Todos já ouvimos dizer “ não tente fazer isto em casa”….
Há tipos de pesca que, embora possamos fazer, não devemos nem tentar. A pesca do atum com linha de mão é uma delas.
Pescar albacoras, rabillos e outras espécies de atuns é algo que pessoas experientes conseguem fazer com as mão nuas, mas não é algo que se recomende.
Haverá outras formas, e nem todas passam pela utilização de canas, carretos e amostras.
Todos já vimos os resultados de pesca industrial do atum.
As imagens são aterradores, pela violência, barbárie, e falta de humanismo. Tudo isto nos deixa a nós, pescadores desportivos, a engolir em seco.
Porventura terá de ser mesmo assim, mas para um pescador de linha isto nunca será aceitável:
Imagens feitas no Mediterrânio, a pescadores italianos. |
Estamos do outro lado. Do lado em que um só destes peixes dá uma alegria imensa, uma felicidade a um pescador que não é comparável ao esboço de sorriso de quem mata centenas deles numa manhã de levantamento de redes. Fazer pesca industrial pouco ou nada tem a ver com a pesca que conhecemos, e necessariamente as premissas não são as mesmas.
Um pescador lúdico pode equacionar se traz para terra o peixe que pesca, o profissional se não o fizer morre de fome.
Haverá espaço para todos, embora a visão romântica que temos de lutar contra um peixe com cana e carreto não seja de maneira nenhuma partilhada por que está do outro lado, e apenas considera a forma mais rápida de matar o peixe. Custa-nos crer que se pode ser tão frio a “trabalhar” estes animais, mas a vida também tem disto.
Nesta semana dedicada aos peixes de grande porte, o atum ocupa um lugar muito especial, pelas suas incríveis capacidades.
Deveríamos conhecer melhor os atuns que temos na costa, porque, sem dúvida, são um peixe assombroso em termos de resistência, de determinação. Poucos imaginam que podem descer abaixo de 900 metros de profundidade, por exemplo.
Ou que consigam, mercê de um metabolismo elevado, manter a temperatura do corpo acima da temperatura da água do mar. São superpredadores dos oceanos, e desempenham um papel importante na regulação do meio ambiente.
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Pescar atuns à linha é uma tarefa árdua, e seguramente não está ao alcance de todos. Eu já tive oportunidade de falar por diversas vezes com quem o faz diariamente, e nunca deixei de ficar impressionado com o estado das mãos destas pessoas. Em países onde o dinheiro e os recursos não abundam, a utilização de luvas é algo raro.
Quando existem, são luvas baratas de trabalho, normalmente em cabedal ou em lã. A reduzida duração deste acessório faz com que, quando apertamos a mão a um destes pescadores,
tenhamos a sensação de que estamos a tocar um pedaço de madeira. Os cortes provocados pela passagem das linhas de nylon são tantos que aquilo que fica é uma superfície dura, rugosa, muito pouco parecida com uma mão, e de todo similar à de um habitual utilizador de computador. A pele áspera e destituída de sensibilidade é o resultado final de uma pesca bruta, onde a força é o único argumento que vale.
Para as pessoas senegalesas que vivem desta faina, o resultado final é a única coisa que lhes interessa. A verdade é que têm de colocar o pão na mesa, e para isso, os atuns têm mesmo de entrar no barco.
Estes peixes são vendidos por valores baixos, ou não seriam escoados. A população local aproveita tudo aquilo que pode ser uma fonte de proteína, e o atum é apenas mais uma das possibilidades.
Não esqueçam que nas aldeias mais interiores, a única forma de obter peixe é adquiri-lo sob a forma de peixe seco. As condições dessa secagem são absolutamente rudimentares, imperando o cheiro nauseabundo, as moscas, e ainda assim, esse pescado será considerado aceitável por quem não tem mais nada. Uma málaga de couscous e peixe pode ser a possível alimentação de todo um dia.
Custa-nos a crer que um pescador de atuns, que faz diariamente um ou dois peixes que seriam porventura o “peixe-da-minha-vida” de muitos dos que me leem, possa ser equiparado em termos de prestígio profissional a um servente de pedreiro. Estas pessoas, a pescar com linhas de mão, um rolo de nylon de 1,5mm, um anzol e uma sardinha, metem peixes dentro da sua piroga com centenas de quilos.
E ao fim do dia, cansados e saturados de andar milhas e milhas de um lado para o outro à procura do seu sustento, aquilo que de melhor conseguem é garantir o pão para esse dia.
Na madrugada seguinte, pegam na sua linha e voltam a sair. Sozinhos.
Conheço alguns deles e nenhum tem um prazer real em pescar. Saem de manhã por obrigação, por necessidade.
Porque quando viram costas ao mar e fixam o seu olhar nas possibilidades em terra, …não veem nada. Não há nada para eles.
Vida dura, acreditem.
Vítor Ganchinho
Boa noite Vítor,
ResponderEliminarOutras culturas, outras realidades, vidas muito duras e onde viver do mar não é desporto nenhum.
Grande abraço,
A. Duarte
Bom dia António Não acredita a dureza da vida desta gente. Eu falo com eles e fico sem palavras quando vejo as condições em que nós vamos pescar aqui, e aquilo que eles fazem por lá, ...o contraste é incrível.
EliminarImagine-se um dia inteiro no mar sem comida, sem água, sem GPS, sem sonda, sem mala de primeiros socorros, sem balsa salva-vidas, com uma ancora que tem 10 mts de cabo em profundidades de 300 mts, ...e uma linha de mão, um anzol e meia dúzia de sardinhas para iscar.
E ainda assim, com a obrigação de trazer um peixe com 150 kgs, para vender por 80 a 100 euros, ....e poder alimentar a família.
Abençoado escritório o seu.
Abraço
Vitor