PESCA AO ROBALO - CADA VEZ MAIS PESSOAS QUEREM AQUILO QUE HÁ MENOS...

Não saímos de casa a pensar em ir pescar bogas ou cavalas. Ora bolas, …é pena.
É pena porque dessas ainda há muitas, temos às toneladas.
Mas aquilo que queremos são robalos, são pargos, são douradas e todos os outros peixes que fazem brilhar os olhos e enchem de inveja a quem espreita a nossa caixa, ao chegarmos ao cais.
Valorizamos mais aqueles que são julgados mais mediáticos, mais apetecidos, até pelo estatuto de ordem técnica que aportam ao pescador. Na verdade, ninguém se orgulha sobremaneira de fazer uma pescaria de bogas, mas quando passamos a robalos, podemos sentir o peito inchado daqueles que os trazem a terra.
E todavia, as possibilidades de sucesso serão cada vez menores. A pressão de pesca, quer a lúdica quer a profissional são tremendas, dia e noite, e os peixes têm cada vez menos condições para manter estável o  número de efectivos.
Em zonas mais remotas, menos visitadas, é ainda possível encontrar alguns peixes, e entre esses, alguns robalos de bom porte. Obrigam a um tipo de pesca mais específico, mais dirigido.
De tal forma a sua pesca é diferente da pesca ao robalo pequeno, que nem sempre as pessoas estão disponíveis para sacrificar o seu tempo, a sua paciência, inclusive a ter despesas, para tentar a sorte a um peixe que pode nem aparecer, ou se quisermos ser justos, quase nunca aparece.
É bem mais fácil procurar robalos de 1 kg que de 8 ou 9 kgs….
Os primeiros encontram-se porque são muitos, tropeçamos neles, os segundos são cada vez mais raros e acabam por fazer valer os seus 20 anos de vida... e fazem-se merecer.




Os peixes mais velhos não se pescam da mesma forma que os seus congéneres mais modestos. Porque nem sequer têm o mesmo comportamento em acção de caça, são bem mais reservados.
Tenho vindo a reparar, e com bastante frequência, que num episódio de mar muito corrente, uma correria desenfreada de robalos de tamanho médio a caçar por todos os lados, a fazer levantar peixe forragem, (as famosas “passareiras”, com peixe miúdo aos saltos fora de água), aquilo que se ferra é peixe que não excede determinado peso. Nesses momentos, seria natural que se conseguissem alguns exemplares de maior porte. Mas não, não é aí que as coisas acontecem.
Parece que todos aproveitam o momento, as gaivotas, os cagarros, e os inevitáveis alcatrazes, a fazer voos picados na direcção do desesperado cardume de miudezas, e uma imensidão de espécies de peixes que são oportunistas e aproveitam a situação, metros mais abaixo.
Todos comem, mas não exactamente como poderia supor-se. A agitação de um ataque de robalos poderia sugerir-nos que fosse nesse spot, nesse ponto localizado, que toda a acção tivesse lugar. E não é.
Acontece sim, mas um pouco ao lado. Os pargos e robalos grandes não seguem os mesmos instintos dos “imberbes” robalinhos de 1 ou 2 quilos. Esses, aparecem, quer pesquemos em zonas baixas com amostras ou vinis, quer em zonas um pouco mais fundas, com jigs.
Mas se utilizarmos a mesma técnica, a que nos dá os peixes de tamanho médio, o mais certo é que não consigamos um bom peixe, mas sim uma multitude de peixes mais pequenos. Teremos muitas picadas que nos entretêm, mas não aparece o grande...
Sabemos que os robalos mais jovens reagem rapidamente aos nossos artificiais, e sempre de uma forma mais franca e expedita que os “grandalhões”. Exactamente porque são novos, lançam-se desabridos sem olhar a consequências, excitados pela presença de isca, e pela concorrência que os procura suplantar. Mordem …e depois se verá.

Os grandes não reagem assim. Reparo muitas vezes que me aparecem manchas na sonda que se encontram isoladas, a algumas dezenas de metros do ponto quente. Normalmente encontram-se do lado para onde a corrente se dirige, o que em si já é uma pista.
Tenho vindo a explorar esta ideia, e os resultados são animadores. Encontramo-los em zonas onde, por comparação aos spots onde se encontram as majoas de robalinhos, parece nem terem vida.
Normalmente acontece por termos deixado o barco descair um pouco com a corrente, ou com o vento, e quase sempre em situações em que já nem contamos com a picada.
Essa acontece por vezes de forma inesperada, quantas vezes já completamente fora das pedras, em zonas vizinhas afastadas algumas dezenas de metros, onde se poderia supor um vazio de peixe, até porque a carga de vida na sonda é muito menor, ou inexistente. Pois é aí que eles se ferram.
Um detalhe que me parece importante e que muitas vezes é negligenciado por muitos de nós, é a “ressaca” de um ataque de golfinhos a um cardume de carapau ou cavala. Quantas vezes já me aconteceu sentir os golfinhos a caçar junto ao meu barco, encostando os cardumes à superfície, provocando alguns segundos ou curtos minutos de frenesim, de alvoroço, e quando tudo acaba, quando parece que já não se passa nada e tudo vai voltar à calma, eis que no fundo aparecem manchas de peixes. São pargos, são robalos, são bicas, a aproveitar os restos daquilo que sobrou.
É comida fácil para eles, são metades de peixes cortados pelos dentes dos cetáceos, são peixes que ficaram atordoados com as pancadas das caudas, e caem em folha seca na direcção do fundo. Isso é comida que não se perde, porque é …fácil.
Nestes casos, lançar um jig para o fundo, é muitas vezes sinónimo de peixe grande na linha.

Acredito que os grandes exemplares apreciam a calma, a tranquilidade, o sossego de um lugar onde parece não se passar nada, mas passa. Os grandes peixes têm uma autonomia tremenda em termos de captura de alimento.
Um robalo de 9 kgs de peso engole facilmente uma tainha com 1 kg, e isso dá-lhe para uns dias. Porque têm um poder de fogo acrescido, não precisam de caçar em grupo, e por isso não os vemos misturados com os “jovens” que ainda estão a desenvolver as suas capacidades. E isso explica a razão de não estarem no centro da acção. Não precisam. Comem quando as condições de luminosidade lhes são mais favoráveis, normalmente pela caída da noite, ou ao raiar do dia. Também os momentos em que surge uma tempestade, com levantamento de vaga, ajudam a que se decidam a caçar. Ou estas passareiras, em que decididamente não querem ser os protagonistas principais. Ficam de lado, a observar, e aproveitam o que lhes chega de mão beijada.


A saída do Tejo é local de peregrinação e passagem de robalos grandes...


Bem sei que gostariam que eu vos desse uma receita milagrosa, algo como “os robalos grandes picam sempre que acontece isto ou aquilo”, mas a verdade é que as variáveis são às dezenas e não há uma fórmula exacta que provoque o efeito que todos ambicionamos: ter robalos grandes a comer à desfilada, sem qualquer cuidado, a engolirem tudo aquilo que lhes mandamos. A pesca é sempre uma questão de oportunidade, de momento, e esqueçam as possibilidades de terem os peixes disponíveis para nós, dia e noite, sempre de boca aberta.
São ciclos de alimentação, uns dias em períodos mais longos que outros, de poucos minutos a algumas horas, e que acontecem mediante a existência das condições ideais para os peixes. As marés, as correntes e os seus níveis de força influenciam decisivamente a entrada em acção dos predadores. A um determinado momento, é como se houvesse um click, e todos começam a comer. Os que são comidos deixam a sua postura indolente e tratam de tentar escapar, e garantir mais algumas horas de vida. Peixe grande come peixe pequeno, e a dado momento, todos correm.
Nós somos a carta fora do baralho, não contamos quando os peixes decidem comer, ou não comer. E isso custa-nos, porque somos de um egocentrismo atroz, somos humanos e queremos que o mundo gire em torno das nossas conveniências. Bom mesmo era a pesca começar quando chegamos e acabar quando decidimos dar à chave do barco e vir embora. Mas a natureza tem regras que não são essas, e ainda bem que assim é.
Quando tratamos de peixes adultos, fartos desses carnavais de redes das traineiras, de amostras, de linhas e anzóis, a expectativa que possamos ter de os encontrar a lutar contra a corrente forte, de os vermos a correr à superfície atrás dos peixinhos miúdos, é algo que faz pouco sentido. Eles são os grandes e esses têm regras próprias, e podem ser pescados, mas cumprindo outros parâmetros. Podemos procurá-los em zonas com obstáculos naturais, como pontas de rocha, pedra partida com buracos ou furnas que garantam refúgio seguro, porque para estes peixes velhos, a segurança conta bastante. Por algum motivo chegaram a velhos...


Estas ressacas de ondas trazem sempre para junto da costa alguns peixes que vêm aproveitar alguma comida que apareça.


Devemos iscar com algo que seja de facto atractivo: um pequeno choco, uma lula, uma cavala, um carapau. Vivos, obviamente. Algo que os faça reagir, que os desperte da sua modorra, que os anime a avançar e abrir a sua enorme boca.
Os grandes exemplares necessitam de um estímulo extra, e nós damo-lo, apresentando algo que faça parte da sua dieta habitual, no seu melhor estado: a mexer e com o handicap da prisão da linha. Os peixes sabem bem o que é uma presa limitada e interessam-se por ela.
Provocar o click que faz o peixe interessar-se pela nossa isca, seja uma amostra ou uma isca viva, é já de si bastante compensador. Por vezes temos picadas que não resultam, por isto ou aquilo, em capturas. Por vezes a cavala desaparece-nos, após um esticão violento, e ficamos a olhar para o anzol limpo.
É voltar a tentar com ânimo. E outra vez e outra.
Pode não ser suficiente, pode acontecer que mesmo assim, nada consigamos, mas pelo menos sabemos que estivemos o mais perto possível de oferecer as melhores condições possíveis a um peixe, que se deixou seduzir pela nossa estratégia.
Os robalos grandes são peixes muito astutos, são velhos e sabem muito, mas, ainda assim, dependem do seu alimento para viver. Eles têm de comer.



Vítor Ganchinho



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