Na zona onde normalmente pesco, a baía de Setúbal, Sesimbra, Sines, a pesca do pargo legítimo é algo de particularmente comum.
Não tanto pelo tamanho, que normalmente não excede 1 kg, logo, pargos novos a caminho de um dia virem a ser grandes, mas sim pela quantidade de peixes que podemos ter no anzol, durante uma jornada de pesca.
Os resultados das pescarias medem-se frequentemente pelo número de pargos capturados. Bem sei que não é assim em todo o país, a norte a quantidade de exemplares disponíveis serão bem menos, e no Algarve, a qualidade é seguramente melhor que a quantidade. Em Setúbal, uma pescaria de 10 pargos não merece sequer um cantinho de rodapé de página num jornal de província, é algo de vulgar.
Penso que é sua combatividade, a sua potência, que fazem dele um dos peixes mais procurados, e por isso mesmo, um dos mais “encontrados”. A maior parte das pessoas tem equipamentos eficazes, que aguentam na perfeição os esticões com que este espárida nos brinda, quando se tenta libertar. E mais que isso, têm o conhecimento da sua pesca. O pescador setubalense sabe pescar os pargos, dentro de uma perspectiva de pesca tradicional, vertical.
Esta é a vítima habitual dos pescadores de Setúbal: o pequeno “parguete”, um juvenil que abunda e ataca tudo o que mexe. Aqui pesquei com uma tenya equipada com um camarão. |
Mas se no Verão, com águas mais quentes, é fácil encontrar os ditos “parguetes”, quando chega o Inverno as condições mudam, e os peixes desaparecem. Os pesqueiros onde passaram os meses de Verão e Outono, passam a estar vazios, a não ter nem uma alma interessada em morder os nossos anzóis. E para onde vão?
Sendo um peixe sem predadores em particular, o pargo movimenta-se ao longo da costa, por ambientes muito variados, de pedra, de cascalho, de areia, com plantas, no meio de escolhos, eventualmente até de embarcações naufragadas.
Desde que possa esconder-se e tirar partido do seu arranque explosivo, o pargo evolui em qualquer tipo de habitat. Mas se tiver a possibilidade de escolha, então iremos encontrá-lo em zonas obscuras, discretas, onde se pode esconder e caçar com tranquilidade.
Grandes maciços de rocha partida, pedra alta, servem-lhe na perfeição.
À medida que as águas arrefecem à superfície, e numa perspectiva de poupança de energia vital, o pargo afunda, abandona os postos de caça mais baixos que tão convenientes lhe são, por terem muito mais vida, mais presas pequenas.
Irá descer numa primeira fase para os 60/ 80 metros, e, já com as águas mesmo muito frias, na ordem dos 13/ 14ºC, então baixa aos 100/ 120, 150 metros.
Já aqui falámos na questão das termoclinas, e das variações de temperatura. No Verão são mais elevadas à superfície, e resfriam à medida que baixamos na coluna de água. No Inverno é o oposto, as temperaturas atmosféricas nocturnas próximo do negativo arrefecem as camadas de água superficiais, e por isso o peixe, de sangue frio, passa a encontrar maior conforto muito mais abaixo.
A cada cota corresponde um valor de temperatura diferente, e isso é aproveitado por este predador para se deslocar na sua peregrinação anual, a qual grosso modo poderíamos descrever como um V profundo, mas de vértice invertido: sobe no final da Primavera, passa o Verão nos baixios e no final do Outono volta a descer aos fundões. Isso é válido para quase todos os tipos de pargos que temos na costa, sendo que alguns deles, mais preparados para o frio, fazem exactamente o percurso inverso, ou seja, sobem quando a água arrefece. É o caso das bicas, e das sêmeas.
Aqui dei com um tipo de pargo que não tem medo do frio. Mas o pargo legítimo é friorento... |
Se o queremos encontrar de certeza, basta procurar na sonda zonas com pedras altas, irregulares, com espaços entre si, cobertos de areia. Aí, encontram tudo aquilo de que necessitam para viver.
Falamos de um oportunista, um peixe que tanto ataca um caranguejo na pedra como uma cavala na areia. Quando ainda pequenos, ao nível daquilo que é frequentemente pescado na costa setubalense, o pargo alimenta-se ainda de vermes arenícolas, navalha partida pelas traineiras do arrasto, etc.
Serão muito menos generalistas quando crescerem, quando se tornarem pargos adultos, acima dos 5/ 6 kgs de peso.
Ao longo dos anos de mergulho que fiz na costa, nunca consegui entender qualquer tipo de territorialidade no seu comportamento. Ver um pargo bom num determinado local não significa de todo poder vê-lo num dia seguinte. Admito que possa ter um espaço de caça, mas não me custa acreditar que determine o seu posicionamento nas pedras em função da pressão de pesca, das redes, e sobretudo das entradas de comedia. Aquilo que vi foi pargos a atacar cardumes de pequenos peixes, em corridas curtas, muito rápidas, e um retorno ao ponto de partida, ou seja ao local de emboscada.
Se eu tivesse de pescar um pargo hoje, se quisesse ter alguma certeza de o encontrar, procuraria uma pedra alta, com uma parede abrupta, vertical, e iria procurá-lo na base dessa pedra.
É aí, encostado aos escolhos que sempre ficam depois das tempestades, calhau rolado, pedras de maior tamanho que rolam com a força das ondas e ficam retidas nessas paredes, que o pargo gosta de se movimentar.
Quanto a iscas, pois estamos agora em plena época da lula, e por isso elas fazem parte da dieta regular do pargo. Para quem pesca com isca natural é isso, ou sardinha gorda do Outono, eventualmente congelada em água salgada na melhor altura, o mês de Setembro, Outubro.
Para quem prefere os artificiais, o meu caso, os Inchikus, que imitam na perfeição as lulas, ou um jig curto e largo, para slow jigging. Algo como isto que podem ver abaixo.
Mas o tempo é para os inchikus, sem dúvida. A razão de utilizarmos amostras articuladas, com um corpo e uma saia com franjas de silicone das quais saem dois anzóis, tem a ver com a proximidade que isso tem com as lulas, e com a possibilidade que temos de, ao menor movimento da amostra, podermos activar os seus movimentos. Basta um pouco de corrente, ou um pequeno toque de pulso, e temos o nossos inchiku a fazer de cefalópode, a “tentar” os pargos.
Referência: 4993722734208
Tamanho (g): 100
Cor: #02 (Blue IVAS)
Os movimentos devem ser pausados, menos agressivos, porque já temos o peixe a sofrer os efeitos da temperatura mais baixa da água. De Inverno pesca-se devagar!
Para quem gosta de os tentar com vinis e cabeçotes de chumbo, já estamos nos limites, a profundidade já começa a ser muita. Pode ser feito, recorrendo a um cabeçote na ordem dos 42 gr, e um shad com cauda não demasiado volumosa. Sob pena de levar muito tempo a baixar à base da pedra.
Movimentos lentos, cadenciados, a dar tempo ao predador para se aproximar, e ter tempo de reagir. Depois de bater no fundo, subir alguns metros, a fazer vibrar a cauda do vinil, e deixar descer de novo, uma movimentação em formato de pente. São as ondas de baixa frequência emitidas pela caudal da nossa amostra que irão despoletar o ataque. Não é necessário levantar demasiado a amostra, porque em termos de posicionamento, o peixe irá estar com a sua crença toda no fundo, junto aos blocos de pedras.
Após tentar os primeiros 10 metros acima do fundo, voltar a deixar descer, de forma controlada. A descida, lenta, costuma dar alguns ataques menos visíveis, por isso a concentração deve ser máxima.
Na subida, por defeito sentimos sempre a picada. O mais importante nessa altura é ferrar bem, forte, de forma a que o peixe fique bem cravado. Os primeiros metros são decisivos, e se o pargo for de bom tamanho, há que o subir da pedra a todo o custo. Tudo aquilo que o peixe pode fazer, irá fazê-lo nos primeiros metros, digamos nos primeiros 20 metros a partir da pedra. A partir daí, em água livre, é a recuperação normal, sem ter grande história.
Vítor Ganchinho