AS MIGRAÇÕES DOS ROBALOS

Ao longo dos anos habituei-me a acompanhar a movimentação dos robalos, na sua incessante procura de algo.
Ou estão a procurar aumentar de peso para repor as reservas energéticas que perderam após um longo Inverno, ou estão a preparar a desova, ou a migrar para zonas com mais alimento disponível.
O seu ciclo de vida é uma gestão incessante de factores como a segurança, a alimentação, a reprodução, o conforto térmico. Na verdade, não têm um minuto de descanso, porque está ou vai estar algo sempre a acontecer que implica movimentação. E tudo isto começa cedo, quando o robalo nasce, e apenas termina quando dá o último suspiro de vida.
Aquilo que hoje vamos ver aqui no blog é de que forma a quantidade de robalo pode ser afectada por elementos naturais, como a Oscilação do Atlântico Norte. Conhecida por NAO, na sigla inglesa, (North Atlantic Oscillation).


Nunca seremos capazes de pescar robalos deste tamanho, enquanto os quisermos pescar juvenis, com um mísero palmo de comprimento. Enquanto isso fizer sentido para mentes afectadas, os robalos grandes serão sempre uma miragem.


As pedras onde costumam desovar são mais ou menos conhecidas. Deveriam ser por todos respeitadas, embora eu saiba que dificilmente algum dia isso será conseguido.
Em termos de características, falamos de solapas de pedra com cascalho fino no fundo, areão, onde as fêmeas, inchadas das ovas que protegem dentro do seu corpo, e rodeadas por dezenas de machos, depositam os seus ovos que são de imediato fecundados.
São locais em mar aberto, normalmente zonas com um pouco mais de sossego, mas não demasiado profundas. Isso torna-as acessíveis a quem faz mergulho livre, o que já é de si um problema. Grutas com vários rasgos verticais, a permitir a saída abrupta do cardume em caso de necessidade, são as preferidas destes admiráveis peixes. Conheço algumas, e nunca tive a menor tentação de as caçar, num momento tão crítico da vida do robalo. Tenho para mim que há uma significativa fatia de responsabilidade humana na escassez de robalos. Dir-me-ão que não, que é impossível que isso se faça sentir, mas não podemos esquecer que pescar robalos ovados é matar a galinha dos ovos de ouro, é matar milhares de possibilidades, para ficar com uma apenas.
Após a postura, as larvas nascem passados poucos dias e têm a firme intenção de migrar de imediato para locais onde possam encontrar mais segurança, mais conforto, e também mais alimento. Na zona onde me movimento, a área de Sines a Setúbal, há diversos locais onde há eclosões importantes de robalo. A sua tendência é seguirem uma linha que primeiro os traz à costa, às praias, e a seguir, respondendo a um instinto ancestral, para dentro do rio Sado. Deve entender-se que este processo, para um minúsculo ser com milímetros de comprimento, e um peso desprezível, não é isento de riscos.
Para além do tempo que leva, também factores como a temperatura das águas influencia muitíssimo a sua capacidade de chegada a águas seguras. Caso estejamos perante um ano de águas mais quentes, em que as cavalas, os carapaus, etc, não sentiram necessidade de migrar a outras paragens, o caso pode ser de difícil prognóstico para a vida destas miniaturas de robalo. É dentro do rio, o viveiro natural por excelência, que eles irão crescer durante 2 a 3 anos. A quantidade de micro vida marinha e de condições de segurança são de tal forma boas que, caso o consigam, terão boas hipóteses de sobreviver e dar o ano como positivo. A questão é lá chegar...
Caso consigam a entrada no estuário do Sado, (e em todos os sistemas lagunares e estuários do nosso país), terão boas hipóteses de um dia voltar a sair e a fazer a sua reprodução em mar aberto, completando o seu normal ciclo de vida.




Acredito que alguns robalos farão as suas posturas dentro do rio. São frequentemente detectados exemplares ovados nos meses de Outono, precocemente em relação ao habitual, Dezembro, Janeiro e Fevereiro, e sabe-se que são peixes que se habituaram a viver junto a estruturas de construção humana, portos, cais, etc.
Para aqueles cujo ciclo de vida se inicia fora, a questão timing é premente: algumas semanas de atraso podem potenciar problemas que têm desde logo a ver com a temperatura das águas. Este ano, detectei a entrada massiva de cavalas algo tarde, em Maio, quando costuma acontecer em finais de Abril.
Isso pode dar às larvas de robalo alguma folga, algum tempo extra para que tenham conseguido chegar a salvo ao seu destino. O vento norte e nordeste que sopra por cima da Arrábida traz a esta região algo que é importante, nutrientes vindos dos fundos, mas que não ajudam em demasia os alevins de robalos.
O vento, ao empurrar para o largo as águas costeiras, a primeira camada de água sensível a esse movimento contínuo, promove a subida de águas que interessam do ponto de vista alimentar a um largo espectro de peixes, mas geram correntes contrárias ao movimento natural dos pequenos peixes. Não tendo forma de contrariar essa força de água, com pouca autonomia, muitos dos pequenos peixes acabam por não chegar ao seu destino. Nesta fase, estão muito dependentes do sentido das correntes marinhas. Quanto mais fortes, menos possibilidades as crias terão de chegar e assim sendo, a mortalidade juvenil será muito significativa.
Chama-se a este movimento vertical de águas o “upwelling”, e é essencialmente o movimento de águas profundas do oceano que vem ocupar um lugar deixado vago pelo transporte para o largo das águas superficiais. É algo cíclico, e que tem início na Primavera, ou seja, um pouco depois de se ter dado a desova dos robalos. Acrescento para vosso entendimento que o tempo de subida dos pequenos alevins ao rio pode demorar cerca de dois meses. Temos pois uma desova massiva de robalos a meio de Janeiro, Fevereiro, e a esperança que os robalos juvenis consigam entrar até final de Abril. Quando o não conseguem, ….perdem-se vidas e possibilidades de um dia termos uma boa quantidade de peixes valentes para pescar à linha.
Por vezes, é uma mera questão circunstancial, algo tão aleatório que quase poderíamos designar por “sorte”, mas a verdade é que uma diferença de semanas pode fazer toda a diferença entre o sim ou o não.
Vejamos: se a desova dos robalos for feita um pouco mais tarde, por fenómenos que se prendem com a existência de águas mais quentes, e por consequência com a permanência de peixes que limpam as ovas, pelágicas, dos robalos, então esse retardamento irá afectar irremediavelmente os resultados das posturas. Falei-vos acima do NAO, a oscilação do Atlântico Norte. Trata-se de um fenómeno atmosférico que influencia os padrões climáticos no Atlântico Norte, incluindo a Europa Ocidental e a América do Norte. O valor desta oscilação é calculado pela diferença nos valores de pressão atmosférica entre Reykjavík, na Islândia e São Miguel, nos Açores. Sim, os nossos Açores e o seu típico anticiclone influenciam decisivamente a existência de mais ou menos robalos no nosso mar.
Quando estas diferenças de pressões surgem tardias, isso irá promover o tardio nascimento das larvas, e por consequência a qualidade dos factores de sobrevivência da espécie. Na época passada, eu comecei a notar desenvolvimento das gónadas dos robalos por volta de Outubro, o que está correcto e de acordo com o timing certo. E tivemos águas frias até inicio de Maio, o que pode augurar boas condições de sobrevivência. Pode ter sido um ano bom, e isso irá trazer-nos alegrias daqui a alguns anos. É dar-lhes tempo e teremos robalos com força, com peso, a lançar-se sobre as nossas amostras.

Para que tenham uma noção das taxas de crescimento da espécie, e reportando-me a valores controlados, ou seja, a dados obtidos em aquacultura, posso dizer-vos o seguinte:
O nosso robalo selvagem é um peixe euritérmico, (vive perfeitamente em água do mar desde 5 a 28ºC), é eurialino, e por isso pode frequentar águas costeiras com presença de águas salobras, com misturas acentuadas de água doce, estuários ou lagoas. Pode mesmo subir rios até níveis apenas residuais de água salgada. Pode acontecer, nas populações de robalo europeu, que a desova se prolongue até Junho (!!), em anos muito fora do comum. Os ovos são de tamanho relativamente reduzido, (1.02 a 1.39mm de diâmetro) e são pelágicos, ou seja, espalham-se em águas livres, na coluna de água.
Trata-se de um peixe que não se sente particularmente afectado pela baixa temperatura, e por isso, é possível que alguns peixes passem o inverno em lagoas costeiras, rias, ou estuários. É aí que encontram facilmente alimento, que é constituído por pequenos peixes, camarões, caranguejos, chocos e pequenas lulas.

Para aqueles que gostam de números, eles aí vão:

- Os robalos vivem essencialmente em sistemas costeiros acima dos 100 metros de fundo.

- As fêmeas depositam cerca de 200 a 300.000 ovos por cada kg de peso.

- Aos 7 dias de vida o robalo não passa de uma minúscula larva.

- Um juvenil com 75 dias de vida terá cerca de …1,5 a 2,5 gramas.

- Podemos esperar que os machos tenham, ao fim de 3 anos, algo como 23 a 30 cm de comprimento, e as fêmeas cerca de 31 a 40 cm.

- Nesta idade, estarão, em principio, ambos com condições para procriar. E para darem assim início a um processo reprodutivo, que nos interessa sobremaneira a nós, pescadores de linha.


O ataque fulminante de um robalo a uma das nossas amostras ou jigs é algo que nos acorda a meio da noite…que nos tira da cama para irmos tentar mais uma vez.


Espero que tenha sido útil.



Vítor Ganchinho



6 Comentários

  1. Brilhante 👏🏻

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Bom dia. Muito obrigado pelo seu comentário.
      Há muito mais a saber sobre os nossos peixes.
      Vamos continuar aqui no blog a trabalhar no sentido de dar informação. A convicção é de que um pescador informado é alguém com mais capacidade de análise, de decisão. E se isso trouxer a libertação de um juvenil de robalo, já valeu a pena.

      Preservar para que amanhã continuemos a ter robalos grandes para pescar.

      Cumprimentos
      Vitor

      Eliminar
  2. Àvido consumidor de literatura sobre pesca, pergunto-me como levei tanto tempo a encontrar este vosso blog. Já lhe tinha posto os olhos em cima, mas na altura descartei a curiosidade por um motivo qualquer, agora que o fiz estou arrependido de não vos acompanhar à mais tempo. Muito bom trabalho da vossa parte ! O saber de mar e pesca que nutrem nos artigos escritos é massivo e claramente esclarecedor para quem procurar evoluir no mundo da pesca! Muitos parabéns mais uma vez pelo vosso trabalho! Qualquer dia vou até aí ao sul para me mostrarem como se apanha um peixe ao jig :D :D Cumprimentos e continuem com a pesca e com este blog maravilhoso!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa tarde André Matos
      As suas palavras dão-nos um incentivo enorme para continuar a trabalhar na divulgação de técnicas de pesca, de peixes, de equipamentos, de...mar.
      Está sempre convidado a aparecer cá por baixo para vir pescar um pargo com um jig. Sei que aí o robalo é rei, deste lado nós sentimo-nos mais confortáveis a trabalhar pargos, porque há bastantes. Não há dias em que não surjam pargos a querer levar os nossos jigs com eles....

      Sobre a questão dos números atrasados, não é difícil de resolver: basta chegar a uma página do blog e clicar na seta vermelha. A cada click tem mais uma semana, num total de cerca de 750 artigos. Certamente terá informação útil que possa interessar-lhe.
      A divulgação do blog é feita sobretudo pelos leitores, e temos de momento cerca de 146.000.
      Aquilo que escrevo é aquilo que vejo, nas minhas saídas de pesca. Não me basta pescar o peixe, gosto de saber porquê, e isso implica reflexão e estudo.
      Fico feliz quando alguém diz que o meu trabalho é útil.

      Um grande abraço!
      Vitor

      Eliminar
  3. Excelente artigo Vitor. Parabéns! Sinto orgulho de pertencer a este grupo e tenho pena que o Blog não tenha maior visibilidade.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa tarde Paulo Fernandes!
      Seguimos a escrever, com genica, a passar para o papel aquilo que se passa no mar.
      Obrigado pelo seu incentivo!


      Abraço
      Vitor

      Eliminar
Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال