MAR: AS SAÍDAS DE ÁGUA DOCE ATRAEM ROBALOS. PORQUÊ?

Sabemos que onde há uma possibilidade de um peixe tirar vantagens das suas características fisiológicas, isso irá inevitavelmente acontecer.
Os robalos têm a capacidade de conseguir suportar um largo coeficiente de variação de salinidade. Podem viver com toda a tranquilidade num ambiente marinho cuja alteração de teor de sal altera até de acordo com as marés. Por isso entram nos estuários dos rios, e se sentem tão confortáveis a entrar até zonas onde se cruzam com peixes tipicamente de água doce.
Não é estranho ver barbos, tainhas, achigãs, robalos, todos misturados. É um processo que demora algum tempo, mas a adaptação acontece, e tem um nome: todos os seres vivos, animais ou plantas que suportam este regime dizem-se “eurialinos”.
Isto quer dizer também que todos aqueles que o não são, estão fora. Aqueles que não conseguem adaptar-se a esta flutuação de salinidade estão automaticamente excluídos de poder vir a beneficiar da possibilidade de encontrarem protecção e alimento dentro da foz dos nossos rios. E se há alimento disponível...


As saídas de água formam caneiros, e nas suas imediações há sempre animais eurialinos. Os robalos, “Dicentrarchus labrax” adoram estas zonas.


A quantidade de comida disponível nestes locais é sempre superior às zonas envolventes, e os predadores sabem disso. E tiram partido das suas capacidades para o conseguirem.
Hoje, a estrela da companhia é o robalo, um dos peixes mais emblemáticos da Europa.



Vejamos qual a sua distribuição global, para entendermos que estamos bem posicionados no mapa de existências: se não temos os maiores robalos (esses aparecem em Inglaterra, com cerca de 1 metro de comprimento, para 15 kgs de peso), temos pelo menos muitos.
E estamos relativamente longe de necessitar de medidas desesperadas de conservação, como fizeram os franceses, em que o país foi dividido a meio, sendo interdita a sua pesca numa das metades e autorizada a captura de dois peixes / dia, na outra.
O parente americano, o “Striped Bass”, cresce bastante mais, até 1,3 mts de comprimento, e são comuns os exemplares de 5 / 6 kgs. Também nos Estados Unidos esta espécie esteve ameaçada. Durante décadas pensou-se que estaria quase extinto, mas graças a um programa conservacionista, foi possível recuperar este peixe, e hoje os pescadores debutantes, ou crianças, não têm dificuldade em conseguir alguns de bom tamanho. Esperemos não vir a necessitar de interditar a pesca a um peixe que nos dá tamanhas alegrias, está nas nossas mãos proceder à libertação de todos os exemplares juvenis.


Mapa com a distribuição de robalos em todo o mundo. Como podemos ver, o nosso “labrax” é sobretudo um peixe europeu. 


Em termos de reprodução, essa acontece quando as águas arrefecem o suficiente. Peço-vos que reflictam neste ponto. Algumas das desovas de peixes verdadeiramente bem sucedidos da nossa costa, acontecem de Inverno, com águas frias.
Isso não é por acaso. É nesta altura que a maior quantidade de peixes que poderia “roubar” as desovas ao robalo, ou dos sargos, estão fora. As ovas são pelágicas, ou seja, flutuam em águas livres e por isso são acessíveis a todos aqueles que delas se queiram alimentar.
Em Janeiro temos muito menos peixe miúdo junto à costa, onde o robalo desova.
Na nossa costa, aquilo que é o padrão é termos robalos ovados, com as gónadas completas, entre Janeiro e Março. Ou seja, quando as águas estão de tal forma frias que tudo o que é carapau, cavala, etc, estão fora. Este abaixamento drástico de temperatura é o sinal, o estímulo, para o robalo iniciar a sua reprodução. Falei-vos em comportamento padrão. Mas podemos ter situações em que a água não arrefece o suficiente, e isso inibe o normal desenrolar desta operação de desova. Nesse caso, os peixes acabam por redirecionar as suas reservas energéticas, não para a formação das ovas, mas sim para o seu próprio crescimento corporal. Eles sabem que os peixes miúdos ainda estão junto à costa, (a temperatura da água ainda lhes permite isso), e assim sendo, retardam a reprodução, a maturação dos ovos e a sua fertilização são atrasadas, o que leva a que as larvas de minúsculos robalos nasçam mais tarde. E isso é um problema grave.
Se é verdade que este atraso vai fazer um compasso de espera até que as águas arrefeçam mesmo, e isso liberta pressão relativamente aos “ladrões de ovas”, por outro lado faz com que passe um período invernal, em que o defeso natural provocado pela agitação marítima seja aproveitado. Para espécies que são tão procuradas quanto a pesca profissional o faz com o robalo, porque rende dinheiro, isso é um problema complicado em termos de manutenção e sustentabilidade da espécie.
No mar, as espécies adaptam os seus ciclos reprodutivos aos ciclos de vida das suas potenciais presas. O intuito é que as larvas, ao nascer, tenham de imediato alimento em abundância. Isso garante o sucesso da ninhada, e quando multiplicado por milhões, o sucesso dessa operação geral de desova. Ora o robalo alimenta-se de zooplâncton quando nasce. O pico de existência de zooplâncton na nossa costa acontece no início da Primavera. Quando as “mães” robalo atrasam as suas posturas, acabam por falhar este “pico” de abundância e isso é pernicioso para a espécie. Acabam os alevins por ter de enfrentar um período de escassez, de baixa disponibilidade de alimento, o que pode colocar em perigo a sua vida. Por isso acontecem anos melhores e outros piores, em função da boa conjugação de todos estes factores.
Os afluentes que desaguam directamente no mar, têm um papel importantíssimo na criação de vida e consequente permanência de robalos ao longo do ano. Vejamos de que forma isso acontece.


Uma saída de água doce cria condições para que os elementos bioquímicos actuem na sua plenitude e que a criação de zooplâncton seja máxima.


Aquilo que pode por nós ser considerado menos bom, um esgoto, um ribeiro que despeja sedimentos, é no entanto algo que significa vida e potencial de criação de peixe.
A cadeia alimentar forma-se a partir do fitoplâncton, zooplâncton, pequenos peixes que comem este e a partir daí, os peixes que comem os mais pequenos.
Nas imediações destas saídas de água há sempre robalos. Na zona de Setúbal, é o caso da Ribeira da Comenda, que sendo um local muito visitado pelos veraneantes, não deixa de, às horas certas, ter peixes de bom porte a alimentar-se daquilo que existe na zona. Costumo detectar sobretudo a presença de robalos jovens, e muitas bailas, que acorrem às zonas mais baixas a procurar aquilo que o seu reduzido tamanho lhes permite capturar: crustáceos, pequenos peixes, pequenos cefalópodes. A existência de posturas de choco durante todo o ano ajuda a que se fixem na foz da ribeira.
Muitos deles irão mesmo proceder à sua primeira reprodução dentro do rio. Lembro-vos que a primeira maturação do robalo acontece aos 34 cm, nos machos, e 38 cm, nas fêmeas.




Pensarmos em termos de cadeia alimentar traz-nos dividendos. Não adianta pensar que podem existir peixes miraculosos em zonas sem alimento.
Pese embora a dispersão de robalos ao longo de toda a costa, na verdade há zonas bem mais querençudas que outras e isso acontece porque algumas delas favorecem bem mais a criação de pequenos micro-organismos que outras. E as ribeiras, as saídas de água doce, encaixam nesse padrão.




O robalo procura avidamente pequenas presas, e por isso, não temos de lhe atirar com “cachuchos” de amostras de tamanhos longos.
Pequeno é bom, e não são necessariamente as amostras grandes que pescam os robalos grandes. Ficariam espantados se vissem a que minúsculas amostras se lançam robalos de muito bom porte. De acordo com as épocas do ano, e concretamente com as temperaturas das águas, assim eles escolhem comer grande, ou optam por pequeno.
O processo já aqui foi explicado há meses, com muito detalhe, e podem revisitar esse tema. Digo-vos, “en passant”, que as águas frias impulsionam o robalo a ingerir presas maiores, tainhas, cavalas, carapaus, e as águas quentes dirigem as suas atenções para pequenos peixes, alevins, camarões, etc. Tem a ver com questões homeostáticas, de digestão e dependem da quantidade de oxigénio diluído na água do mar.


As zonas costeiras entre marés, são muito mais importantes do que pensam. É aí que se cria muito do alimento que os peixes irão obter ao longo do dia.


Locais que ficam cobertos e descobertos, são de tal forma importantes que deveríamos ter muito mais cuidado na sua preservação. É aí que os camarões crescem, e também muitos dos alevins de peixes que não conseguiram chegar aos estuários dos rios. Na foto acima, a existência de dois dedos de água basta a umas centenas de camarões que se escondem e alimentam debaixo das algas. Na enchente, será aqui que os sargos e robalos irão procurá-los.


Assim que a água de maré entra, estas zonas passam a ser procuradas por todos aqueles que sabem que a comida está aqui. Nunca está nas zonas mais fundas, onde a disponibilidade de acesso de todas as espécies de peixes é total, e, por isso mesmo, essa comida tende a rarear.


Também é aqui nos baixios que os futuros grandes robalos da nossa costa irão tentar a sua sorte, tentar criar-se, crescer, ganhar tamanho e forças para um dia nos partirem linha e deixarem os nervos em franja.
Mas de momento, enquanto forem assim tão pequenos, tão indefesos, merecem de nós todo o carinho, toda a atenção, no sentido de os ajudarmos a serem gente, a conseguirem realizar o grande milagre da vida. Proteger os robalos pequenos, ...sempre!


Robalo juvenil de 5 cm. Um dia será grande, mas vai precisar de toda a sorte do mundo.


Por isso são tão importantes as zonas entre-marés, porque proporcionam um habitat perfeito para a criação dos robalos jovens (e todos os outros peixes e moluscos), e também a comida de que se alimentam. Tudo é proporcional neste mundo tão causticado por condições adversas, a começar pela existência de marés que os inundam e poem a seco, a cada seis horas. É muito duro conseguir sobreviver nestas condições.


As plantas abrigam milhões de pequenos seres, que irão crescer, desenvolver-se, reproduzir, e serão a comida disponível dos grandes peixes de amanhã.


Um dia, não muito longe destes locais, estaremos nós, de cana na mão, a lançar as nossas amostras, na esperança de conseguir motivar uma picada de um dos grandes mastodontes do nosso mar. Isso só acontecerá se soubermos respeitar o tempo de criação, se não formos demasiado apressados a colher aquilo que obrigatoriamente necessita de tempo para se fazer. Um robalo grande leva uma dezena de anos a chegar a esse peso, e se o queremos grande e a lutar connosco, temos de saber esperar.


Zona muito bonita para lançar amostras, um palco perfeito para conseguirmos um dos grandes.


A quem serve a captura de um juvenil, um pequeno robalo que não passa de um projecto do grande peixe que será um dia, se tiver muita sorte?
Como podem as pessoas ir dentro de um estuário e capturar com anzóis mosca, e um balde de minhocas, robalos com poucos centímetros para “fritar”? Que consciência têm essas pessoas para cometer semelhante crime?!


Este peixe precisa de gestão, de carinho, de amor por uma espécie que tantas alegrias nos dá. Não precisa de anzóis lançados na sua direcção.


O blog e a empresa GO Fishing Portugal, juntam vontades no sentido de não permitir que estes crimes aconteçam. Por isso mesmo, nunca aceitámos ter à venda anzóis abaixo de determinados tamanhos, ditos por muitos de “muito grandes”. Sim, os nossos anzóis nunca permitirão a captura de peixes deste tamanho. Nunca servirão para que esses ditos “pescadores” façam isto. Nunca!
Sei que os leitores do blog peixepelobeicinho.blogspot.com estão connosco, sei que nos apoiam do fundo da sua alma de pescadores sérios e conscientes.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Excelente artigo! Temos todos de respeitar este bonito e perspicaz animal. Apesar da sua capacidade extraordinária de adaptação a quase todos os cenários de costa e estuários, não vingará se forem dizimados durante os seus primeiros anos de vida. A captura excessiva ( pesca comercial ) de grandes robalos durante o período da desova também poderá não ajudar, perante um contexto de diminuição desta espécie de ano para ano. Um abraço! Rui Alves

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    Respostas
    1. Boa tarde Rui Alves

      Não podia estar mais de acordo. Penso que o ponto que toca é muito importante: a captura dos reprodutores na época de desova é um tiro no pé de todos, mas sobretudo daqueles que os pescam à rede, para vender. Serão esses os primeiros a sofrer na pele os efeitos de não haver. Os profissionais fazem com as suas atitudes a cama em que se irão deitar.
      Na minha óptica, um defeso rigoroso durante três meses poderia fazer mais pelo robalo do que todo o resto de medidas juntas. A questão coloca-se ao nível da consciência cívica de cada um, e sabemos o que isso significa quando se fala em dinheiro. Sim, porque se para nós um robalo é uma fonte inesgotável de sensações, de nervos, de entusiasmo, para os profissionais é pouco mais que uma nota de alguns euros.
      Quanto aos que vão dentro dos estuários pescar robalos com 12 cm, ....não são pescadores, serão tudo menos isso. Serão porventura qualquer outra coisa.
      Nós pescadores não nos revemos nessas atitudes. A diferença é demasiado grande para que possa haver qualquer ponto de contacto...


      Abraço
      Vitor

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