TER CORAGEM DE IR PROCURAR DOURADAS... SEM LEVAR CARANGUEJO

Diria que 99% das pessoas que saem às douradas em Sines, Setúbal e Sesimbra, levam com elas um balde cheio caranguejos.
Eu sou o outro.
Pescar com caranguejo vivo impôs-se a qualquer outro tipo de isco, por uma questão de popularidade. Todos seguem quem captura douradas, por poucas que sejam. Copiam, fazem igual.
Vão pescar todos juntos, para os mesmos sítios. Todavia, há douradas fora dos locais onde habitualmente as pessoas as procuram, e podem ser pescadas com outros tipos de iscos. Inclusive artificiais.


Pescar douradas com um camarão de vinil, a saltar pelo fundo, é muito divertido. Faz-se com pequenos e quase imperceptíveis toques de ponteira, subindo e baixando o tungsténio.


Longe vão os anos em que se pescava à dourada com outras coisas que não o vulgar caranguejo. E no entanto …este peixe come muito mais que isso.
Há alguns anos, a pesca com “bombocas” ou “ameijolas”, dois tipos de bivalves de grande tamanho, bastante comuns na zona dos baixios de areia de Setúbal, recolhidos pelas ganchorras dos barcos de arrasto, compunham o balde de iscas obrigatórias. Toneladas de douradas foram capturadas com estes iscos baratos e fáceis de encontrar.
A navalha, ou lingueirão, são frequentemente utilizadas como iscos de Verão, a pescar dentro do rio, com um tandem de 3 anzóis inseridos dentro da casca, a qual é posteriormente selada com elástico de coser. A casca serve de protecção contra a “arraia miúda” que pulula dentro do rio, os estuários são maternidades para a maior parte das espécies.
Os pequenos peixes beliscam a casca mas não conseguem comer. Mas as douradas, algumas acima dos 3 kgs, têm dentes poderosos e com duas dentadas descascam as navalhas e
ficam presas nos anzóis. O sistema funciona.


Gustavo Garcia com uma dourada pescada fora das zonas “tradicionais”.


A utilização de artificiais já implica algo mais. Há que acreditar que é possível. Esse é o primeiro passo para alguém poder ir pescar douradas sem levar consigo isca orgânica.
Quando não se acredita, caso o primeiro peixe não morda nos primeiros 10 segundos, o pescador põe de lado o sistema e vai a correr cortar patinhas de caranguejo.
Curiosamente são as mesmas pessoas que admitem passar 10 horas numa paciente espera, olhando hipnotizados a ponteira de uma cana fixa como uma estátua. Se aquilo que está em baixo é uma caranguejo, a convicção de que estão a fazer tudo bem faz com que a espera seja suportável. Mas se ao primeiro lançamento de um qualquer artificial não acontece nada, então é o método que não funciona e há que mudar muito depressa.


Dourada capturada com uma lula de vinil.


Confesso a minha relutância em fundear o meu barco no meio de uma multidão de pescadores que lança à dourada e espera que algo de sobrenatural aconteça. Não gosto de pescar cercado de barcos. Perco o controlo sobre aquilo que se está a passar em baixo. Há muitos ruídos parasitas que não fazem falta nenhuma e condicionam o resultado da pesca. Depender da capacidade de discrição de outros, ou sequer de entenderem o que estão a fazer ali, o porquê e o quando e como, é algo que não me agrada sobremaneira.
O primeiro milagre é mesmo o de entender o que fazem ali todos aqueles barcos juntos. Diria que 95% apenas se juntaram ao grupo de embarcações ancoradas por não terem ideia nenhuma do local onde podem conseguir alguns peixes. Vão para onde veem os outros, numa demonstração clara de que somos um animal de grupo, societário, que receia a solidão e o isolamento.
O segundo milagre é pretender que um cardume de peixes ignore a algazarra de motores, correntes, ancoras, e faça de contas que está tudo bem, e que a ordem é para comer caranguejos desenfreadamente e mais nada.
Acreditamos piamente que estamos a enganar as douradas, que elas não sabem que estamos ali, pese embora tenham de fazer uma “gincana” por entre correntes e âncoras que baixam e sobem ao ritmo de um carrossel.
O terceiro e último milagre é querer que ao fim do dia todas as caixas apareçam cheias de peixes. Isso não acontece nunca. Como de costume, uma percentagem ínfima de pescadores irá calhar em cima das frestas de pedras onde algumas douradas arriscam uma dentada na isca, e todos os outros irão novamente para casa sem um único peixe capturado. Pior que isso: sem um único toque.


Dourada de 4kgs, um exemplar cada vez mais raro.


Neste momento, e libertas que estão do ónus de procriar, as douradas repousam de meses duros, de correrias, de um tremendo esforço fisiológico de reprodução. Estão magras, debilitadas, e muito sujeitas a ataques de parasitas. Definitivamente não é o momento de as procurar. Os cardumes densos de Novembro e Dezembro estão desfeitos, e aquilo que se encontra agora são grupos de 6/ 8 bichos, muitos deles com pulgas do mar na zona superior da cabeça.
As fendas de rocha onde os sargos se encontram de momento a desovar, dão-lhes também abrigo, e frequentemente estão misturados. É comum encontrar uma dourada grande no meio de umas dezenas de sargos atarefados com questões de perpetuação da espécie.
Há que dar-lhes mais uns dois meses, para então sim, voltarmos a elas, tentar as maiores que ficaram em zonas acessíveis, em pesqueiros entre os 15 e os 40 metros. Zonas com pedra partida, rasgos na rocha onde podem encontrar protecção, com fundos de areia nas imediações. A dourada está agora a procurar repor as reservas energéticas, recuperar as gorduras que lhe irão fazer falta nos próximos meses de águas mais frias. Podemos pescá-las com alguma facilidade, desde que consigamos ser discretos. Sem ruídos, com alguma paciência, e elas entram.
É um tipo de pesca que nada tem a ver com os engarrafamentos de barcos da Vereda, com as centenas de pescadores que vão para as douradas como que vai ao futebol, com instinto tribal e …pouca discrição.
Pescamo-las se soubermos ser eficazes, inteligentes. Com artificiais, porque não?


Uma dourada feita com um jig de 5 gr, sobre um fundo de 18 metros.



Vítor Ganchinho



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