PESCAR COM CORES SARDINHA?

Não é branca nem é verde, não é azul nem é amarela. Algo por aí, pelo meio, talvez um metalizado, uma mescla de cinza com azul escuro e verde, mas que em definitivo interessa aos nossos robalos. E a todos os outros predadores.
A questão das cores das amostras sempre foi algo de intrigante, algo que nos obrigou a pensar mais do que aquilo que seria pressuposto.
As respostas são na sua essência simples, mas a forma de chegar a elas é complexa. O que vou fazer hoje é desafiar-vos para serem capazes de entender como funciona a selecção das cores, e como devem escolher qual o jig, ou amostra certos, em função do mar que têm à frente dos olhos.
Os meus amigos costumam dizer que eu tenho mais picadas que eles, que tenho sorte. A verdade é que eu preparo a pesca muito antes, lendo, estudando uma diversidade de factores, os quais, em situações concretas, me ajudam a decidir e a definir a melhor opção.
Se é do tipo de pessoa que costuma pendurar da sua linha a amostra que outros lhe dizem que é boa, e isso lhe basta, a sua leitura deveria acabar aqui, o propósito não será nunca esse.
Podemos ajudar a que entenda o fenómeno, e a que saiba decidir por si. Isso sim, é interessante.
Se for o caso, se quiser mesmo dispor de algum tempo, se acredita em formação, então avance e leia esta série de artigos a publicar nos próximos dias.


Esta é uma cor, ou um conjunto de cores, absolutamente mágico.


Na verdade, há imensos erros de apreciação no que concerne a este tema. Exigimos demasiado aos peixes que queremos pescar.
Os peixes teriam de ser capazes de ultrapassar leis orgânicas da natureza para conseguirem ver com os seus olhos aquilo que nós conseguimos ver à superfície com os nossos.
Há quem tenha convicções de tal forma fortes com uma determinada amostra e cor que a usa com muita regularidade. E por isso mesmo, acaba por pescar muito mais tempo com ela.
E por conseguinte, acaba por pescar mais peixes com essa e não com as outras. Para cada um de nós, a amostra que pesca mais é a que utilizamos sempre.
Muitas empresas que fabricam amostras, ou jigs, estimulam a produção de cores muito variadas, e o intuito é o mesmo de sempre: lucrar com isso.
Com efeito, se o pescador sentir que deve ter disponíveis 20 cores diferentes, ele terá de comprar pelo menos 20 amostras diferentes.
Valerá a pena? Penso que não.

A primeira interrogação a colocar é esta: Há cores melhores que outras? Se sim, quais as cores mais efectivas?
Para chegarmos a conclusões com sentido e baseadas em factos reais, científicos, então devemos analisar a forma como os peixes veem e podem ver as nossas amostras.
A partir daí, vamos começar a cortar grande parte das amostras que temos em stock na nossa caixa de... ”inutilidades”. Porque todos nós as temos. E deixar de adquirir o que não nos faz falta.
Compramos material de acordo com princípios técnicos pouco objectivos, e que na maior parte dos casos se baseiam apenas em gostos pessoais. Achamo-las bonitas.
Acontece que quem tem de morder as amostras não somos nós….

Venha daí por uma viagem ao estranho e complexo mundo das cores no meio subaquático!


Perfeitamente visível a dispersão de raios de sol.


O conceito serve para aquilo que já temos e para aquilo que iremos ter. Com efeito, ao adquirirmos amostras/ jigs devemos ter em conta que iremos enfrentar diversos factores adversos, todos importantes na escolha da amostra:

1- O local onde iremos pescar habitualmente, a sua profundidade, localização geográfica, tipo de peixe pretendido, etc.

2- As profundidades a que iremos pescar determinam o peso, formato e acção das amostras.

3- Se pescamos em alto mar obviamente teremos tonalidades de cor de água diferentes de estarmos junto a um rio. Leia-se mais ou menos sedimentos diluídos.

4- Estamos a pescar num dia de mar calmo, plano, ou num dia de vento, com ondas?

Tudo isto implica uma escolha diferente. Em função daquilo que pretendemos fazer, assim iremos optar por uma ou outra amostra.
Se vamos pescar uma zona baixa de 2 metros, de que nos serve uma amostra afundante a qual, sob tracção, desce 3 metros e por isso mesmo irá estar permanentemente agarrada às estruturas do fundo?
Se a zona é funda, de que serve pescar com amostras de superfície quando o peixe está 50 metros abaixo? A estas questões sabemos responder, por serem evidentes. Mas outras não o são.

Há muito mais a saber, e a escolha das cores é uma delas. Podem ter alguma influência, positiva ou negativa? A resposta é sim, as cores podem possibilitar pescas de qualidade, ou prejudicar a pesca irremediavelmente.
Quem procura as nossas amostras tem de as poder ver mas só isso não basta. Não é tanto aquilo que o peixe pode ver. O que interessa é o que está lá para ser visto!
Como é que nós e os peixes vemos as cores? Vimos aqui no blog algo sobre este tema quando analisámos a questão das toneiras para chocos.
Os nossos olhos conseguem perceber cores situadas em comprimentos de onda que vão do vermelho ao violeta, num conjunto de sete cores principais. A junção de todas estas cores dá-nos o branco.
É essa a cor que interpretamos a partir do espectro total de cores que conseguimos ver após a reflexão de luz num determinado objecto. Por exemplo um prisma de cristal.


Luz monocromática e policromática.


O olho humano não é sensível nem aos infravermelhos, nem aos ultravioletas. Mas alguns peixes são... o que nos complica a vida.
As amostras que utilizamos, as mesmas amostras, podem ter diversas cores, em função da profundidade a que as lançamos. A cor de uma amostra não é uma característica própria dela mesma, mas sim da luz que a ilumina.
À superfície, sem qualquer tipo de filtros, as cores são as que podemos observar com os nossos olhos.
Mas à medida que essa amostra vai descendo metros, vai alterando a forma como reflecte a luz solar, a forma como a luz lhe chega. A água vai absorvendo os raios luminosos do sol, e isso muda a forma como a cor da amostra é vista pelos peixes.
E se o meu caro leitor pensa que isso é algo muito subtil, que não tem muita expressão, que não tem importância, pois está errado. As cores vivas de uma amostra à superfície desaparecem muito mais rapidamente do que se pensa.
Ao fazerem uma experiência num tanque de água limpa, cientistas interessados no tema notaram que a absorção de cores era muito mais rápida que o suposto.
A luz que entra no tanque de experiências sofre dois efeitos imediatos: parte dela é reflectida por efeito de espelho, e retorna para cima, para a atmosfera, a restante penetra na água. Sobre esta segunda parte, a que nos interessa, a absorção de luz tem efeitos imediatos, e que irão aumentar a cada unidade de medida que queiramos considerar, centímetros, metros, dezenas ou centenas de metros. Quanto mais profundo a nossa amostra for, menos luz irá incidir sobre ela. Aos 100% de intensidade de cores obtidos à superfície, vistos por nós, corresponde uma redução imediata, à medida que a amostra vai descendo no meio líquido. Assim, a 1 cm de profundidade a cor inicial já perdeu 25% das suas características. A 1 metro da superfície, a cor da nossa amostra já perdeu 55% da sua intensidade.
Isto tem um efeito dramático sobre as cores que nós humanos somos capazes de ver fora de água, que nos são visíveis à superfície! E que são por sinal as cores que podemos ver quando adquirimos as amostras na loja, onde gastamos o nosso dinheiro!
Caso queiram fazer uma experiência caseira sobre este efeito, podem fazê-lo: Apliquem uma lâmpada de 100 watts na sala onde costumam fazer as vossas bricolages de pesca. Olhem para uma amostra. A seguir, substituam essa lâmpada por outra de 40 watts.
Verifiquem a diferença de cores obtidas.




Em teoria, a água pura, água destilada, tem uma visibilidade máxima de 74 metros. A partir daí é impossível ver debaixo de água através dela. Mas nós estamos muito longe de pescar num mar de água destilada! Bem longe disso…
Mesmo em águas abertas, longe da costa, existem vários poluentes que diminuem a visibilidade da água e também alteram a cor e a penetração da cor. Se a água contiver lodo, matéria orgânica em decomposição, ou barro das chuvas, a visibilidade pode cair para quase zero e terá uma cor acastanhada.
Se a água tiver um crescimento repentino e excessivo de algas, de fitoplâncton, a cor da água será verde. Quanto mais algas, mais escuro o verde e menor a visibilidade. O ácido tânico, aquela película amarela que cobre a água e que julgamos muitas vezes ser o resultado de descargas de poluentes, ou de lavagem de tanques de navios petroleiros, é quase sempre resultado da floração dos pinheiros. Se, no momento da polinização, o vento estiver off-shore, (e temos muitas vezes vento leste a coincidir com a época em que os pinheiros largam os esporos), podemos ter a água colorida de amarelo acastanhado, mesmo que ela permaneça clara e limpa por baixo.




À medida que vamos descendo em profundidade, vamos também perdendo luz e por isso também cor na nossa amostra. Por exemplo a 10 metros da superfície, o valor de luz absorvido é de 78% do valor inicial. Concretamente isso quer dizer que apenas contamos com 22% da luz da superfície para
mostrar ao peixe a cor que escolhemos. Por isso mesmo, à medida que descemos mais e mais, a qualidade e importância da cor vai decrescendo.
E até aqui estivemos a calcular valores baseados num tipo de água cristalina. Foi isso que vos disse no inicio, lembram-se? Os valores mencionados referem-se a uma amostra que seria hipoteticamente lançada num dia de água limpa, calma e com o sol a cair bem na vertical.
Digamos que quando pescamos longe da costa, em águas azuis, isso pode acontecer com maior frequência. Mas a situação pode piorar, porque raramente temos situações óptimas, e porque a quantidade de barreiras que a superfície do mar coloca aos raios solares é enorme.
Na maior parte dos casos não teremos nem perto de águas cristalinas! Quando pescamos junto à costa, contamos com factores que são incontornáveis, como a agitação marítima, o levantamento de poeiras e sedimentos que estão depositados no fundo, provavelmente quereremos estar a pescar aos primeiros raios de sol, e por isso ainda não temos o sol a pino, logo o ângulo de penetração é inferior. E ainda a quantidade de zooplâncton e fitoplâncton que costuma estar diluído no meio líquido.
Se estivermos a pescar numa zona com bolhas de ar, em zona de rebentação, também isso irá reduzir a quantidade de luz que penetra na água.
No fundo, tudo isto factores que irão reduzir a penetração de sol/ luz no plano de água que queremos trabalhar. E que não ajudam nem um pouquinho!


O Cabo Espichel, ao nascer do dia.


Vejamos agora um outro dado: todos sabemos que há uma tendência generalizada para que as espécies de predadores que normalmente procuramos com as nossas amostras/ jigs ataquem melhor em períodos de rarefação de luz. Sabemos que logo ao nascer do dia é muito bom, e sabemos que o pôr do sol é outro momento crítico para podermos obter algumas picadas de peixes interessantes. E isso corresponde a períodos de menos luz, certo?
Então vejamos de que forma a quantidade de luz disponível afecta a forma como os nossos peixes podem ver as nossas amostras. E já agora que estamos a estudar este fenómeno, qual o tipo de cores que mais são afectadas pela ausência de muita luz.
Esta primeira parte pretendeu chamar à atenção dos pescadores sobre a forma como a profundidade pode mudar a visibilidade das nossas amostras. Se à superfície as cores são todas visíveis, o mesmo não acontece quando passamos para águas profundas.
Vamos pegar neste assunto, e desenvolver o tema sob a perspectiva de saber escolher as cores que são mais visíveis em águas profundas. E que por isso nos podem dar melhores resultados quando nos encontramos a pescar.
Amanhã vamos ver o porquê.



Vítor Ganchinho



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