As lojas de venda de animais não terão culpa.
Na verdade, vendem cães e gatos, e peixes, na expectativa de que quem os adquire, e paga dinheiro por eles, terá a firme ideia de ficar com a sua compra, em casa.
Entendo que é importante para as crianças ter animais, crescer a seu lado, perceber o que é a vida, e a morte, os cuidados a ter, saber do que está certo e está errado quando assumem a responsabilidade de ter a seu cargo uma vida. Para além de tudo, é importante que mantenham uma ligação directa à natureza, seja ela qual for. Os ecrãs, os telemóveis, fazem desta nova geração algo que poderá ter com a vida uma relação algo... virtual.
Para quem pesca e tem filhos, nada mais desapontador que constatar a ausência de interesse pelo mar, pelos peixes, pela vida fora de casa.
No fundo, pela vida real, sem filtros, sem desenhos, com todo o drama, beleza e sentimentos que fazem parte da realidade da vivência humana.
Fiz uma saída com um casal que pretendia proporcionar aos seus dois filhos uma experiência de mar, com pesca e golfinhos incluídos.
A parte da pesca decorreu menos mal, encontrei um cardume de pampos afáveis, muito dados, que tudo permitiram a duas crianças na casa dos 7/ 9 anos.
Com alguns carapaus e cavalas, ficou selada uma pescaria que podia ter corrido melhor, mas também bastante pior. Pais satisfeitos, diria eufóricos, filhos com um olhar meio indiferente, e resolvemos voltar a terra. Porque tinha assumido o compromisso de mostrar a todos os golfinhos do largo, fiz um desvio para fora, no sentido de encontrar os botos.
E encontrámos. Atarefados nas suas lides diárias de encontrar e fazer misérias nos cardumes de cavalas, lá estavam eles, bem dispostos, a seguir o barco, a permitir algumas fotos com qualidade.
Alguns deles, mais voluntariosos, encostavam o corpo ao barco e ao saírem da água para respirar, borrifavam os meus “marinheiros” do dia com uns salpicos de água. Tudo normal.
O que terá sido menos normal foi a atitude das crianças, que choravam em pranto, para espanto dos seus zelosos pais.
Pensei terem sido acometidos de medo, por verem golfinhos a tão curta distância, não mais de um metro. Reduzi a velocidade e os golfinhos reagiram como fazem sempre: desinteressaram-se da embarcação, e afastaram-se.
Os golfinhos sentem verdadeiro prazer em acompanhar os barcos, mas exigem alguma emoção, o seu entusiasmo desvanece-se se o barco estiver lento demais. Perdem a vontade de brincar quando o barco deixa de empurrar água, e deixam de ter possibilidades de fazer surf na proa.
Tentei então entender a razão do choro das duas crianças. Os pais disseram-me, desolados, que eles não queriam saber dos golfinhos, queriam era voltar a terra, para casa, onde tinham deixado as playstations ...
Recordei-me deste episódio, que necessariamente representa um dia negro na minha eterna vontade de mostrar aos amigos um pouquinho daquilo que vejo nas minhas saídas de mar.
Nada mais frustrante que conseguir reunir todas as condições, mar calmo, pouco vento, água azul, golfinhos a rodos, entusiasmados, aos saltos fora de água e a encostar por sua espontânea vontade ao barco.
E ter gente que prefere estar num quarto, entre quatro paredes, a jogar jogos com uma consola. Frustração máxima!
E recordei-me porque há dias recebi um contacto de um outro jovem, alguém que está do outro lado da vida, alguém que, tendo uma carreira académica para cumprir, o faz com brio, com empenho, sendo que o tempo que sobra dos estudos é gasto num abraço apertado com a natureza.
Perguntava-me se podia pescar uma espécie invasora, num lago.
A resposta a estas questões não pode nunca ser sim, porque os lagos não pressupõem ser pescados, nem não, porque isso é empurrar estas crianças para o mundo de onde queremos que saiam.
Porque queremos que sejam gente! Que saibam o que é o vento, o frio, a chuva, e o brilho do sol numa manhã de Primavera. Quem vive entre quatro paredes não sabe, entende que o leite nasce dentro de um pacote.
Neste caso, e correndo o risco de assumir a responsabilidade, ou irresponsabilidade, pelo conselho dado, mandei avançar. E daí a pouco, uma foto de um peixe com ar de alien escuro estava já no meu WhatsApp, aos saltos.
O meu amigo tinha conseguido um, utilizando uma amostra que mais não era que um vinil, com uma criatura estranha, mas eficaz. Para um peixe estranho, porque não um vinil estranho?
O peixe em questão, um Chanchito, “Australoheros facetus”, não tinha culpa nenhuma, apenas tinha cumprido com aquilo que era pressuposto. Teve uma oportunidade de morder algo e foi isso que fez.
Alguém o mandou para dentro do lago, porventura farto de assumir a responsabilidade de ser pai ou mãe, de ter de pagar os custos da sua alimentação, de ter de dispensar parte do seu tempo com aquela frágil vida.
Estes peixes, cujo tamanho máximo pode atingir os 30 cm, são um ciclídeo típico, com tudo que isso tem de bom e de mau. Da sua etimologia podemos tirar algumas conclusões: Australoheros (latim) “australis” que significa sul e heros que significa Heróis, em alusão ao gênero monotípico. Facetus (latim) que significa “agradável, engraçado”. Já vamos ver que não têm graça nenhuma.
Com um corpo espalmado, comprimido lateralmente e muito robusto, e bandas verticais que podem ser mais ou menos visíveis, consoante o estado de humor do peixe ao momento, este ciclídeo é um omnívoro oportunista. Come aquilo que há. Se tiverem de ser algas, pois que sejam, mas a preferência vai toda para pequenos peixes, ovas de peixe, borboletas, minhocas, insectos e suas larvas, em geral. Em suma, tudo aquilo que consegue encontrar que seja algo mais que nada. Entra em ciclo de reprodução quando a água aquece um pouco, a rondar os 28ºC, o que o torna um habitante de águas muito rasas, expostas a raios solares directos. É de tal forma resistente que se aguenta na perfeição num lago, em pequenos riachos, numa pequena lagoa de águas estagnadas, e até... num alguidar de plástico! Águas paradas são-lhe convenientes, o seu corpo pede-lhe poucas correntes, poucas corridas.
Em dois ou três dias os ovos eclodem e em dois dias os alevinos estão nadando livremente, em pequenos grupos, protegidos pelos pais. Sabem o que isso quer dizer...
A amplitude de temperaturas que suportam, de negativas até aos 30ºC, torna-os inexpugnáveis em qualquer habitat. Eu pesquei-os quando miúdo, nos afluentes do Guadiana, no Alentejo. Recordo-me de haver centenas deles, muito territoriais, a defender a sua zona de acção, quando com crias.
Como seria de esperar, estes ciclídeos da América do Sul espalharam-se por todo o lado, sendo possível encontrá-los inclusive nas ribeiras do Sado, ou no rio Arade, no Algarve. Acredito que existam na vala real da Comporta, dado que inclusive suportam alguma salinidade.
Em Portugal foi primeiramente detectado em 1940 no rio Mira, de onde se espalhou para as águas do Guadiana, em Espanha. E por aí fora.
Podemos encontrá-los no Chile, nos Estados Unidos, no Brasil, no Uruguai, etc. E ainda mais longe! Filipinas, Tailândia e mesmo em Singapura, onde foram introduzidos por serem uma boa opção para a... pesca desportiva! Um personagem nosso conhecido, o grande Charles Darwin, recolheu alguns em Maldonado, no Uruguai, tendo passado a ser conhecido pelo nome científico “Chromis facetus”, nome posto por Leonard Jenyns, em 1842. Mudou de nome para “Cichlasoma facetum” e “Cichlaurus facetum”, sendo hoje o vulgar “Australoheros facetus”.
É possível encontrá-los em lagos alemães, obviamente soltos por aquariofilistas fartos das suas tropelias. Comem os outros peixes do aquário, e crescem, pelo que exigem tanques com alguma dimensão e características particulares.
Ora bolas!... |
Na verdade não fazem falta nenhuma, são sim um foco de problemas, acabam com as posturas de outros peixes endémicos, e bem que os dispensávamos nas nossas águas. Pois foi este peixe que alguém resolveu lançar a um lago.
Irão reproduzir-se como quiserem, aos milhares se para isso tiverem comida suficiente. Porque vivem em média 10 anos, vão ter muitas oportunidades de sair do pequeno lago onde agora estão.
Haverá certamente uma alma caridosa que os irá levar para longe, num balde. E um dia alguém os irá lançar noutros rios e barragens, propagando a espécie pelas nossas bacias hidrográficas.
Entendem agora porque assumi a responsabilidade de mandar avançar as tropas e pescar alguns?
Este meu amigo, filho de boas famílias, bom aluno, tem tudo para vir a ser uma pessoa notável. Para além de tudo, ainda é bom pescador.
Nesse aspecto, pescar com ele é rever-me, é voltar atrás aos tempos em que eu fazia exactamente o mesmo que ele faz hoje. Sinto-me rejuvenescer quando tenho colegas de pesca abaixo dos 16 anos, e que exigem de mim tanto quanto consigo dar.
Deixem pescar esta gente, não os amarrem a ecrãs, porque eles podem ser muito mais que isso.
Vítor Ganchinho
1 sozinho , nao faz mossa , correndo o risco de hibridar, agora varios da mesma espécie, ja se torna complicado... sendo um lago arteficial e vedado a probabilidade de sair para fora talvez seja pouca agora se cai ai uma garça pode ser que esse mal acabe ...
ResponderEliminarSei quem tenha tilapias em lagos particulares
EliminarA questão é que são muitos e irão ser muitos mais. E sei que um destes dias, irão parar a outras zonas, transportados pelas pessoas. Isso é quase inevitável....vai acontecer.
EliminarVamos seguir o assunto. Em Espanha eles têm gente que segue estas movimentações, e, sendo caso disso, tentam interromper os ciclos reprodutivos. Mas é uma missão difícil.
Abraço
Vitor
Olá, eu também sou de Carcavelos como esse rapaz que falas e tenho 14 anos por isso acho que me podia dar bem com ele visto que pesco, achas que me podias dar o número desse rapaz para poder conversar e combinar uma pescaria com ele?
ResponderEliminarOlá, boa tarde.
EliminarEu não tenho autorização da pessoa para dar o seu contacto.
De qualquer forma, isso não pode ser feito aqui no blog. A minha sugestão é que faças um contacto com a GO Fishing Portugal, Almada, e que expliques a situação. A D. Helena vai tomar nota dos teus contactos e passar essa informação ao teu futuro amigo.
Fico muito feliz que sigas o blog, há sempre algo que pode ser interessante para jovens pescadores.
Boas pescarias!!
Abraço
Vitor