Não são bem amados.
Trata-se de um peixe que pontualmente surge nos pesqueiros em quantidades que rondarão as centenas, e que, dada a facilidade da sua captura, acaba sempre por deixar as caixas compostas. Mas ninguém se refere a eles como sendo um peixe troféu, porque não o são.
Um besugo grande, com o tamanho máximo, não deixa rasto se não tiver a seu lado uma remessa de congéneres. Não se diz “pesquei um besugo”, diz-se “fiz uma caixa de besugos”.
O número de exemplares conta, e “pontua” como pesca, mas apenas se for desmedido, se a quantidade e qualidade for significativa. O tamanho dos peixes tende a ser muito homogéneo, como se fossem todos da mesma idade, da mesma criação. É impossível que assim seja... há cruzamentos de peixes nas suas zonas de acção, normalmente areais, ou ainda melhor, em zonas de lodo, de vasa.
É aí que eles gostam de procurar os vermes arenícolas, ou os minúsculos búzios, (que lhes conferem um sabor a “fénico”, uma mistura de ácido fenol, algo como C6H5OH, ou ácido carbólico) e outros liliputianos seres de que se alimentam.
Mas aceitam sem constrangimentos qualquer outro tipo de comida, e se querem saber, os besugos lançam-se sobre os nossos jigs. O que indica que também comem pequenos peixes vivos.
Reparem no contraste entre este espárida, (Pagellus acarne), ou para os ingleses mais simplesmente Axyllary seabream, e outros peixes que conhecemos bem, e a quem dedicamos uma reverência que nunca será apanágio dos besugos: um robalo, uma dourada, um pargo, são peixes individuais, ainda que sejam peixes que pontualmente evoluem em cardume.
Já vi com os meus olhos cardumes com muitas centenas, eventualmente milhares de robalos, (alô nuvens de robalos da Nazaré!). E todavia, pescar um robalo conta, mas um besugo não.
Quando chegam ao pesqueiro, chegam em força, sempre muito voluntariosos, decididos a comer. |
É um peixe muito vulgar, sendo corrente encontrá-los a partir dos 60 metros, até aos 120/ 130 metros de fundo. A sua pesca não tem exigências técnicas particulares, mas se possível, deve ser feita com carreto eléctrico. É maçador e esgotante subir dois a três besugos por lance, à mão, sobretudo quando os pesqueiros são um pouco mais fundos.
Os besugos são peixes que parece terem sido pensados para os pescadores de linha menos dotados: comem de tudo, e em termos técnicos basta fazer-lhes chegar a isca ao fundo. Caso o pescador não faça nada, acabam por ser ferrar sozinhos. Como podiam ser mais perfeitos?!
Não são exigentes com o número do anzol, ou sequer com o diâmetro da linha. Tudo lhes serve. A sua voracidade, a sua determinação de engolir qualquer tipo de isca, casam na perfeição com a maioria dos nossos pescadores de fim de semana, ávidos de emoções e de algo que faça peso, que tenha força, que lhes dê a sensação de estarem efectivamente a pescar a sério.
Quando as pessoas ficam demasiado nervosas, quando a sua expectativa de capturas é superior aos seus dotes técnicos, e desatam a querer ferrá-los mais depressa do que aquilo que eles conseguem abocar a isca, acontecem algumas tentativas frustradas. Nesses casos, folgar a linha e deixá-los “trabalhar” a eles próprios pode ser uma boa estratégia.
Aquilo que está a acontecer no fundo, (ou próximo dele, uma vez que por vezes os cardumes estão tão sôfregos para engolir as iscas que começam a subir, tal como fazem os seus congéneres gorazes), é que os peixes entram em frenesim alimentar. Quando todos os peixes de um cardume de centenas de besugos querem prioridade no ataque às iscas, aquilo que acontece é que passamos a ter peixes alvorados, a dois ou três metros acima do solo. O exagerado tamanho da sua boca faz o resto: desta competição frenética resulta um verdadeiro suicídio em grupo.
O besugo nunca terá da parte dos pescadores mais consagrados uma imagem tão nobre quanto um pargo, mas há muita gente que pesca esta espécie pela facilidade de conseguir fazer quilos de peixe muito rapidamente. Quando o objectivo é comer o peixe pescado, e não propriamente conseguir um troféu, passa a ser uma opção tão válida como qualquer outra.
A sua conservação em frio é difícil, perdendo muito quando não consumido em fresco. Grelhar um besugo pescado há poucas horas, com escama, é de facto agradável. Mas um besugo congelado há duas semanas tem um valor culinário baixo.
Por isso mesmo, a sugestão é a de se oferecerem aos amigos os peixes que se supõe não poderem ser consumidos no dia da sua captura.
E aí, fazemos muita gente feliz, no dia certo.
Vítor Ganchinho