O tempo dos chocos está aí, e como de costume, …em força. Há muita gente a esfregar as mãos de impaciência, a aguardar que algo pesado se fixe nas agulhas do seu palhacinho.
Desde tenras horas do dia é ver as aiolas setubalenses na água, a pescar com toneiras. Quantas vezes com o seu tripulante a correr perigos desnecessários, pois vão para o rio ainda de noite, sem qualquer meio de sinalização luminosa, arriscando a pele deles... e dos outros...
Este tipo de pesca, de execução técnica muito fácil, tornou-se um passatempo que interessa a centenas de pescadores lúdicos da zona de Setúbal. Há mesmo gente especializada, pessoas que pescam este cefalópode durante todo o ano, em exclusivo! Haja paciência...
Os locais são os mesmos de sempre. Fazem-se “romarias” Sado dentro, e em algumas zonas na foz, a sul do estuário, em frente ao empreendimento de Soltróia, na caída abrupta de areias de aluvião do rio, nas areias em frente a Sesimbra, em suma onde a água do Sado ainda faz sentir os seus efeitos.
Mas não são só os habitantes locais quem pesca, há pessoas que vêm mesmo de muito longe para conseguir meia dúzia de “choquinhos” setubalenses.
Porque é algo que está no ponto, a iniciar-se agora nestes meses frios de Inverno/ inicio de Primavera, pareceu-me por bem escrever algumas linhas sobre o tema.
Pegar no assunto pelo lado dos baldes cheios de chocos, dos barcos cheios de tinta preta, isso não. Não é para mim. Há muita gente que o faz, e seguramente sempre muito melhor que eu. Para essa feira de vaidades não contam comigo, não me seduz a ideia de mostrar baldes cheios seja do que for.
É ver as fotos publicadas no Facebook, com dezenas de infelizes mártires dentro, numa mistura de choco e tinta que se agarra a tudo o que pode ficar sujo.
Como de costume, procurarei uma abordagem algo diferente do habitual. Aquilo que vão ler no blog desta vez é uma perspectiva da pesca do choco sob a óptica do fabricante das amostras, das estratégias comerciais de diferenciação de produtos, e algo sobre a fisiologia do choco.
Que motivação tem alguém para produzir productos diferentes, de qualidade acrescida? Que procura o mercado? Que pode ser inovado num mercado absolutamente gasto, saturado, onde ainda assim é preciso ir sempre mais longe?
É isso que vamos ver aqui no blog, em vários capítulos diferentes, pois como habitualmente o compromisso são cinco minutos de leitura diária. Um artigo demasiado extenso torna-se penoso de ler. E de escrever…
Primeiro que tudo, vamos definir o nosso “atleta choco”, Sepia officinalis de seu nome, para que o possamos entender. E a seguir, com base nesses conhecimentos, pescar.
Trata-se de um cefalópode, ou seja algo que tem pernas a sair da própria cabeça. É um molusco, parente próximo das lulas e dos polvos.
Se não houvesse interferência por parte dos humanos, acredito que continuaria a haver chocos por muitos e bons anos. Afinal de contas, já existem chocos/ cefalópodes há cerca de 550 milhões de anos.
Nessa altura seriam um pouco diferentes daqueles que pescamos hoje, com a sua concha exterior a cobrir o corpo, conforme os mexilhões, as ameijoas, os caracóis “burriés”, etc. É estranho que chamemos molusco a um choco, e também a um mexilhão, mas é assim que são considerados pela ciência.
A sua concha interior, leve, com muitas bolhas de gás internas, e responsável pela sua flutuabilidade, remete-nos para um ser que sofreu uma evolução lenta, progressiva, e que chegou aos nossos dias na forma que conhecemos hoje. Estes processos decorrem ao longo de tanto tempo que os custa perceber à luz da nossa efémera presença neste planeta. Somos demasiado imediatistas enquanto humanos para entendermos a evolução das espécies... e o tempo que isso leva a acontecer.
O polvo veio mesmo a perder a sua concha por completo, por lhe ser inútil. Seria mais um empecilho limitativo, quando se trata de passar por uma fenda estreita para salvar a pele. Cada um destes cefalópodes veio a evoluir no sentido de explorar um habitat diferente, ainda que pontualmente se sobreponha nalgumas circunstâncias. Podemos pescar chocos e polvos no mesmo sítio, dentro do rio, por exemplo, embora as estratégias de caça sejam necessariamente diferentes. Não é incomum um choco subir alguns metros para dar caça a um peixe, enquanto que o polvo joga quase sempre “junto à relva”, sempre em contacto com o solo. Ambos caçam de emboscada, mas no caso do choco, a rapidez de reflexos é o argumento mais significativo. O choco dispara dois braços longos, providos de ventosas fortes, e com eles procura sujeitar e recolher a presa / toneira para aplicar a sua mordida decisiva.
Se o normal é que se encontre encostado a um qualquer obstáculo, ou mesmo parcialmente enterrado na areia, ainda assim consegue uma deslocação bastante rápida na direcção da sua presa. A rapidez de locomoção chega-lhe por uma contração do manto, expelindo violentamente água por um sifão circular.
O sistema nervoso e os órgãos dos sentidos são muito desenvolvidos nos cefalópodes. O cérebro é o maior de todos os invertebrados, e ele utiliza-o em proveito próprio. Estamos na presença de um animal extremamente inteligente, muito mais que aquilo que supomos.
E chegamos a um ponto que é importantíssimo no que diz respeito à escolha das amostras/ toneiras: como é a visão dos chocos?
Os olhos são bastante grandes, podem ver bem na obscuridade e são capazes de formar uma imagem definida dos objectos que têm à sua frente. Veem melhor que nós! A sua acuidade visual dentro de água suplanta largamente a do olho humano.
Quem já os viu debaixo de água sabe do que falo: eles comunicam entre si através de mudanças de cor, padrão de riscas, e figuras feitas com os tentáculos. No fundo, utilizam sinais visuais para se entenderem, e com tanta perfeição quanto uma garota loira de 28 anos consegue fazer ao sorrir e piscar o olho a um rapaz que lhe interessa. Podem mesmo transmitir diversas mensagens, simultaneamente, a indivíduos diferentes. E alterá-las também simultânea ou separadamente, a cada um dos possíveis interlocutores.
Tenho visto os chocos exibirem padrões incríveis, desde o quase branco, quando estão pousados em areias claras, e o castanho escuro, quando se encontram sobre rochas, ou a caçar nas algas.
Lisos e com riscas, de pele eriçada e sem riscas, há para todos os gostos. Cada uma destes comportamentos ou posturas significa algo, e é captado por todos os outros chocos nas redondezas.
Amanhã vamos ver as toneiras e alguns dados interessantes sobre elas.
Vítor Ganchinho
Excelente tópico! Aguardo o resto do post.
ResponderEliminarBom dia! Vamos ter mais dois dias de informação sobre chocos, sendo que hoje já vamos entrar nos equipamentos.
EliminarHá curiosidades muito interessantes, a forma como os chocos veem as toneiras...etc.
Obrigado pelo seu comentário.
Vitor
Exato Vitor. Estou a gostar e vou acompanhar certamente o desenrolar deste tópico.
ResponderEliminarGostaria de ver ou tabela com a papinha toda feita, um diagrama com cores a usar para determinadas situações. Sei que é sempre vago e só no local se consegue tirar certezas, mas certamente ia ajudar bastante.
Mais uma vez obrigado.
Bom dia Vai ter 4 artigos sobre o tema. Quando chegar ao fim vai ver que é muito mais simples do que lhe parece. Falamos de bichinhos que são bem mais simples que nós....
EliminarLeia o resto.
Abraço
Vitor