DIFERENÇAS ENTRE UMA SARDA E UMA CAVALA

São parecidas, …mas não são iguais.

A maior parte das pessoas que pescam continua a fazer uma grande confusão entre as cavalas, Scomber colias, e as sardas, Scomber scombrus.
Provavelmente nunca iremos conseguir acabar de vez com possíveis erros de identificação, mas podemos pelo menos tentar reduzir as suas possibilidades.
Há algumas pistas que podemos seguir no sentido de não errar demasiadas vezes.


Trata-se de um peixe muito mais importante que aquilo que pensamos. A cavala faz mover o mundo…desde logo por ser uma reprodutora muito prolífera: anualmente 100.000 a 400.000 óvulos são desovados por cada exemplar.


A SARDA

A questão da cor: A sarda é um peixe que vive essencialmente em águas azuis, limpas. Não espanta pois que a sua “vestimenta” seja concebida para passar despercebida no azul.

É com essa tonalidade azul metalizado que a pescamos com mais frequência. Mas se houver uma entrada repentina de águas mais turvas, as sardas não morrem por isso. Nem conseguem afastar-se com a rapidez necessária, seguir as apreciadas águas lusas, pelo que terão de conviver com a contingência de estarem a nadar em águas verdes. E aí, fazem o mesmo que todos os peixes que têm a possibilidade de optar por diferentes tonalidades: adaptam-se. E passam ao seu “traje” verde. Não deixam de ser sardas por isso.


A cor natural é a que podem ver acima. Reparem no ventre, liso e de côr metalizada. Em 95% dos casos, os peixes que pescamos apresentam-se desta forma. As riscas verticais estão sempre presentes, mas não é apenas isso que nos permite a sua identificação. Nem sequer o seu tamanho, pois na nossa costa passam em Setembro/ Novembro cavalas com pesos a rondar os 2 kgs. 


A questão da cor com que nos aparecem é sempre uma consequência do ambiente em que estão nesse momento. Sabemos que os sargos ficam prateados, sem riscas visíveis, aquando de temporais que deixam as águas muito turvas. Mudam para cores negras quando passam algum tempo dentro de buracos escuros, e sabemos que com águas bem limpas, de dia, procuram exibir as suas riscas miméticas, que lhes interrompem a silhueta.
No fundo, que os “misturam” com outros peixes do mesmo cardume. Ao perderem os contornos do seu corpo, fazem com que seja mais difícil a um predador ajustar o seu alvo.
Os pequenos peixes apostam no mesmo sistema, firmam cardumes compactos, jogando com a incapacidade do predador conseguir ajustar o seu ataque a um só indivíduo.
As sardas têm muitos inimigos naturais, e por isso não espanta que dediquem a este aspecto alguma atenção.
Trata-se de uma espécie capturada pela frota artesanal, tem venda em mercado, e a sua carne tem qualidade. Nesta altura do ano, temos nuvens de peixes destes junto à costa, com pesos a rondar 1 kg, a profundidades relativamente baixas, pois encontram-se a desovar. A sua agressividade e tamanho de boca fazem o resto: caem facilmente nos nossos anzóis, quer estejamos a pescar vertical, quer a técnica seja o jigging.
Porque têm actividade essencialmente diurna, os seus momentos de alimentação, de actividade, acabam por coincidir com frequência com as alturas em que estamos a pescar. Espécies nocturnas estarão mais a salvo dos nossos ensaios de pesca, mas as sardas aparecem com frequência por baixo dos barcos, a engolir tudo o que lhes lançamos. E não são selectivas de todo, um filete de cavala, um troço de sardinha, lingueirão, tudo lhes serve. Na sua vida extra-pesca lúdica, alimentam-se sobretudo de pequenos peixes, carapaus, sardinha, pequenas cavalas. É um peixe voraz, que tem vindo mais e mais a aparecer na nossa costa. Em pesqueiros com alguma profundidade, sobretudo de Inverno, quando temos as águas mais frias, e muito mais alta quando as águas aquecem. Os seus óvulos e as suas larvas são pelágicas, flutuam nas correntes ao sabor das ondas (têm uma pequena bolsa de gordura/ óleo que as mantém na primeira capa de água) e com isso dispersam-se bastante, evitando dessa forma os predadores.
Quando vemos cardumes a “babujar” a superfície, não estão a fazer mais que a ingerir ovos de outras posturas. São transparentes, invisíveis para nós, mas estão lá e são proteína de boa qualidade.
O aquecimento global tem vindo a mudar as suas rotas e os mapas de dispersão. À medida que as águas aquecem, a sua propagação atlântica para territórios mais a norte é uma evidência.
Não as deitem fora, porque, para além de serem ricas em Ómega 3, bom para o colesterol e para o nosso coração, são um peixe de carne branca, o que é estranho para um tunídeo.


A sarda apresenta riscas verticais no seu lombo, muito bem definidas. O padrão não é necessariamente o mesmo de peixe para peixe. Vejam acima duas fotos de peixes diferentes, em que isso é perceptível.


A sarda é um predador muito activo, perseguindo pequenos peixes até à exaustão. Dotadas de uma velocidade de natação respeitável, conseguem capturar uma infinidade de alevins e isso dá-lhes um crescimento muito rápido.
Para que tenham uma ideia do que um destes peixes pode engolir de enfiada, passo-vos uma foto que fiz do conteúdo estomacal de uma sarda:


Aqui podem ver uma dezena de carapaus com cerca de 12 cm de comprimento. Os pequenos peixes estavam já num estado de assimilação digestiva muito avançado, mas as suas espinhas e caudas são ainda perfeitamente perceptíveis.


A CAVALA

Podemos considerá-la o “arroz” do mar. Todos os predadores a comem.
A cavala tem um corpo alongado, bastante liso, com escamas finas quase imperceptíveis. Como a maior parte dos peixes, divide o seu corpo em dois hemisférios: o inferior, com uma cor ventral prateada, quase metalizada.
Em cima, o seu dorso é azul esverdeado, apresentando riscas paralelas que nos podem ajudar a identificar o peixe. E tem algo que a sarda não tem: pintas escuras nos flancos.
Diz-se que a sarda é “mentirosa” porque na verdade não tem sardas. Mas a cavala tem e não são poucas:




Podemos encontrá-la no Atlântico Nordeste e no Mediterrâneo, em quantidades tais que, na época de arribadas de peixes acabados de chegar das suas migrações, podem ser de milhões de indivíduos.
Embora existam cavalas nas nossas águas durante todo o ano (aquecimento global isso permite...), aquilo que noto é que nos meses de Abril e Maio chegam à costa muitas toneladas destes peixes.
Estas migrações sazonais são um pouco contra natura já que são feitas poucos meses antes de a nossa água começar a aquecer.
Se o objectivo é o de seguirem as águas mais frias, mais ricas em nutrientes e oxigénio, pois fazem-no no limite do tempo. Mas a verdade é que no fim da Primavera elas aparecem, em cardumes imensos, com centenas de metros de extensão.
Atrás deles, aparecem sempre os grandes colossos: atuns, espadartes, tintureiras, baleias.
Se na nossa costa podemos observar cavalas a poucos metros de profundidade, 5 a 10 metros, também não é raro que se capturem à linha a mais de 100 metros de fundo. Na Madeira chega mesmo a raiar os 350 metros de fundo durante o dia.
Os seus olhos pretos de grande diâmetro não enganam: tem actividade nocturna. Efectivamente sobe durante a noite para a costa, migra verticalmente, frequentando os primeiros níveis de água, à procura de pequenos peixes, moluscos e pequenos crustáceos.
É muito pouco comum que existam exemplares de tamanhos diferentes no mesmo cardume, podendo viver até aos 25 anos no mar.


Alguns detalhes da pele de uma cavala. Reparem nas “sardas”, as manchas escuras que a sarda efectivamente não tem.


Este escombrídeo, que temos na costa em largas quantidades, aparece-nos com um corpo arredondado, fusiforme, preparado em termos morfológicos para a velocidade. Dificilmente poderíamos desenhar algo mais apetitoso para um atum.
A própria forma como se deslocam, em longos “tubos” horizontais que sobem e baixam em função da localização daquilo que pretendem comer, atrai os peixes de bico, os tunídeos, os tubarões, as aves marinhas.
E também os homens. É pescada com artes de cerco, arrasto e cai também nas redes de emalhar. Não há falta de cavalas. Durante os seus expectáveis 12 a 13 anos de vida, fica descendência suficiente para que os predadores possam tomar a sua parte.
Mas os humanos estão a fazer mais que isso. Não a estamos a pescar para comer, antes para fazer rações para animais, para alimentar atuns em piscifactorias, etc.
Pesquei cavalas no Japão, com jigs, e pese embora ligeiras diferenças, (falamos de Scomber japonicus, sem manchas pintalgadas no ventre), o comportamento da cavala do Pacífico é exactamente o mesmo.
A nível mundial, estima-se que a quantidade de cavala capturada seja de 3.000.000 toneladas. É obra!

Espero que tenham gostado. E que consigam da próxima vez distinguir uma sarda de uma cavala.



Vítor Ganchinho



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