Os fabricantes japoneses de equipamentos de pesca sabem muito bem aquilo que estão a fazer.
Se por vezes nos parece que a gama de cores de uma determinada linha de jigs, ou amostras de superfície, nos parece menos feliz nesta ou naquela cor, digamos menos enquadrada naquilo que é a nossa percepção de cor ideal, isso tem a ver com um facto que nós europeus nunca levamos em conta: a universalidade das vendas de uma Shimano ou Daiwa, por exemplo.
São marcas de grande dimensão, e cresceram sustentadas na sua tremenda qualidade. É difícil que lhes possamos imputar um erro. Têm, como todas as marcas, uma necessidade comercial de chegar a um mercado imenso, de uma heterogeneidade incrível, com pessoas que querem gastar muito pouco, quase nada, e pessoas que não se importam de gastar muito. Os objectivos de pesca de cada um de nós são tão diversos que só ter a veleidade de agradar a todos já é uma missão quase impossível.
Produzir o mais barato possível, ou produzir o melhor possível. Preço ou qualidade? A categoria de uma marca não se mede por aquilo que de mais barato consegue fazer, certamente.
O mercado exige de quem trabalha numa fábrica a tomada de decisões verdadeiramente complexas, algo que podemos descrever como agradar a gregos e a troianos.
Mas não terminam por aqui as agruras de um fabricante conceituado. Também é necessário atender a que nós estamos em Portugal, mas há quem pesque na África do Sul. Ou na Noruega, ou na Malásia, ou nos Estados Unidos, ou...
E quando alguém desenvolve uma gama de productos, está a fazê-lo no sentido de providenciar a todas estas pessoas um equipamento que lhe seja útil, que lhe sirva para o desempenho da sua ocupação favorita: a pesca.
O problema é que as espécies de peixe forragem, ou comedia, não são as mesmas em todos os oceanos. E se de um lado temos uma sardinha, com as nossas cores cinza azulado, do outro temos um arenque cinza branco, ou qualquer outra coisa.
A verdade universal é esta: peixe grande come peixe pequeno.
A questão é que esse peixe miúdo não é o mesmo, logo, a única forma de conseguir chegar a todos os locais com um mínimo de probabilidades de êxito é produzir o mais possível de acordo com toda a informação que chega ao departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da marca.
Porque há soluções que a natureza adoptou como boas para a maior parte dos peixes, sabem à partida que o dorso dos peixes é mais escuro que o ventre. Já aqui explicámos isso no blog, pelo que não vamos voltar ao tema, mas en-passant digo-vos que um peixe visto de cima tem vantagens em ser escuro, pois as suas costas confundem-se com o fundo. E o oposto também é verdade, a barriga branca passa melhor quando o predador está por baixo e confunde esta cor clara com a entrada de luz da superfície. Nada é por acaso, e se por causas de evolução das espécies chegámos a este nível de solução, (Charles Darwin explicou-o perfeitamente no seu livro A Origem das Espécies, em 1859) , é porque essas são as melhores características a garantir por quem vive no mar. Se é verdade que os ramos evolutivos são o resultado de uma selecção natural, e sexual, então devemos entender que os mais aptos, leia-se relativamente aos pequenos peixes ...os mais discretos, mais capazes de passar despercebidos aos omnipresentes predadores, são aqueles que prolongaram a sua existência até aos dias de hoje.
Por outras palavras, não ser branco num mundo que garante mais sucesso aos castanhos e azuis.
Devemos ter em consideração estes princípios quando escolhermos a cor dos nossos jigs.
Nós pescamos e não tem qualquer interesse para nós que o nosso jig seja algo que passa incógnito, despercebido.
Se queremos que a selecção natural funcione, se queremos estimular a predação por parte daqueles que têm como função natural fazer o desbaste dos incautos alevins, então teremos forçosamente de dar aos nossos jigs um toque de “menor discrição”, algo que torne a nossa amostra notada num mundo em que todos procuram não ser notados. Se ambicionamos que os robalos venham a morder os nossos anzóis, não adianta esconder a nossa amostra. Não queremos que não a vejam.
Por outro lado, teremos de ter em consideração que os predadores estão lá todos os dias, não aparecem apenas no dia em que saímos a pescar. E todos os dias comem, e sabem muito bem onde procurar e o que comer. Sabem o que é um peixe vivo, e que cores apresenta.
Assim, para termos sucesso nas nossas pescarias teremos de considerar vários parâmetros:
- A técnica de animação do jig queremo-la o mais próximo possível de um peixinho debilitado, fraco e indefeso. É isto que irá dar o sinal ao predador, o clique, o sinal de que existe uma presa disponível e fácil de capturar.
- Dar esticões violentos e rápidos promove o desinteresse do caçador, pela impossibilidade de conseguir rentabilizar a energia captada pelo consumo da presa, versus o dispêndio de energia necessário para a sua captura.
- Também teremos de conseguir fazer interessar o predador no nosso jig, em detrimento de outras presas que eventualmente passem no local ao mesmo tempo. Isso conseguimos produzindo algo que chame a atenção do peixe: uma vibração, ou ruído mínimo, num mundo de silêncio, onde os mais discretos vivem mais um dia. Por acaso já pensaram no efeito sonoro que produzem os anzóis dos nossos assistes? Se deixamos cair o jig para o fundo, por uma questão de massa crítica, o corpo do jig, mais pesado, precede sempre os anzóis, mais ligeiros.
O atrito da água faz isso, sempre. Repito: quando o jig cai, as linhas dos assistes apontam para cima, os anzóis ficam num plano superior ao corpo do jig. Quando a peça cai no fundo, é tempo de inverter a posição. Sabemos que bateu no fundo porque o nosso carreto deixa de largar a linha multifilamento. Bloqueamos o carreto e a seguir damos um impulso vertical. Nessa altura, a “cabeça” do nosso jig, se quiserem leiam “o lado a que está ligado o nosso leader”, à baixada, sobe, fica vertical, e os anzóis sofrem o atrito da água e colam ao jig. Nesse momento, …temos dois metais a tocarem-se, bruscamente.
Acham que num mundo de silêncio isso é feito sem ser notado …?
A seguir, nós deixamos baixar um pouco o jig, voltamos a dar um impulso, e o processo repete-se. Os solavancos que a nossa cana imprime ao jig são o suficiente para que ele seja detectado. Já temos o nosso factor de notoriedade. Este “peixe” chama a atenção por ser ruidoso demais, quando todos os outros o não são. Juntem a isto a enorme capacidade de os peixes predadores conseguirem na perfeição detectar vibrações na água. Os nossos jigs são uma banda de música em termos de sinalização, mesmo à noite é possível que possam ser detectados. Não é pois por falta de diferenciação que os predadores não vão notar que o nosso jig anda por ali.
- Mas se estivermos a pescar com um jig demasiado diferente daquilo que é entendido pelo caçador como sendo uma presa habitual, também podemos estar a passar ao lado da hipótese de o fazer interessar pela nossa amostra.
Os nossos homens do mar têm um ditado que encerra em si uma grande verdade: “nem muito ao mar nem muito à terra”...
Estamos a aproximar-nos da definição do nosso jig ideal: algo que seja parecido em termos de comportamento com uma presa natural, que seja diferente em termos de discrição, que tenha uma atitude de fraqueza e debilidade que estimule a captura, que não seja tão diferente em termos de cores de uma presa natural, ….já estamos capazes de começar a desenhar a peça com que queremos pescar, certo?
Muitos destes elementos são executados por nós, com a nossa acção de cana e pulso. Mas ainda falta algo.
Quando temos uma arribada de caranguejo pilado, é isso que os nossos robalos comem. Os pilados são pelágicos, vivem na coluna de água e são muito apreciados por serem “tenros”, algo frágeis, e uma boa fonte de proteína.
São fáceis de caçar e têm uma cor acastanhada, escura. Vamos pescar com cores amarelas, ou brancas?
Mas se temos a entrada massiva de um contingente de pequenas lulas, o peixe concentra nesta espécie as suas atenções.
E já temos aqui diferença de cores. A nossa sonda marca um cardume de pequenos peixes, uma bola a meia água, ou até mais próximo do fundo? Então temos um cardume de comedia, eventualmente sardinha, ou carapau miúdo, ou cavalinhas, ou biqueirão, ou galeotas, a passar sobre a pedra.
Acham que um cardume de carapauzinhos de 10 cm pode passar numa extensão de pedra carregada de pargos sem sofrer o inevitável desbaste?!
Se temos peixe miúdo por baixo, se por sorte até conseguimos capturar um pequeno carapau, será de bom tom tentar fazer com que os robalos que procuramos ataquem um dos nossos jigs na cor mais próxima de um carapau.
Algo como isto:
Este modelo da Zeake é mortífero quando as águas estão limpas, porque imita na perfeição uma presa natural. À venda na GO Fishing Portugal. |
A seguir ainda temos de nos preocupar em saber algo mais. Choveu ou não? Estamos a pescar na vazante ou na enchente? Estamos em mar aberto ou dentro/ próximo de um rio?
Qual a percentagem de sedimentos que a água onde pescamos pode ter diluídos? Porque a visibilidade é importante para o predador, no sentido de conseguir caçar à vista.
Se não vê, perde metros de reacção, pois passa a guiar-se pelos sensores da sua linha lateral. Sendo muito afinados e sensíveis, não detectam cores, logo não resulta aproximar o nosso jig das cores naturais das presas, mas sim dar-lhe cores mais flash, mais garridas, que garantam que, para além das vibrações, estamos ainda a dar ao peixe a possibilidade de visibilidade máxima, em condições de visibilidade mínimas.
Isso ajuda-o a definir o nosso jig como alvo. Dá-lhe mais alguns centímetros, ou até mais um metro para que perceba que há ali algo que pode valer a pena morder. E isso pode ser a diferença entre ter a percepção de algo passou, mas que infelizmente já não está visível, ou ser capaz de seguir com os olhos durante uma fracção de segundos mais, e ainda dar tempo para que seja possível tentar correr atrás.
Percebem a lógica?
Vítor Ganchinho