SABER DE VENTOS

Vimos ontem alguns detalhes sobre a formação de vento, altas e baixas pressões e tudo o que isso nos traz em termos de instabilidade. E em dificuldades para conseguirmos pescar.
Parece-me importante dar-vos alguns dados técnicos para que entendam que tudo isto, sendo algo muito complexo a nível de previsões globais, (as variantes são imensas, é trabalho para super-computadores!...), ainda assim pode ser mensurado, pode ser enquadrado em períodos, em ciclos, e não foge de todo ao saber empírico dos nossos resistentes e indomáveis velhos marinheiros. Eles sabiam, e mesmo com as alterações climáticas, continuam a saber, mesmo muito, sobre tempo!

Há predominâncias de vento, não tão inesperadas quanto isso, ancestrais, ainda que, segundo velhos lobos do mar, (os que andam ao mar todos os dias, os capitães da marinha mercante e os nossos pescadores profissionais), as condições tenham vindo a mudar aos poucos, nas últimas duas décadas. Penso que pode ter a ver com o fenómeno do aquecimento global. Dizem eles, os nossos velhotes, que a instalação de portos marítimos sempre obedeceu, desde tempos imemoriais, a uma conjuntura de ventos muito constantes de um determinado quadrante.
Numa situação padrão, o litoral português tem, no Verão, uma predominância muito clara de vento Norte e Noroeste.
Poderíamos dizer que o Norte/Noroeste é o vento mais comum no nosso país. É ele que faz com que haja pedra do lado direito dos nossos rios, e areia do lado esquerdo. Vejam Cascais e a Caparica, vejam a Arrábida e o areal de Tróia, etc.
Grão a grão, a força constante do vento empurra águas e modela a paisagem.
Os portos que temos no litoral estão todos protegidos destes ventos. Aqui perto, reparem no Porto de Lisboa, Sesimbra, Setúbal. Todos eles foram construídos, e bem abrigados, a uma chegada de ventos padrão Norte e Noroeste.
Ao longo do país, irão encontrar esta figura em todo o lado, salvaguardando a situação pontual do sul do Algarve, por razões óbvias. Aí, é o vento levante que causa estragos.
Mas em toda a restante costa ocidental, o vento normal é o que referi.




Os ventos são medidos a uma altura de 10 metros acima do solo, em zonas abertas. Esse é o critério. A sensação de vento que recebemos depende bastante da tipologia da zona em que nos encontramos. Considerando a unidade de uma hora, podemos ter ventos de vários quadrantes. O normal é que se considere a resultante de todos esses diferentes ventos como sendo a direcção do vento.
Se quiserem que eu seja mais preciso, posso referir-me ao que presencio na minha zona habitual de pesca, a baía de Setúbal, Sesimbra, Sines. Nesta zona, que conheço relativamente bem, posso falar com propriedade, baseado em dados concretos.
A Serra da Arrábida influencia a chegada dos ventos predominantes, a nortada, desviando-os para W, Oeste, ou até para SW, Sudoeste.
Durante o dia, a nortada forte é canalizada para a “portela” formada pelo morro de Palmela e a Serra do Louro. A partir daí, e sofrendo esse “aperto”, aumenta de velocidade e irá varrer a cidade, correndo a seguir toda a zona norte da ponta de Tróia. Sempre com a mesma orientação.
A seguir às 12h/ 13h, temos um incremento de vento térmico, com direcção noroeste, muito bem marcado. O vento entra-nos a 45º pela proa de quem, vindo de Sines, se dirige a Setúbal. Pode ser particularmente violento em zonas abertas, desabrigadas, como a praia da Figueirinha, ou a baía de Sesimbra.
À noite, com a formação de baixas pressões em terra, a equalizar as temperaturas da água do mar, a velocidade do vento é menor. Assistimos nessa altura a desvios do vento predominante para W e S, resultantes do desvio provocado pelo bloco Serra da Arrábida/ Cabo Espichel.
Nos meses de Verão, à noite, aparecem muitos ventos médios a fracos, que sopram de Oeste a Sul. Estes ventos sopram destes quadrantes sobretudo durante a noite, na zona de Tróia, e em situações extremas, poderiam ser aproveitados por quem está no mar em dificuldades para avançar para norte. Se alguém com rumo sul/norte se sente em perigo, com água a entrar pelo través, deve antes de mais manter a calma. Estamos na presença de um tipo de vento que levanta vaga alta, o “garruaço”, mas que não é definitivo. Irá mudar, à medida que as condições de temperatura alterarem. Caso tenha a presença de espírito e a capacidade técnica para isso, deve esperar pelo entardecer, e fazer então a viagem para o Sado. Chegará de noite, cansado, mas vivo.
Se acontecem acidentes é exactamente porque as pessoas não querem, ou não sabem esperar por estes ventos amigos, que os empurram direito ao porto de abrigo. Forçam direito a Setúbal, contra as vagas, colocando as suas vidas em perigo, sem necessidade.
Um facto curioso é o de esses ventos que sopram entre Setúbal e cerca de metade da Península de Tróia, digamos até ao Carvalhal, serem intensificados pela diferença de temperatura entre a água do mar, Oceano Atlântico, e a àgua mais quente das marismas, a parte de dentro das zonas baixas do Estuário do Sado. A menor profundidade das águas internas permite o seu aquecimento mais rápido e cria diferenças de pressão atmosférica local. É um fenómeno muito localizado, apenas perceptível a quem está muito atento aos ventos na zona.
O mês de ventos mais fortes em Setúbal é dezembro, com 17,7 quilómetros por hora de velocidade média horária do vento. A época mais calma do ano dura 2,4 meses, de 19 de agosto a 30 de outubro.
O mês de ventos mais calmos em Setúbal é setembro, com 15,0 quilómetros por hora de velocidade média horária do vento. A direção média horária predominante do vento em Setúbal varia um pouco durante o ano.
O vento mais frequente vem do norte durante 11 meses, de 10 de janeiro a 5 de dezembro, com percentagem máxima de 67% em 18 de julho. O vento mais frequente vem do leste durante 1,2 meses, de 5 de dezembro a 10 de janeiro, com percentagem máxima de 30% em 1 de janeiro.




Grosso modo, poderíamos dizer em termos genéricos que, em Portugal, nos meses quentes temos:

Vento com direcção Norte ou Noroeste, (a nortada e o vento térmico), está associado a bom tempo, a temperaturas quentes.

Vento com direcção Este ou Nordeste, (vento Leste, de terra), é sinónimo de bom tempo e temperaturas muito altas, com baixo grau de humidade relativa do ar.

Vento com direcção Este ou Sudeste (Levante algarvio) está associado a bom tempo com temperaturas altas, mas com chuva forte e trovoadas. Cuidado para quem pesca com canas de carbono, são boas condutoras de electricidade!!

Vento com direcção Sudeste, (vento continental que chega depois de passar o Estreito de Gibraltar, carregado de humidade. Traz mau tempo, superfícies frontais e por vezes temperaturas anormalmente baixas para os meses quentes.


Em contrapartida, nos meses frios, invernosos, temos:

Ventos com direcção Este ou Nordeste, ( vento Leste) está associado a bom tempo, mas as temperaturas baixam muito. É vento glaciar, gelado, que nos deixa os vidros dos carros com gelo.

Ventos com direcção Sudoeste, que, a exemplo do que ocorre nos meses de Verão, traz mau tempo. Acontece devido à passagem de uma perturbação da frente polar. Mau para a pesca, pois gela as águas à superfície, e o peixe afunda.




Assim sendo, temos que podemos criar um padrão de análise de temperaturas, ventos, etc, na nossa zona. Se alguém o quiser fazer, pode começar a registar dados no seu computador e ao fim de alguns anos já tem um padrão com aquilo que pode esperar, grosso modo, em cada altura do ano.
No meu trabalho de pesquisa de dados para este artigo, encontrei algo de muito curioso, um registo de temperaturas médias ao longo dos anos. Passo-vos este excelente trabalho, para que possam tomar como exemplo:




Estes dados não deixam de ser curiosos, e são apenas o sistematizar de longas observações e registos. Com as condições de clima a mudar a cada ano, aquilo que sabemos é que cada vez será mais difícil prever que tempo podemos esperar em cada mês. Mas podemos guiar-nos por alguns padrões, e esses estão espelhados acima.
São as condições de tempo que influenciam decisivamente as opções dos nossos peixes, limitando-os, obrigando-os a efectuar migrações, quer ao longo da costa, sul/norte ou norte/sul, quer a afundar, em peregrinações dos pesqueiros mais baixos para zonas mais fundas, ou vice-versa. Eles só se movem quando a isso são obrigados. E todas as suas movimentações acabam por nos afectar, porque hoje estão aqui, conseguimos pescá-los, mas amanhã as condições de vento e temperatura são outras, e já não estão, foram embora.
Entendam que a alteração de condições é mais profunda do que um peixe querer estar aqui ou ali. Se as condições alteram, tudo altera. Se a comida vai embora, todo o peixe tem de ir atrás.
Se surge um vento leste, de terra, leva o fitoplanton para o largo. Os cardumes de peixe miúdo que dele se alimentam, têm de ir atrás. Os predadores que se alimentam destes peixes também têm de ir atrás. O vento mudou as condições anteriores e provocou uma debandada dos pesqueiros onde dias antes estavam milhares de peixes.
Isso acaba por nos obrigar a procurá-los, com paciência, mais longe. Obriga-nos a estar atentos aos sinais, a entender que as temperaturas e ventos do dia e da noite não são algo indiferente às escolhas desta ou daquela espécie. No fundo, olhar para o ecrã da nossa sonda com muita atenção.
Se conseguirmos entender as razões que os levam a migrar de uns lados para os outros, ou seja, se estivermos atentos aos sinais das condições meteorológicas, se as soubermos ler, estaremos mais próximos de os encontrar.



Vítor Ganchinho



6 Comentários

  1. Para mim muito oportuno e veio em boa hora este artigo ,como recém encartado da carta de patrão local ,virá a ser útil quando tiver o bote .... E agora na época que entra das douradas há mesmo que sair cedo eheheheh..

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    1. Boa tarde Gomes! Sair cedo garante-nos tempo de pesca, poder de decisão sobre os pesqueiros onde queremos ir, e também um retorno a casa um pouco antes. Vai ver que é útil ter mais uma ou duas horas disponíveis, para poder lavar o seu barco, limpar o peixe, dar um retoque na ancora, lavar as canas, lubrificar os carretos, etc, etc. Há sempre algo para fazer, e se sairmos tarde, ...fica por fazer para uma próxima oportunidade que nunca chega.

      As douradas já estão aí.


      Abraço
      Vitor

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    2. Boa tarde Vitor,

      Mais um tópico de verdadeira excelência de conteúdos!

      Obrigado e grande abraço!
      A. Duarte

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    3. Bom dia Antonio


      Infelizmente já não estão a fazer a cana Xesta Scramble......Veja abaixo:

      Dear vitor

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      Also there is no alternative models, exactly like this one.

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      Sincerely,
      Kaho Muroga


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  2. Daqui a umas horas já ver delas ...abraço

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    1. As douradas já aí andam, feitas malucas....espero que haja alguém que liberte as mais pequenas, abaixo de 10 cm.....
      Anda gente nos esteiros, na Carrasqueira, a pescar douradas com minhoca. Por aí já podem ver o tamanho dos bichinhos.


      Abraço
      Vitor

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