Para quem pesca bogas e choupas, uma cadeira de combate faz tanta falta quanto um cancro da laringe.
Mas para quem pesca peixes a sério, este acessório pode ser decisivo entre conseguir uma captura de vulto, ou levar uma “sova” de ficar com as costas e os braços todos negros.
Quase todos aqueles que me lêem já pescaram sardas, cavalas, sarrajões, bichinhos que são parecidos com os atuns, em termos de formato. Chamemos-lhes “tunídeos” a todos, haja alegria, e vamos pensar que terão sensivelmente a mesma força por quilo de peso. Na verdade não é assim, um sarrajão de 1 kg faz mais força que uma cavala de 1 kg. Há espécies mais lutadoras, mais aguerridas, e isso terá a ver com os ambientes adversos que frequentam. Grosso modo, um peixe que vive por norma em zonas de correntes rápidas, é naturalmente mais forte que um peixe de águas paradas. Tem a ver com capacidade física, com músculo.
Adiante: quando vamos pescar, devemos ter a noção de que o planeamento, a nossa capacidade de antever aquilo que se vai passar, é uma tremenda vantagem sobre o nosso oponente.
Se é verdade que os peixes grandes, os “pesos pesados”, são sempre fisicamente mais fortes que nós, por outro lado a capacidade humana de antecipar acontecimentos e preparar utensílios que nos ajudem a enfrentar estas bestas de força pode fazer pender a balança para o nosso lado.
No filme que vos vou mostrar a seguir, temos um caso evidente de um barco bem equipado, preparado para estes “carnavais” dos marlins, dos atuns, etc. Gostava que reparassem na forma como estas pessoas trabalham, como iscam um peixe vivo, e como procedem aquando da chegada do peixe junto ao barco.
Reparem que não o deixam nunca, repito …nunca, colocar-se debaixo do barco. Nesse momento, muito mais importante que a acção de quem tem a cana na mão, é a de quem comanda a embarcação.
Trata-se de um trabalho de equipa, em que cada um tem um missão especifica a cumprir. E se um falha, todos falham. Reparem nos pequenos detalhes, e como esta equipa é profissional naquilo que faz.
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Neste filme damos conta da perda de dois atuns, um ao fim de duas horas de combate, outro ao fim de três horas e já a 10 metros de distância do barco. É muito esforço inglório, muita adrenalina gasta para nada.
Pode acontecer, afinal de contas tudo depende da posição de cravagem do anzol e essa é pouco da responsabilidade das pessoas que estão a bordo. O que podem fazer está feito à anteriori, é a utilização de um bom baixo de linha e de um anzol circular, com especial apetência para cravar nas comissuras laterais da boca do peixe. Por vezes não basta.
Mas consegue-se outro, ferrado perto das 18.30h, o que significa que a “missa” vai acabar já muito tarde, com chegada tardia ao porto de abrigo.
Um peixe de 800 libras, cerca de 370 kgs, é um colosso que pode levar algumas horas a encostar ao barco. Por vezes os combates duram demasiado e prolongam-se durante a noite. Faz parte.
Tenho amigos que evitam zonas onde sabem que existem atuns grandes. Se são demasiado pesados, entendem eles que são de evitar. Porque a quantidade de horas de luta deixa marcas profundas no corpo de quem os tenta.
Há ainda a outra versão da pesca ao atum, a dos pirogueiros senegaleses, entre os quais conto com alguns amigos, e que me dizem que bom mesmo são os pequenos, entre os 50 e os 80 kgs. Passo-vos algumas fotos de peixes capturados ao largo com isco orgânico, (sardinhas mortas), e que os preferem por serem peixes que ainda assim se deixam encostar ao fim de algumas dezenas de minutos. Devem considerar que estes peixes são feitos a partir de uma piroga senegalesa, a que os portugueses deram o nome de “almadias” e que são barcos extremamente bem adaptados ao tipo de trabalho de pesca longínqua feito pelos naturais desta região. São económicas, são facilmente manobráveis, e permitem carregar de peixe conforme podem ver abaixo.
Não preciso de vos dizer que para estes corajosos senegaleses, a questão da cadeira de combate está completamente fora de questão.
Fazem pesca a partir do topo da piroga, e em condições de estabilidade penosas. O hábito de trabalharem nestas condições faz o resto.
Vejam o que pode fazer uma ou duas pessoas a bordo de uma destas embarcações. Cada um destes peixes seria eventualmente o peixe da vida de muitos daqueles que leem este artigo. Estas pessoas fazem-no dia após dia, muitas vezes sem mais que uma garrafa de água a bordo, durante um árduo dia de trabalho.
Voltam quando o barco está cheio, e dado o baixo preço que conseguem por estes peixes, no dia seguinte há que retornar e fazer igual.
Vidas...
Vítor Ganchinho