SINAIS QUE ELES DEIXAM...

Tubarões.

Temos deles uma imagem de predadores implacáveis, que deixam um rasto de morte e destruição por onde passam. Algumas pessoas entendem mesmo que não deviam existir.
Nada mais errado. Estes incrivelmente dotados peixes são seres que nos fazem muito mais falta do que nos parece. Devemos-lhes a limpeza cuidada e sistemática dos nossos oceanos.
O facto de se alimentarem de quase tudo aquilo que encontram, torna-os uns “varredores de lixo” preciosos, e que nos prestam um serviço impagável.
Peixes doentes, mortos, polvos, lulas, tudo aquilo que ficaria a promover o aparecimento de doenças, é limpo por estes incansáveis trabalhadores.
Os franceses chamam-lhes os “dentes do mar”, e não é por acaso. Temos entranhado em nós a crença de que um tubarão são dentes. Nada mais que dentes.
É uma mandibula que morde, que aperta, que nos aparece nos piores pesadelos e nunca para nos salvar.
A verdade é que salvam, e se mais não fazem é porque nós matamo-los indiscriminadamente, sem hesitar.
São mortos milhões de tubarões anualmente, por razões várias e nenhuma delas verdadeiramente aceitável. Senão vejamos o que fazemos com eles:
Em cosmética, que sobretudo as senhoras acham algo indispensável à vida, utiliza-se um tipo de producto de nome esqualeno. Trata-se de um lípido, uma gordura, que é obtida a partir dos fígados de tubarão.
O esqualeno e sua contraparte hidrogenada, o esqualano, são usados em cosméticos como emolientes.
Por sinal, a outra fonte de lípidos possível, e perfeitamente compatível na sua utilização, seria a obtida a partir de …azeitonas.
Só que, sendo as azeitonas algo bem mais sustentável, ainda assim o seu custo é mais elevado. O esqualeno derivado da azeitona é 30% mais caro do que a alternativa de fígado de tubarão.
Em cosméticos, 90% da indústria depende do azeite de fígado de tubarão e é responsável por 2.7 milhões de mortes de tubarões anualmente.
Também os fígados dos pobres dos tubarões são utilizados em vacinas, como adjuvantes, porque aumentam a resposta do sistema imunológico.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), são necessários cerca de 2.500 a 3.000 tubarões para colher uma tonelada de esqualeno.
Em contraste, o Instituto Olive Wellness estima que entre 77 e 1,250 toneladas de azeite (dependendo da casta, método de extração e nível de refinação) possuem a mesma quantidade de esqualeno. O azeite de oliva extra virgem tem os níveis mais altos de lipídios de qualquer azeite vegetal.
Se a captura acidental de tubarões, e que chegam mortos ao convés dos navios, poderia induzir-nos à ideia de que uma vez mortos não virá mal ao mundo se forem utilizados, pois queiram saber que a partir dessa directiva, todos os tubarões capturados nas redes passaram a ser entendidos como... ”acidentais”.
E passam a ser capturados em vez de libertados.
Mas não se fica por aqui a matança. A coberto da necessidade de esqualeno para vacinas, e da procura de soluções para a COVID 19, foram mortos milhões de tubarões por esse mundo fora. Há cerca de 300 vacinas anticovid em estudo e desenvolvimento, e que reclamam a necessidade de esqualeno na sua composição. Não deixa de ser curioso que nenhuma das já aprovadas utilize este ingrediente. O mundo da moda, saúde e negócios movimenta milhões…


Precisamos deles desesperadamente e matamo-los aos milhões... Se se vier a provar que o seu fígado contém um elemento indispensável à fabricação de vacinas anti-covid, a sina dos tubarões está traçada. 


Mas há mais factores de preocupação.
Pode pensar-se que os dentes dos tubarões são mais duros do que os nossos - afinal, eles têm colada uma imagem de grandes predadores.
Mas não é bem assim: uma equipa de cientistas alemães olhou com grande pormenor para a composição química e a estrutura dos dentes de duas espécies de tubarões e surpreendeu-se, ao descobrir que os dentes dos humanos não lhes ficam nada atrás.
Observados ao microscópio elctrónico, sujeitos a exames de raios X, bem como a análises químicas de bio mineralização, os dentes de tubarão revelaram que contêm um esmalte composto por fluorapatite, um mineral muito duro. Os cientistas estudaram assim os cristais de fluorapatite dos dentes dos tubarões, para ver como este mineral estava organizado e, com testes mecânicos, mediram a sua dureza. Verificaram que o esmalte é "altamente mineralizado", o que confere a dureza, como refere o comunicado. Por outro lado, o esmalte dos dentes humanos têm hidroxiapatite, um mineral menos duro do que o fluorapatite e que existe também nos ossos. Tudo isto fazia supor que os dentes dos tubarões seriam mais duros do que os nossos. Mas não. Como se explica então que tenhamos dentes tão duros como os deles?
"Isto deve-se uma estrutura microscópica e nanoscópica especial dos nossos dentes", responde Matthias Epple, cuja equipa publica agora estes resultados na Journal of Structural Biology. "Os cristais nos dentes humanos estão "colados uns aos outros" por proteínas, o que impede as fissuras de atravessar o dente todo", acrescenta. Os dentes dos tubarões não são tão duros quanto se supunha: a sua dentina, a parte onde assenta o esmalte, é mais elástica que a humana. Deste tipo de estudos pode surgir o desenvolvimento de novos materiais para aplicar em tratamentos dentários humanos.
Uma análise detalhada dos dentes dos tubarões mostrou que o “terror dos mares” tem um componente químico nos dentes indispensável para deixá-los fortes e garantir boas dentadas, Pesquisadores da Universidade de Duisburg-Essen, na Alemanha, analisaram profundamente a composição química dos dentes dos tubarões descobriram que esse componente é o flúor, o famoso ingrediente que consta de várias pastas dentífricas.
Podemos até ter dentes tão fortes como os dos tubarões, mas não é por isso que deixam de nos meter medo quando estamos na água. Os deles serão seguramente mais afiados. Como não sofrem os efeitos do açúcar, não têm cáries. E como têm a capacidade de ser continuamente substituídos, nunca lhes faltarão. E o que acontece aos dentes que são substituídos?
É isso que vamos ver aqui no blog já a seguir: caem no fundo do mar e são arrastados pelas ondas para as praias.
Nós temos milhões de dentes de tubarão a rolar nas nossas praias, outros tantos estarão incrustados nas arribas fósseis, (na loja GO Fishing em Almada está um em exposição bastante grande, de um Megalodon Carcharius), e outros tantos jazem no fundo do mar, à espera que alguém lhe pegue.
Abaixo, uma coleção de dentes que a minha filha Mafalda descobriu numa tarde de pesquisa:




Há muitos e em cada localização geográfica, mudam os feitios e os tamanhos, de acordo com os animais que viveram e vivem nessas regiões. É ver exemplos abaixo:





Enorme dente de tubarão! Não devia ser muito seguro estar na água com este bicho por perto...


Estas coisas valem dinheiro. Há quem os venda, mas é minha opinião de que se devem guardar, ou fazer a sua entrega a entidades e organismos que deles tratem ou eventualmente necessitem.
Os nossos cientistas podem recolher a partir daqui informações que para eles, serão úteis.



Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. José Pombal12 julho, 2022

    Tropecei neste blog quando andava a navegar por "sites" de pesca e fiquei imediatamente preso dele. A começar pela qualidade do texto. A maioria das pessoas que escrevem sobre pesca são sobretudo competentes a pescar, mas o Vítor reune felizmente as duas vertentes. Depois os temas escolhidos, de que destaco este que resolvi comentar. Porque não é um texto de pesca e suas técnicas puro e duro mas que se refere ao Mar, razão última de tudo isto. Sou pescador apeado há muito tempo e essas circunstâncias fizeram-me percorrer a nossa costa, maravilhosa e inacreditavelmente diversa. E por isso, para além de peixes, já me encontrei nas mais diversas situações e encontrei algumas coisas interessantes (pelo menos para mim) e não é a lixo que me estou a referir. Mas dentes de tubarão nunca encontrei. O mais perto que andei deles foi uma banquinha de artesanato que encontrei montada no lindíssimo santuário do cabo Espichel há mais de trinta anos. Fui informado que eram provenientes das arribas do local e, embora fosse jovem, abandonei rapidamente a ideia de os encontrar eu mesmo porque não tenho dotes de escalador. Agora, fui surpreendido pelo conjunto de dentes colectados pela Mafalda numa tranquila tarde de prospecção!! Na minha praia, aqui no Norte, não há de certeza senão já os tinha topado. E, a menos que a Mafalda seja uma escaladora exímia, aqueles achados sempre estiveram, afinal, ao alcance de um maduro como eu.
    Quando era bastante jovem e interessado por História e pelo Mar encontrei numa praia de Portugal onde morei bifaces de que recolhi alguns exemplares:

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Biface

    Um dia mais tarde, numa visita que fiz ao Palácio dos Duques de Bragança em Vila Viçosa, fui surpreendido pelos mesmos bifaces, produzidos pelos nossos antepassados há mais de 20 000 anos e recolhidos cerca de cem anos antes pelo Rei D. Carlos exactamente na mesma praia. Quem diria, eu e o malogrado rei, irmanados e emocionados por termos nas mãos objectos fabricados e utilizados pelos nossos mais ancestrais antepassados!!
    E à custa de percorrer arribas à cata de pesqueiros e de peixe, encontrei um rasto fossilizado que veio a ser reconhecido pela comunidade científica como sendo de um urso, que terá percorrido aquela costa no Pleistoceno:

    https://mail.google.com/mail/u/0?ui=2&ik=397ffc4378&attid=0.1&permmsgid=msg-f:1627081448602781644&th=16948df4f498c7cc&view=att&disp=inline&realattid=f_jsudjtjq1

    Agora dentes de tubarão nunca encontrei, talvez por não estar suficientemente atento. Ou então nunca pisei uma praia onde eles existem. E por isso fiquei agradavelmente surpreendido por esta sua excelente peça. Quem sabe, um dia, eu tropeçarei numa dessas peças, que juntarei aos bifaces que guardo há mais de cinquenta anos.

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    1. Bom dia José Pombal

      Fico impressionado consigo!
      Reconheço-lhe uma capacidade analítica superior. A forma como descreve as suas experiências confirma a excelência da pessoa que está por detrás das letras que nos deixa.
      Eu tenho um sexto sentido que me diz quem é e quem não é especial. E o José Pombal é!
      Deve ser bom ser seu amigo!

      Sobre a questão dos dentes de tubarão, e correndo o risco de estar a contribuir para a sua procura e rarefacção, deixe-me dizer-lhe que nós temos muitos locais onde pode encontrar dentes com alguma facilidade. Se uma criança com 12 anos o consegue, vamos admitir que um adulto também o conseguirá fazer, (ainda que eles, por terem melhor vista, serem mais ágeis e mais baixos, estejam mais perto deles, lol...) .

      Porque menciona o Cabo Espichel no seu texto, a minha sugestão para si vai no sentido de os ir procurar numa praia/ arriba fóssil que fica relativamente perto, a Praia da Foz ( entre na praia e siga uns 100 metros, tudo para a sua direita), logo antes do Meco, para quem vem do Cabo. Vai encontrar muitas conchas, e se tiver sorte, alguns dentes. A verdade é que nos últimos anos, a afluência acrescida de pessoas tem vindo a ser muito maior, e por isso mesmo a sua recolha incrementou bastante.
      Mas aí, na Praia da Foz, eu encontrei um espantoso dente de Megalodon Carcharius com uns 6 cm de comprimento. Está exposto no balcão da GO Fishing em Almada, dentro de uma redoma de vidro.
      Os melhores momentos para procurar são aqueles que se seguem a um período de chuva de alguns dias. O barro fica mais macio, mais fácil de os conseguir desalojar.
      Há muita coisa, mas cada vez mais é preciso procurar melhor. Para quem faz mergulho, ou snorkeling, é mais fácil. Na zona a seguir à rebentação, nos fundões onde se deposita o cascalho, há muitos. Aquilo tem um paredão de pedra comprido, a cerca de 4 metros de fundo, perpendicular à costa, com rasgos onde se escondem safios, moreias, abróteas, e alguns cavaquinhos. Depois, para o lado de terra, faz uma cova com uns 20 metros, onde se deposita cascalho, areão grosso e alguma areia mais fina. Os dentes estão aí, sendo que muitos já acusam o desgaste da erosão. Escolha os melhores.

      Um grande abraço!
      Vitor Ganchinho

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  2. José Pombal13 julho, 2022

    Já tinha intimamente decidido meter-me no carro e fazer uma espécie de romagem de saudade ao Cabo Espichel, reproduzindo aquela outra viagem que fiz há mais de trinta anos. E, a partir daí, seguir o meu instinto (modéstia à parte, sou razoável a fazer isso) até me encontrar com um tubarão....em forma de dente. Tive o cuidado de não pedir, nem sequer lhe sugerir, que me desse dicas para lá chegar. Afinal, o Vítor entusiasmou-se e publicou o mapa do tesouro, eheheh. Que terei todo o gosto em seguir um destes dias. Uma especial referência ao dente de Megalodon, uma peça impressionante. A foto está muito bem conseguida porque permite ter uma noção imediata do seu tamanho por comparação com a palma da mão que o segura e, a partir dele, calcular mentalmente as dimensões bíblicas do animal que o ostentou. E muito obrigado por este interessante naco de prosa. Cumprimentos para si e para a Mafalda, ela nem imagina a inveja que lhe tenho mais a sua colecçãozinha particular, eheheh!!

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    Respostas
    1. Bom dia José Pombal

      A Praia da Foz já não é o "El Dorado" que já foi para encontrar dentes de tubarão. Houve uma altura em que bastava passar por lá e recolher uma dúzia deles. Para que tenha a noção, as pessoas que vendiam conchas no Convento, na Ponta do cabo, iam lá abaixo, escolhiam os melhores e vinham vender aos turistas.
      Um pouco como aquilo que fazem as mulheres senegalesas, que vendem mangas a quem pára na estrada: recolhem as mangas que são aos milhões, metem num alguidar, e à paragem dos carros, vendem mangas a 20 cêntimos o kg. Maduras e deliciosas.
      E essas mangas são colhidas das árvores que estão a 20 metros da estrada, selvagens. árvores de ninguém....como os dentes.

      Abraço
      Vitor

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