PESQUEIROS - PORQUE MUDAM AO LONGO DO ANO - CAPÍTULO I

Sou por vezes contactado por pessoas que me confessam não conseguir entender a razão pela qual conseguem alguns peixes em determinados dias, e vão depois ao mesmo sítio, nas mesmas condições, horário, iscas, etc, passados uns meses, por vezes semanas, e nada acontece. Não está lá nada!
Não conseguem encontrar explicações. Atribuem estas discrepâncias de resultados a factores como a pouca sorte, a haver cada vez menos peixe, a excesso de pressão de pesca profissional, etc.




De facto, quando retiramos peixe de um determinado habitat, esse peixe não fica lá, logo existe menos. A pesca extractiva não soma, nem sequer permite manter, apenas retira.
Porque não vamos colocar peixe na água do mar, e por norma nem sequer praticamos captura e solta, mas sim o contrário, é natural que exista menos.
Mais que isso, poderíamos interrogar-nos sobre o comportamento do peixe que vê reduzidos os efectivos dos seus congéneres. Como reagem a uma desertificação de elementos da sua espécie?
Isso será para eles positivo por ficarem com menos concorrência, logo mais alimento disponível na zona? Ou será que irão procurar outras pedras onde podem encontrar outros peixes e evoluir em cardume?
De que tipo de peixes falamos? Se há aqueles que adoptam uma postura solitária, e a quem haver menos concorrência até ajuda, também há outros que preferem caçar e/ ou permanecer em grupo, e aí, o número de efectivos conta.
Um outro factor a ter em conta é o tema reprodução. Mesmo os mais empedernidos solitários acabam por procurar outros, no momento de preparar a desova.
Para além de todos estes dados, que aqui lancei de forma absolutamente avulsa, temos ainda a considerar a regularidade com que um pesqueiro é explorado, a quantidade de vezes que iscas ou amostras passam pelos fundos.
Todos e quaisquer habitats, por melhores características e riqueza de fundos, necessitam de repouso de pesca, de descanso, de alguns dias ou mesmo semanas de “não pesca”.
Por isso eu faço rotação de pesqueiros, não os massacro dias e dias seguidos, ainda que saiba terem peixe.
Sobre sorte não me pronuncio, porque não acredito nisso, não é um factor mensurável, e nada tem de científico. Sorte é algo que não entra no meu vocabulário, nunca, pelo que invariavelmente passo ao lado.
Como costumo dizer... quem pouco sabe muito reza...




Vamos pelo lado factual, pelo lado da experiência de mar e da observação de comportamentos. Parece-me que há factores bem mais importantes que, e esses sim, determinam a presença ou ausência de peixe nos pesqueiros.
Assim sendo, e tentando ajudar a encontrar respostas possíveis para estas questões, ocorre-me responder que essas pessoas não estão a considerar uma série de elementos que me parecem ser importantes: a natural sazonalidade da pesca ao longo do ano, a intermitência com que o peixe vai à pedra, em função das semanas e consequentes marés que chegam progressivamente a diferentes horas do dia. Devido à rotação da Terra para este, as marés deslocam-se para oeste. Se nos fixarmos num determinado ponto, cada preia-mar ocorrerá a cada 12 horas e 26 minutos e o tempo decorrido entre a baixa-mar e a preia-mar é de aproximadamente 6 horas e 14 minutos. Como a rotação da Terra demora 24 horas e 50 minutos e o dia solar médio é de 24 horas, em cada dia as marés ocorrerão cerca de 50 minutos mais tarde. Grosso modo, sabemos que se num fim de semana temos maré vazia, no fim de semana seguinte teremos maré cheia, sensivelmente à mesma hora.
Também os peixes são afectados pelas diferenças de temperatura da água ao longo dos dias, e ainda a possibilidade de ter ou não condições para conseguir caçar a determinadas horas do dia ou da noite. Pode nem haver água no pesqueiro, nessa vazante...
Propositadamente “afunilei” estes itens de uma estrutura anual até à unidade mínima, o dia, a hora. E neste trabalho vamos ver como é forçoso que a entrada de um peixe à pedra onde costuma comer seja... irregular.
É mesmo assim, não há possibilidades de haver sempre peixe nos mesmos sítios. Porque tudo muda à sua volta, o peixe também tem de mudar!




Mas para onde vai o peixe? Porque desaparece de um dia para o outro?
Trata-se de um processo evolutivo, nunca igual, que é irregular por necessidade dos peixes que perseguimos. Eles não podem fazer de forma diferente.
Ser-nos-ia conveniente um processo estático, previsível, que pudéssemos entender. Em suma, sempre igual. Mas isso é precisamente aquilo que os nossos peixes não nos podem dar…
Podemos analisar aquilo que acontece ao longo do ano e que limita severamente a quantidade de peixe disponível num determinado spot de pesca.

Vejamos o caso dos robalos, um peixe emblemático para todos os pescadores portugueses.
Em tempos de águas frias, invernais, o robalo junta-se em cardumes de dezenas ou centenas de indivíduos, procede à desova e a seguir afunda para cotas de termoclinas mais favoráveis.
É o tempo em que ninguém os pesca de costa. Estão longe, acantonados em fundões onde reduzem a sua actividade ao mínimo, por vezes limitados a poucos minutos/ dia de alimentação. Na minha opinião, este é o momento em que o nosso robalo fica mais fragilizado.
Depois de algumas semanas em que ocupou todo o seu tempo e concentração no acto reprodutivo, e em que perdeu peso e energia, segue-se uma descida a maiores profundidades. As concentrações de peixes chegam a ser de muitas centenas. Perigo máximo! Um lance de arrasto bem sucedido pode matar centenas de peixes num só golpe! Uma rede bem colocada no caminho destas majoas de robalos pode ser o fim de inúmeros peixes em idade reprodutiva. E isso é uma perda irreparável para a espécie.
Os locais onde se juntam são relativamente bem conhecidos. Em Sines, nesta fase, pescam-se a... 120 metros de fundo, com jigs. Isso quer dizer algo sobre as suas necessidades e capacidades de deslocamento.
Um peixe habituado a comer à superfície e de um momento para o outro vai atacar um jig a semelhante profundidade?! Se estão ao largo, a cotas tão profundas, é certo e sabido que nos pesqueiros onde se lançam amostras e se ferram peixes de Verão, durante o Inverno... não estão lá. Obviamente.




Temos a seguir uma fase em que o retorno à costa é progressivo, e felizmente, feito em pequenos grupos, distanciados entre si. A entrada de cardumes de comedia determina a subida mais ou menos precoce destes peixes e depende em grande medida da temperatura das águas. Podemos considerar que os meses de Março, Abril, meses primaveris, fazem esta inflexão, o retorno a cotas mais acessíveis a quem pesca à linha. É o tempo de os encontrarmos a 30/ 40 / 50 metros de fundo, onde procuram peixes como os carapaus de pequeno tamanho, sardinha miúda, eventualmente estarão em cima das galeotas, na areia. Nesta fase, recuperam parte do peso perdido com a desova e o alto consumo de calorias provocado pela baixa temperatura das águas.

À medida que as águas aquecem, digamos até final de Maio, vamos tê-los a deambular pelas pedras, cada vez mais próximos da costa, em cardumes de algumas dezenas de peixes, a caçar em conjunto.
É o tempo de procurarem os caranguejos verdes, os camarões que abeiram as saídas das pedras onde os safios já vivem, recuperando os seus postos de caça. No Inverno, as tocas de safios ficam desertas, eles descem aos 100/ 200metros, onde encontram também eles melhores condições.
Mas este é o tempo de voltarem, e os camarões passam a fazer-lhes companhia. Os robalos sabem bem onde os podem encontrar.
Devem entender estes processos como algo que está umbilicalmente ligado. A cada instante, uma espécie depende de muitas outras. A pedra de toque é a existência, ou não, de condições para que as coisas aconteçam. Se for rentável para uma espécie estar a um determinado nível de profundidade, estará, sem dúvida. É da conjugação de inúmeros “pequenos detalhes” que se fazem as concentrações de peixes nos pesqueiros, e as nossas pescarias dependem em absoluto disso.
Não confundir a presença de vários peixes isolados, numa mesma zona, e um cardume de peixe, compactado. Não é igual.
Quando chega o Verão, quando as águas aquecem o suficiente, os robalos já encostaram à costa e estão a caçar de forma cada vez mais individualizada. Isso, em termos de resultados de pesca, interessa-nos muito mais que ter dúzias de peixes juntos.




Com águas quentes, a chegada dos robalos às pedras é feita a horas limite do dia, ou aos primeiros raios de sol, cedo, ou a horas muito vespertinas, ao pôr do sol. Nesta altura caçam activamente os alevins, pequenos peixes que permitem uma digestão rápida, sem problemas de absorção de nutrientes.
Falamos aqui de questões homeostáticas. Há vários trabalhos científicos que concluem uma relação entre o aumento de temperatura e a acumulação de toxinas no organismo. Por isso mesmo, os peixes nesta fase do ano caçam peixes pequenos, mais fáceis de digerir. As grandes cavalas, bogas, carapaus, ficaram para trás, por serem uma carga demasiada para o organismo. A mesma quantidade, o mesmo peso, mas em peixe miúdo, permite um processamento orgânico muito mais rápido, e menos desgastante.
Não são difíceis de entender as razões desta questão, pois basta recordarmos o princípio da aceleração do metabolismo dos peixes perante incrementos térmicos.
A temperatura da água é um dos factores decisivos na fisiologia dos peixes. Os peixes são seres cuja temperatura do organismo está sempre muito próxima da que existe no respectivo meio que os rodeia.
O ritmo das reacções bioquímicas está por essa razão muito dependente do meio ambiente. Os animais de “sangue frio “, como os peixes, regulam a temperatura do seu corpo comportamentalmente e não fisiologicamente. Por outras palavras, têm de se movimentar para zonas mais quentes, se quiserem e necessitarem de estar mais quentes.
E isto já nos dá uma pista sobre a questão da presença ou não deles nos nossos pesqueiros... mas vamos ter de saber mais coisas antes de uma conclusão final.

Amanhã vamos “escarafunchar” neste aspecto, que tem muito que se lhe diga... e seguir o raciocínio para a grande fase da pesca ao robalo com artificiais: o Outono.



Vítor Ganchinho



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