COMPORTAMENTOS ESTRANHOS DOS PEIXES

Continuamos a não ter demasiadas explicações para os dias em que o peixe está bem marcado na nossa sonda, está debaixo do barco, mas quando lançamos, …nada acontece.
Abstraímo-nos de uma sempre lógica, simples e inaceitável explicação de “não comem porque não têm fome”. Isso não nos é vantajoso e por isso não é por nós aceite. Era o que faltava não quererem engolir os nossos iscos, os nossos jigs, os nossos anzóis!
Era o que faltava não quererem pular para dentro da nossa caixa de peixe.
Quantas vezes damos por nós a tentar adivinhar aquilo que se passa, sem encontrar um motivo aparente.
Já aqui vos falei da actividade cíclica do peixe relativamente à alimentação. Falei-vos das suas necessidades de coordenar os seus movimentos em função da corrente, da maré, do período lunar, e de tudo aquilo que lhes possa trazer vantagens.
O que não é razoável é pensar que um peixe estará disponível e receptivo a engolir um anzol 24 sobre 24 horas, ...só porque sim, porque isso nos é conveniente.
A luta diária pela sobrevivência obriga-os a ser agressivos a espaços, quando necessário, e cautelosos …sempre. Aqueles que o não são, sobem pendurados de uma linha e deixam de ter necessidade de ser cautelosos. Para sempre.




Seria interessante pararmos para pensar. Costumo, nos meus cursos de pesca, solicitar a quem está comigo no barco que tente entender as reacções dos peixes à luz daquilo que é uma actividade residual, uma actividade crescente, um pico de actividade, e o retorno a uma actividade pontual, esporádica.
Seria mesmo muito interessante que soubéssemos analisar ao longo do dia de pesca aquilo que muda a cada hora. E obviamente tentar fazer corresponder a cada um desses picos de frenesim alimentar um determinado dado.
Quando fazemos esta análise várias vezes, em dias diferentes, começamos a encontrar um padrão. E invariavelmente chegamos a uma conclusão.
Não sou pessoa de dar tudo, de explicar até ao fim, até ao último detalhe, porque isso é cortar a possibilidade de levar a pessoa a pensar, a entender o porquê. Muito mais importante que dar o peixe, é mesmo ensinar a pessoa a pescar. O peixe é consumido e acaba. A sabedoria de fazer, o conhecimento do como fazer, permitem que a pessoa que está à nossa frente possa pescar milhares de peixes. Porque entendeu o porquê, o como, o quando.
Por isso não vou directamente ao fim da questão, antes coloco questões que induzem à pista certa. E faço experimentar as diferenças entre uma e outra opção.
O resultado final é francamente bom. Vejo resultados palpáveis ao fim de pouco tempo de mar. Fazer acontecer a descoberta destes segredos é muito motivador para mim.
Os dados aparecem aos alunos por camadas, como cascas de cebola, e eles retiram uma a uma até serem capazes de pescar sem qualquer apoio.

O que me parece importante é que as pessoas tentem entender os porquês. Que mantenham um constante espírito de interrogação, de dúvida e que tentem encontrar respostas que façam sentido.
Porque acontece que um peixe fique encostado a uma pedra, sem qualquer actividade, quando a sua espécie é conhecida exactamente pelo oposto? Aquilo que estamos a ver é um peixe pertencente a uma espécie que é habitualmente pouco confiante, pouco tolerante à presença humana? Ou pelo contrário, são peixes naturalmente fáceis?




O que pode levar um peixe normalmente “cooperante” a adoptar uma atitude de repulsa pelos nossos iscos, as nossas amostras? Os pampos têm dias em que são francamente difíceis, encostam a boca à isca, lentamente, provam, cospem, dão mais uma volta, e repetem. E noutros dias, podemos encostar-lhes a isca com a certeza de que irão engolir de imediato. O que muda? A actividade humana é essencialmente extrativa, vamos ao mar para “trazer”, e isso influência a atitude dos peixes, sobretudo em zonas muito massacradas por pescadores. Lúdicos ou profissionais.
Também a nível de estratégia comportamentais, podem acontecer situações bizarras.
Durante os meus mergulhos, vejo muitas vezes peixes que assumem comportamentos que não estão de acordo com aquilo que eu espero deles. São esses os casos que mais me intrigam e levam a prescindir de ir pelos outros. Recordo-me de ter descoberto uma fresta cheia de sargos de bom tamanho, umas centenas de peixes a rondar 1 kg de peso médio. Seguramente havia umas dezenas de sargos bem acima de 1,5 kgs, vestidos com as cores que mais me agradam, as riscas bem definidas, marcadas a negro. Entravam e saiam da fenda escura, competindo por uma nesga de espaço livre, que quase não havia. E fixei a minha atenção num peixe que assistia a tudo aquilo, procurando tirar partido da agitação. Concretamente tratava-se de um salmonete com cerca de 0.5 kg que, pacientemente, esperava que a areia levantada pelos peixes inquietos pudesse descobrir alguma minhoca, algum verme para a sua refeição.
O peixe bordejava o espaço ocupado pelos outros, e fixava a sua atenção sobretudo nos momentos em que havia levantamento de areias. Eu era o elemento estranho, aquele que induzia o comportamento nervoso dos sargos.
E o salmonete tentava a todo o custo tirar proveito dessa agitação. Não se incomodou por eu estar pousado na areia a pouco mais de 2 metros dele.
Lembro-me de ter feito três mergulhos. De tão entusiasmado com a ideia de ver resultar a estratégia de caça do salmonete, estiquei a apneia até ao limite, até ter mesmo de subir e renovar o ar dentro dos pulmões.
À quarta descida já lá não estava, porventura por ter achado que não valia a pena insistir. Subi e fui em busca de outras coisas, deixando em paz uma fresta carregada de sargos. Há momentos em que o biólogo se sobrepõe ao pescador.




Penso que caminhamos no sentido de vir a entender estranhas reacções de peixes, cada vez há mais pessoas a reparar na postura dos peixes, e a analisarem com propriedade aquilo que estão a ver.
Nem sempre temos a noção do quanto uma mudança brusca na temperatura da água, uma entrada de água doce, ausência regular de alimento, stress provocado por redes e comportamentos predatórios humanos, elementos exteriores como tempestades, alterações do PH da água, pouca oxigenação, passagem de peixes bentónicos por zonas sem abrigo, ambientes hostis, etc, podem afectar as atitudes normais dos nossos queridos peixes. Como fica um carapau quando é pescado e por qualquer motivo se consegue libertar? Encontra o mesmo cardume? Procura outro?
É expectável que até ter a sua situação “resolvida”, tenha um comportamento estranho, irregular.
Também um outro factor, as doenças, podem levar a que existam atitudes estranhas. Um nado irregular, de lado, ou até mesmo de cabeça para baixo, pode ser resultado de uma doença bacteriana.
Ataques de outros peixes podem provocar feridas. Natação irregular, a espasmos, pode indicar uma infecção que atingiu o sistema nervoso do peixe.
Parasitas nas guelras podem limitar bastante o peixe. A respiração fica alterada, ofegante, como que sofrendo de stress. O parasita acaba por levar à morte, ou por debilitar bastante o hospedeiro, o que significa o mesmo.
Dificilmente estes peixes têm possibilidades de recuperar, de resto vocês imaginam o que acontecerá a um peixe que não está na posse de todas as suas faculdades, num meio agressivo.

Este é um mundo difícil para os fracos...



Vítor Ganchinho



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