O SÁVEL E A SAVELHA, NO SADO

São perfeitos desconhecidos para a grande maioria das pessoas, e todavia, parecem-nos tão familiares. São quase aquilo que julgamos que são.
Alguns dos peixes que deambulam pelas nossas águas costeiras parecem …mas afinal nada têm a ver com as espécies mais comuns.
Se alguém conhece o robalo, a dourada, o sargo, o safio, então parece-lhe que já conhece tudo. Quanto isso está longe da realidade.
Há centenas de espécies nos estuários. E quando chegamos a diferentes estágios da vida dos peixes de mar, ao seu processo de crescimento e maturação, com transformações físicas pronunciadas, as dificuldades acrescidas de identificação aumentam exponencialmente.
As espécies são tantas que dificilmente alguém que não assuma a identificação de peixes e outros seres como trabalho, como profissão, poderá algum dia ser capaz de ter a verdadeira noção das centenas ou milhares de possibilidades existentes.
Recebi do meu amigo Luis D`Almeida algumas fotos de um peixe, para ele estranho, que foi capturado em águas interiores do Sado. O tamanho modesto do exemplar pouco tem a ver com a sua importância enquanto espécie, que é bastante elevada. Há muitos peixes aparentemente simples que encerram em si todo um manancial de capacidades físicas que os tornam únicos, raros, e extremamente interessantes. É o caso desta “Allosa falax”, entre nós conhecida por savelha, ou saboga.
Vamos hoje ler um pouco sobre estes enigmáticos peixes, o sável, “Alosa alosa” e a savelha, “Alosa falax”, a quem tanta gente chama de sardinhas, e tudo aquilo que calha.
Na verdade, há autores que insistem que não há uma distinção evidente entre o sável e a savelha. Nós temos gente que jura a pés juntos que o “massacote” é um peixe diferente do besugo, e no entanto tratamos apenas de uma questão de tamanho e diferente idade de um mesmo peixe. Temos em mãos um mistério, mas a ciência admite duas espécies diferentes, e isso é, até ver, aquilo que conta. O sável, “Alosa alosa”, é distinguido através do número de escamas da linha lateral e pelo número de espinhas branquiais. Nada mais.
A construção de barragens, e o consequente impedimento de migração dentro dos rios, veio limitar o espaço de reprodução destas espécies e a consequência parece ser a de uma mistura forçada.
Há evidências de que o sável e a savelha, que se reproduzem nos mesmos locais, dão ocasionalmente origem a híbridos. Sabe-se também que quando iniciam a sua migração, deixam de se alimentar, passando a fazê-lo no trajecto oposto, após reprodução, aquando da saída dos rios.
Com efeito, de Março a Junho, a savelha entra nos rios, e aí chegada deixa de se alimentar. A desova é feita de Junho a Agosto, durante a noite, em fundos baixos. Cada fêmea produz entre 80 000 e 200 000 ovos.
Os juvenis, nascidos dentro do rio, alimentam-se de crustáceos planctónicos, algas, anelídeos, e pequenos peixes. Quando atingem cerca de 10 cm de comprimento migram para fora, para o mar aberto.
Farão aí o seu trajecto de comedores de tudo aquilo que mexe, eventualmente alevins de outros peixes, camarões, etc. E crescem de forma significativa com essa dieta.


Uma savelha, com as suas oito pintas negras. É uma presa potencial dos nossos robalos, enquanto pequena. Mas crescem a ponto de não serem comidas com facilidade...


Da família dos Clupeidae, ordem dos Clupeiformes, este peixe anádromo e pelágico vive perto das zonas estuarinas, e encontra no Sado um lugar perfeito para a sua primaveril reprodução.
Fazem um ciclo de vida bem conhecido, nascendo em águas de rio e saindo posteriormente para o mar aberto, o que implica uma capacidade eurihalina, uma “habilidade” de lidarem com diferentes composições de sais e formas de reter ou expulsar aquilo que falta ou está a mais no seu organismo. Vimos este fenómeno há dias, relativamente aos robalos, recordam-se?
Vive em batimetricas de grande amplitude, dos 5/ 10 metros até aos 250/ 300 metros de profundidade. Pese a sua aparência frágil de “sardinha”, cresce no entanto até perto dos 80 cm de comprimento, para uns razoáveis 2,5 kgs de peso.
Com uma longevidade média na ordem dos 7 anos, não pode perder muito tempo com comida de baixo valor energético, pelo que ataca presas compatíveis com a sua capacidade de predação. Neste caso, o exemplar que aparece na foto, lançou-se sobre um jig da Xesta de 6 cm. Para ele, seria um pequeno peixe em dificuldades, logo, uma potencial presa. Este ataque é bem exemplificativo da voracidade da savelha, que pese embora a sua aparência frágil, quando adulta tem músculo, tem alma, e dobra a nossa cana.
Pesca-se no norte do país com um artificial que não poderia ser mais simples: um anzol meio coberto com o revestimento de plástico de fio eléctrico, na cor vermelha.
As savelhas são agressivas, atacam as nossas amostras com vigor e vontade de fazer mal, e podem atingir pesos consideráveis. Encontrei os meus primeiros exemplares por fora do rio Sado, na zona da Comporta, e desde essa altura tive o cuidado de saber mais sobre eles.
Trata-se de um peixe raro, não pela perseguição que lhe fazem, mas pela sua sensibilidade extrema à qualidade da água. A sua presença indica águas com uma capacidade razoável de existência e manutenção de vida.
Já a sua qualidade gastronómica é banal, quando não perfeitamente medíocre, mas porque há a tradição de a preparar e comer, …diz-se então que é muito boa. Das tainhas dizem o mesmo.
No norte do nosso país, a savelha é tida como uma iguaria. Por mim, fiquem com todas, eu …passo.
Neste momento é uma espécie em vias de extinção, e a sua pesca é proibida. Se não a podemos proibir de morder as nossas amostras, somos no entanto obrigados a restituí-la à água de imediato.


Não é muito evidente que este peixe tenha peitos para este jig, mas a verdade é que mordeu.


Não fora pelo trabalho moroso e exigente que é registar recordes, e tenho a certeza de que Portugal teria uma fatia significativa de marcas registadas.
Temos peixes para isso. Mas a IGFA, e bem, exige uma série de parâmetros e pagamentos que quase inviabilizam a insistência de alguém em registar como seu um recorde de captura. Eu tenho a certeza de que teria alguns, sem dúvida, mas por toda a costa portuguesa aparecem peixes interessantes e quando vamos ao livro de recordes ver o que está registado, …aquilo que aparece são “miudezas” que quase todos nós achamos desprezíveis. É mesmo muito comum que as marcas de tamanhos e pesos sejam inferiores a metade daquilo que capturamos de forma regular, capturas triviais. Mas por outro lado, entende-se a exigência do organismo que tutela o registo de recordes, pois de outra forma não faria sentido homologar uma marca. A exigência tem mesmo de ser máxima.


Uma savelha, e de novo a morder um pequeno jig. O Luis D`Almeida pesca bastante no interior do rio e estes peixes dão-se bem lá dentro...


Tenho a certeza de que o jovem Luis irá continuar a encontrar estes peixinhos nas suas zonas de acção. E muito provavelmente, mais dia menos dia, irá encontrar os locais onde os grandes robalos de 8 kgs esperam estas intrépidas savelhas. Para as engolir, ......discretamente...



Vítor Ganchinho



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