aquecida pelo sol, e ar quente.
Isso gera desequilíbrios. Gera diferenças de pressão. E consequentemente, ventos. O vento é ar em movimento, a deslocar-se de uma lado para o outro. Parece simples, mas explicar as razões deste fenómeno são tão complicadas quanto explicar a razão de uma pessoa conseguir caminhar na vertical. É muito simples entender que anda, mas difícil explicar as razões técnicas e mecânicas que levam a que isso aconteça.

Chamamos vento a uma deslocação de ar, invisível. Que apenas percebemos por vermos objectos em movimento, e por sentirmos o seu contacto, a sua intensidade, nas partes do corpo que temos descobertas, pelo balançar das folhas das árvores, das bandeiras, ou, se no mar, pelo deslocamento de nuvens, pelas vagas, ou por sentirmos o barco a ser empurrado.
Pois este vento é de extrema importância para o equilíbrio de temperatura do ar. Haverá milhares de factores que dependem do vento. Os nossos barcos à vela não andariam sem ele. As nossas areias não seriam movimentadas, não haveria ondas, logo as águas não seriam oxigenadas.
No limite haveria muito menos peixe.
Vamos ver agora a influência da variação da temperatura de acordo com a pressão atmosférica. No fim, espero que possam explicar a quem quer que seja o que é isso do…vento.
A pressão atmosférica é uma medida da força que a coluna de ar, o seu peso, exerce sobre uma área da superfície terrestre. É aí que nos movimentamos, e sofremo-la, sem no entanto a sentirmos de forma declarada. Quanto maior o peso da coluna de ar, maior a pressão atmosférica.
E agora, falta o toque de mestre, para que entendam tudo de forma clara: quanto mais elevada a temperatura do ar mais as suas moléculas se agitam, se movimentam, e por isso mesmo, mais se afastam umas das outras.
Por isso mesmo, por cada metro cúbico de ar, menor será o número de moléculas de ar existentes, e por isso menos peso. Faz sentido? Quanto mais altas as temperaturas, mais agitação molecular e por isso menor será o peso do ar aquecido.
O oposto ocorre quando o ar arrefece. Para temperaturas mais baixas, o ar faz com que estas moléculas se aglutinem, se juntem, perdem mobilidade, e por isso passa a haver muito mais moléculas por cada metro cúbico de ar. Isso faz com que o ar se torne mais denso, mais pesado e por isso, maior é a pressão atmosférica. Se quiserem, maior é o peso do ar sobre a superfície terrestre. Está claro agora?
Assim sendo, e em resumo, temos que em temperaturas baixas temos maior pressão atmosférica, e pelo inverso, com temperaturas mais elevadas, temos menos pressão atmosférica.
Desculpem o ar “escolar” com que abordo este tema, mas sei que muitos de vós têm dúvidas profundas sobre este tema. Espero que fiquem agora dissipadas.
A movimentação de ar, ocorre em razão da relação entre temperatura e pressão. O ar frio, mais pesado, desloca-se para as áreas mais baixas, enquanto que o ar mais quente e leve tende a subir para as áreas mais elevadas da atmosfera.
De um modo mais simples: o ar quente sobe e o ar frio desce. É nessa dinâmica de equilibrar as pressões que o ar se movimenta. Isso é…o vento! Isso é aquilo que nos estraga a pesca!

Vejam a imagem abaixo:



Vou só dar mais uma achega: a brisa marítima, o que é isso?

Vamos ver: durante o dia, tanto a água do mar como a terra firme, ambas são aquecidas pelo sol.
Mas a parte terrestre aquece mais depressa que a água do mar. Desde logo porque a parte de terra que aquece é apenas a sua crosta, a parte superficial. Mas a água, boa condutora de calor, propaga-o mais em profundidade, e por isso leva mais tempo a aquecer.
Esse aquecimento da camada superficial da terra gera uma situação de desequilíbrio, ou seja, uma zona de baixa pressão. Maior calor logo …pressão mais alta. Certo? O ar quente sobe.
Mas o mar está mais frio. E vai daí, o ar mais frio sopra na direcção de terra, para ocupar o espaço deixado vazio pelo ar que subiu. Isso é a brisa marítima.
O contrário também acontece: à noite, o fenómeno é o inverso. A terra perde calor com mais rapidez, arrefece logo que deixa de ser aquecida pelo sol, e por isso mesmo forma zonas de altas pressões, passando então esse ar mais frio a deslocar-se no sentido do mar.
O vento passa pois a soprar de terra para o oceano. E chamamos a isso …brisa terrestre. Valeu?

Os ventos não são mais do que o resultado de diferenças de pressão, altas e baixas, e da compensação que ocorre, no sentido de equalizar estas pressões. O vento é ar que corre de um lado para o outro.
Prejudica-nos a pescaria, incomoda-nos, e por vezes, impede-nos mesmo de pescar. Por isso é tão importante sabermos jogar com ele, saber o suficiente para tirar partido dos melhores momentos ao longo do dia. Não podemos impedir que, com as mudanças de marés, ocorra vento. A força da gravidade aplicada a uma massa de água imensa a isso obriga. Mas podemos orientar a nossa viagem de mar de acordo com as nossas conveniências. Por exemplo, (para quem pesca vertical), para que esteja fundeado na altura em que sopra mais forte. Porque a seguir passa, e podemos voltar a levantar ferro, e eventualmente mudar de sítio. Ou mudar de técnica.




De acordo com as estações do ano, que mudam ao ritmo, grosso modo, de 3 meses, também o tipo de ventos muda. É mais frequente termos frentes frias de Inverno. A densidade ao ar é mais elevada, e o vento empurra-nos o barco com mais facilidade.
Para quem pesca jigging, e não quer uma deslocação demasiado rápida, é tempo para utilizar o “pára-quedas”, uma capa ou âncora de superfície que nos retém, que nos trava por atrito na água. E isso é muito conveniente para quem quer e precisa de uma deslocação mais lenta.
É frequente que no Verão tenhamos um vento mais “alvoroçado”, e de Inverno vento mais constante. As diferenças de temperatura terra /mar, de Inverno, não são tão extremadas.
Na zona onde vivo, Setúbal, temos condições excelentes para pescar. Desde logo porque há peixe. O rio Sado encarrega-se de abastecer de nutrientes a baía Setúbal, Sesimbra e Sines.
À conta do nosso querido rio, gera-se uma gigantesca cadeia alimentar que atrai peixe, do mais pequeno ao maior. De um simples caboz, uma sardinha, um carapau, a um atum, uma baleia ou uma orca. Temos de tudo.
Mas também temos os ventos. Pese embora a protecção oferecida pela Serra da Arrábida dos ventos dominantes, o NW, Noroeste, também é verdade que é a própria serra, com uma massa enorme de pedra e superfícies expostas, aquecidas pelo sol, que nos trama. É que é ela a responsável pelos famosos ventos térmicos de Verão. Não são mais que o resultado da diferença de temperatura entre a água do mar e a temperatura de terra. Os ventos térmicos são compensações de ar em deslocamento.
Sendo comuns em toda a nossa costa ocidental, logo em todo o país exposto ao mar, estes ventos entram de Noroeste com força, fazem ondas nas nossas praias e fazem bater água nas escarpas rochosas. É um vento que pode chegar a impedir-nos de pescar.
Sentem-se sobretudo nos meses estivais, em Junho, Julho e Agosto. Ou seja, quando a superfície da terra está mais quente. Estes ventos resultam da união vectorial entre a brisa marítima, ventos barostróficos, e os ventos de circulação geral, na circunstância muito associados ao anti-ciclone dos Açores. É este anti-ciclone que, dependendo da sua localização, nos serve, ou não de escudo protector em Portugal.

Para quem me lê do Algarve, sabe bem a diferença que é ter ou não ter vento de levante. O levante é um vento quente que entra de Este ou Sudeste, originário do deserto do Sahara. A nossa costa sul, tão protegida dos ventos dominantes, é amplamente afectada por estes ventos do deserto, e também aí por vezes as condições de pesca são difíceis. De resto, devemos entender a existência de vento como uma benesse, pois é ele que irá oxigenar as águas, que vai levantar sedimentos, que vai baralhar para dar de novo. E o peixe precisa disso. Os ventos estragam-nos um dia de pesca e dão-nos dois dias de peixe.
Não devemos subestimar os perigos que advêm da formação de vento. Os perigos associados são enormes. Quando o vento está a 5 a 10 nós, sabemos fazer, sabemos exactamente aquilo que irá acontecer à capa superficial da água, sabemos navegar. Estamos habituados a isso. Mas quando o vento aumenta para 10 a 20 nós, tudo aquilo que conhecemos irá acontecer ao dobro da velocidade. Isso irá porventura levantar-nos problemas ao nível da recuperação da âncora do fundo, irá por-nos à prova enquanto marinheiros, e irá exigir do nosso barco performances que ele pode não ser capaz de cumprir.
Com vento mais forte, chegam as vagas, e com elas, e com a adição de ondas mais altas, o nosso barco pode não aguentar. Cuidado! O mar não é um lago, e nunca temos ninguém por perto que esteja em boas condições para executar um salvamento.
Quem estiver nas imediações, na melhor das hipóteses tem os mesmos problemas que nós, e está a tentar salvar a sua pele. E se tivermos de esperar que cheguem socorros mais habilitados para o efeito, …podemos estar já a ver o fundo do mar quando chegarem.




Queria ainda chamar-vos à atenção para um outro detalhe, que me parece curioso: aquilo que genericamente podemos esperar do tempo, atendendo aos sinais de vento que temos para os próximos dias.
Vamos ver o que são registos históricos de velocidade de vento, temperaturas, etc. Porque o blog de hoje já vai extenso, e porque o compromisso são mesmo os cinco minutos de leitura, vamos deixar para amanhã a conclusão deste tema.
Penso que pode ser interessante.



Vítor Ganchinho



Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال