CHEGARAM E FORAM CILINDRADOS...

No final da Primavera, principio do Verão, chegam-nos os sargaços. Transportados pelas correntes de águas quentes, são um sinal de que a temperatura das águas da costa estará finalmente a mudar. Passamos muito rapidamente dos 14ºC de Inverno para os primaveris 18ºC, por vezes no espaço de poucas semanas. 

Os sargaços trazem debaixo de si ilustres visitantes: os pampos. De nome científico “Balistes Carolinensis”, ou capriscus, estes simpáticos peixes gozaram durante algumas décadas do estatuto de peixe menor. Porque não eram conhecidos, e nós desconfiamos de tudo o que não conhecemos, por não serem particularmente vistosos nas suas cores cinza, porventura porque a ausência de escamas e a baba que a sua pele grossa larga ao secar os torna menos aceitáveis aos olhos dos consumidores, e ainda porque na gíria popular são apelidados de “peixe-porco”, (dados os sons que emitem ao ranger os poderosíssimos dentes). 

A verdade é que por diversas razões nunca foram um ente querido dos pescadores lúdicos portugueses. E continuam a não ser. A facilidade de captura não enobrece o acto, são completamente destituídos de qualquer tipo de desconfiança, e isso torna-os de tal forma fáceis que nos provoca desinteresse. Esmorecemos quando as coisas nos aparecem fáceis demais. Com efeito, ter peixes destes à volta do barco à espera de um anzol, parados à superfície, desanima o mais empedernido pescador. Não dão luta, no sentido de não serem difíceis de convencer a morder um anzol. 


O apelido destes peixes, em inglês, é de Trigger Fish. Peixe gatilho. O espigão vertical que veem na dorsal desmobiliza qualquer predador, porque o conseguem bloquear de tal forma que algum peixe que os engula, irá passar muito mal. A não ser que esse peixe seja um gigantesco Marlin, e esses sim, …comem-nos. 


Posso dizer-vos algo mais sobre estes curiosos peixes: ano após ano, frequentam os mesmos locais, são muito regulares, colonizam as mesmas pedras. E isso joga imenso contra eles. É verdade que procuram locais com comida em abundância, descurando até um pouco a segurança. Isso é a sua perdição, mas não acontece por acaso. 

Um peixe pelágico, que passa meses no alto mar, necessita repor as suas energias de forma rápida. Quando nos chegam à costa, aparecem-nos em mísero estado, esqueléticos, secos de carnes ou não fosse o azul do oceano algo com muito pouca vida. Consequentemente, com poucas oportunidades de fornecer alimento. 

Recorrem às suas reservas de gorduras e quando estas chegam ao fim, oxidam proteínas do próprio corpo. À chegada, estão finos, sem músculo, e são de uma inutilidade gritante na cozinha. Mas ainda assim, há quem não lhes perdoe. Vamos ver a seguir como fazem as pessoas que os pescam. 


Os pampos adultos podem chegar entre nós aos 2 kgs. Crescem mais, mas são exemplares raros, não correspondem ao padrão normal, a um standard que não excede 1 kg. 

Quando avistam a costa e parece que finalmente irão ter algum alimento e descanso, eis que lhes chegam as traineiras e as suas redes de cerco. Os locais onde se concentram têm pedra, alguma, mas pedra baixa, com pouco relevo. As redes de cerco são lançadas quando o cardume se deixa ver quase à superfície. Para isso, alguém sobe à zona mais alta da embarcação e procura descobri-los a meia água. Não são difíceis de ver, em dias de mar calmo até podem deixar-se balançar à superfície, com a dorsal fora de água. Um pequeno bote com um motor de baixa potência é arriado e transporta a ponta da rede à volta do cardume. Fechado que é o circulo, e com os peixes no meio, os cabos são puxados, fechando o copo. Todo o cardume fica dentro. Centenas de peixes morrem de uma assentada, sendo que irão ser vendidos ao desbarato, inevitavelmente. A procura não é tanta que dê escoamento em tempo útil. Por isso, o argumento “preço baixo” é a arma mais corrente. O consumidor paga-os no mercado e em algumas grandes superfícies do país por valores que chegam aos 15 euros/ kg, ou seja, não muito longe do preço de um robalo. Mas são vendidos por preços irrisórios em lota, ainda assim suficientemente compensadores para tapar as despesas do dia. 

A sua carne aguenta congelamento, é firme e resulta de um tipo de alimentação variada, em que os mariscos são prato forte. Com efeito, comem sobretudo mexilhões, perceves, navalheiras, santolas, lagostas, etc. A sua dentição fortíssima dá-lhes para cortar e esmagar carapaças que a outros peixes impõem respeito. Já os vi a dilacerar por completo um polvo de 5 kgs. Só recentemente entraram no quotidiano da alimentação nacional, o que ainda assim lhes deu algum tempo de sossego. Neste momento já não o têm, e presumo que não irão durar demasiado. Vamos ver mais detalhes a seguir. 



 

Conheço alguns locais onde se juntam aos milhares. Ou melhor dizendo,  juntavam, antes de começarem a ser dizimados pelos pescadores profissionais. 

Neste momento, o espaço de tempo que medeia entre a sua chegada e a sua captura é de, sensivelmente, 2 a 3 semanas. O que quer dizer que nem tempo têm para repôr o seu peso normal. São vendidos ainda em peso escorrido, com interesse muito relativo. Tenho vindo a observar a pesca dirigida de que são alvo, e fico com pena, porque num dia passo no local e existem centenas, no dia seguinte, está lá uma traineira e vejo as redes a subirem com centenas deles. A seguir, é o deserto, não fica nada. A sua incapacidade de defesa deve fazer as delícias de quem, à falta de melhor ou capacidade para mais, enche os porões da traineira com estes esforçados viajantes. 

Perdem os miúdos, aqueles que se iniciam nas lides da pesca, que neles encontram um oponente com peso e acessível às suas reduzidas capacidades técnicas, perdem os turistas, que ficam pasmados a olhar para os peixes à superfície, encostados ao barco. 



 

Este ano, entre a chegada e o inicio das hostilidades das traineiras, não passaram sequer duas semanas. 

Se estes peixes não têm qualquer interesse desportivo, a dificuldade da sua captura é inexistente, têm pelo menos interesse culinário. Um pouco de pimenta, sal, louro, alho, e muito limão. Ficam a marinar algumas horas. Os filetes são panados e são servidos com um arroz de tomate a acompanhar. Experimentem. Vão ver que também ficam com pena que as redes não os deixem sequer largar as malas de viagem... 


4 Comentários

  1. Dos melhores peixes que já comi! Prefiro muito mais em filete do que grelhado, gosto pessoal.
    Que outros peixes aguentam bem o gelo? Já ouvi dizer que por exemplo cavala é um peixe mau para congelar

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    1. Bom dia! As cavalas são óptimas para comer, mas, para além de um manuseamento muito cuidado, uma boa geleira para preservar a sua qualidade, devem ser cozinhadas no próprio dia. A partir daí, ...acabou.

      Abraço
      Vitor

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  2. Fernando Santos29 julho, 2022

    Cá em casa são considerados um pitéu. Seja frito ou em caldeirada. Só tenho pena é a tareia que levam das redes.

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    1. Bom dia Fernando


      Os pampos são aquele peixe que brilha muito mais na cozinha que no acto de pesca. Mas são cada vez menos, as traineiras dão conta deles.
      Com paciência encontram-se, mas cada vez é mais dificil.

      Há outros....


      Abraço
      Vitor

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