SOBRE A SAÚDE DOS NOSSOS ROBALOS...


Sabemos pouco, mesmo muito pouco, sobre aquilo que se passa debaixo de água em termos de saúde. Temos a percepção de que a água do mar “mata a bicheza” e isso, e também uma grande dose de fé fazem com que não tenhamos um segundo de hesitação quando se trata de comer o peixe que pescamos.
Queremos tanto acreditar nisso que nos custa pensar que possa ser de outra forma. Deixem-me descansar-vos: na verdade é mesmo assim.
Mas estaríamos errados ao não considerar a possibilidade de já termos comido peixes com “alguns problemas”...


Este robalo tem irregularidades nas escamas, conforme podem ver. Acontece muito nos robalos selvagens, porque lutam pela vida todos os dias. E muito pouco nos robalos de aquacultura, os quais são controlados durante todos os processos e estágios de criação.


O tema de hoje versa isso mesmo, as condições de saúde dos nossos peixes. E vamos precisamente analisar um daqueles que mais nos diz, o robalo, o nosso predador de eleição.
Porque os trabalhos de campo não abundam, vamos fazer assentar a base deste trabalho sobre a grande fatia do pescado consumido hoje e dia: robalo de aquacultura.
O peixe produzido sofre de doenças que ultrapassam em muito aquilo que ocorre na natureza, desde logo porque a concentração de peixes é bastante superior, o que induz a uma maior possibilidade de contágios.
Vamos ver o que dizem os criadores de peixe, aqueles que chamam aos nossos queridos robalos….”producto”, aqueles que fazem o papel de Deus e criam alevins aos milhões, e que só ganham dinheiro se os peixes que eclodem chegarem a grandes. Lembro que o robalo selvagem, aquele que nos interessa, é um peixe que reproduz em condições não controladas, depende de factores que por vezes são tão aleatórios quanto isto: uma boa postura, ovos fecundados, tudo perfeito, mas de repente um abaixamento repentino de temperaturas e …ou por exemplo um ataque massivo de pequenos peixes, carapaus, cavalas, às ovas pelágicas, e todo o esforço reprodutivo vai por água abaixo, sem remissão.
Em condições naturais, o maior ou menor sucesso reprodutivo depende em larga medida de factores não controláveis pelos progenitores. Machos e fêmeas fazem a sua parte, deixando o resto ao cuidado da mãe natureza, e isso significa haver anos bons e anos maus. Na aquacultura não há espaço para esses imprevistos.


Robalo que pesquei com um jig muito lento, em técnica slow jigging, num dia de águas completamente paradas, sem vento. Um dia com pouco vento pode ser tão complicado quanto um dia de muito vento, um não nos desloca do mesmo sitio, o outro empurra-nos rápido demais. 


Mais de metade do pescado consumido no nosso planeta é, infelizmente, de origem “extra natural”, ou seja, é produzido em tanques. E a percentagem de peixe cultivado aumenta de ano para ano, com tudo o que isso representa de positivo e negativo.
Pela positiva porque a pressão sobre os stoks de peixe selvagem diminuem, libertando espaço para nós, pescadores lúdicos. Negativamente por muitas razões, entre as quais a menor qualidade do peixe enquanto alimento, a possibilidade de ingerirmos medicamentos com os quais, definitivamente, não contamos no acto de compra desse peixe.
E como é isso da vacinação de peixes? Alguém os segura com uma mão enquanto os injecta com outra? Como somos afectados na nossa saúde ao comermos peixes vacinados?
A informação que tenho reporta-se a dados recolhidos na Holanda, e data de 2014. Ao que parece, ninguém se sente muito confortável a tocar este assunto. Entende-se o porquê: estamos a mexer no “campo minado” onde muitas e respeitáveis pessoas ganham o seu dinheiro.
A vacinação de peixes visa protegê-los contra doenças e mortes prematuras. Acima de tudo, o peixe tem de ir parar aos expositores dos supermercados. Ponto final.
“A compreensão do sistema imunológico dos peixes levará a métodos de vacinação eficazes e peixes de viveiro saudáveis”, afirmou Geert Wiegertjes, professor de Biologia Celular e Imunologia da Universidade de Wageningen.
Este eminente professor explicou o seu ponto de vista no discurso inaugural de um congresso sobre “peixe de produção”, e sendo alguém com responsabilidades científicas na matéria, e um dos mais conceituados especialistas em bilogia aquática, convém ouvi-lo.


O salmão é invariavelmente tratado contra doenças e parasitas.


Diz ele: “A essência de um sistema imunológico ou de defesa é a capacidade de distinguir entre as células do próprio corpo e as de outro organismo”.
As perspectivas para a vacinação e outras medidas para melhorar o sistema imunológico em peixes assentam nesse princípio. A vacinação é geralmente vista como o desenvolvimento médico de maior sucesso na história da saúde.
Na visão do professor, existem três possibilidades para vacinação de peixes em criação de aquacultura. O método individual, em que os peixes podem receber uma injeção, mas só possível e rentável para os tipos de peixes mais caros, em estado adulto.
Peixes jovens, com tamanhos reduzidos, estarão sempre fora deste método. Podem sim ser vacinados fazendo-os nadar num pequeno tanque contendo vacina dissolvida.
E existe um terceiro método, que é administrar a vacina na ração, no seu penso diário. Este último método, disse Wiegertjes, é o melhor, mas também o mais difícil: "Este método não causa stress aos peixes, mas o resultado final é sempre incerto".


Peixes bons para alimentação são aqueles que pescamos no mar, livres e selvagens, a lutar pela sua vida todos os dias.


A necessidade de criarmos peixes para alimentação humana é algo de inevitável. À medida que a população mundial cresce, e isso acontece todos os dias, a procura de fontes ricas em proteínas aumenta de forma constante.
E as capturas de peixe selvagem não respondem, nem poderiam responder, a essa demanda. Há pois que produzir peixe.
Para manter esses peixes saudáveis até a fase de consumo, é forçoso e lamentavelmente importante vacinar-se contra vírus e parasitas. Das consequências que daí podem advir para a saúde humana...


Existem máquinas de vacinação automáticas, (a que podem ver acima é manual), as quais permitem processar peixes em série.


É comum que os dados relativos a doenças sejam escondidos. Interessa pouco à indústria de produção que esses dados venham a lume.
Mas sabe-se que a criação de toneladas de peixes em tanques, ou outros espaços exíguos, leva à proliferação de maleitas que passam de uns para outros.
Todo o processo, de resto, é susceptível de falhas, sendo as vacinas uma forma de garantir que o peixe irá cumprir a sua função: ser vendido.


Os peixes de aquacultura são mortos por imersão em gelo. É uma forma rápida e segura de garantir que irão ficar com as escamas intactas e brilhantes.


Os nossos peixinhos da linha e anzol, debatem-se, lutam connosco, dão tudo o que têm dentro de si para conseguir romper as nossas linhas.
Umas vezes perdem, outras... ganham.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Grande tema Vitor !

    Certamente é um tecido com pano para muitas mangas...
    Cada vez mais somos mais cuidadosos com o que comemos e já nem no mar podemos confiar. A quantidade de peixes selvagens que atualmente acusam microplásticos na carne é cada vez maior e em maior concentração, mesmo em Portugal já temos estudos feitos que comprovam isso. A presença de microplásticos é mais provável em peixes predadores, exatamente por comerem outros peixes que já o podem conter, assim como microplásticos, temos os metais pesados, pesticidas, entre outros...
    A aquacultura está cada vez melhor e a caminhar no sitio certo, agora é certo que alguns aspetos serão dificeis de contornar, as doenças é uma delas....

    Contínuo a acreditar que o sistema dos americanos com o salmão era uma boa ferramenta para fazer em Portugal. Ajudar o peixe a reproduzir em segurança e depois depositar os alevins nas massas de água... se funciona ou não, não sei, mas sem experimentarmos nunca saberemos.

    Na América, salvou alguns rios, e hoje existem negócios de pesca profissional e ludica devido a esses " hatchery fishies"

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    1. Boa tarde André Matos

      O que não falta são temas. O mar é muito grande, e por isso tem em si imensos assuntos que podem ser abordados. Não me faltam temas, falta-me sim tempo para escrever.
      Estou a fazer horas de água a um ritmo que me impede de fazer mais coisas, e o corpo vai acusando o cansaço. Mas faz-se o possível por aguentar.
      Este é um tema que não é novo aqui no blog, mas que me parece bastante actual, por ser um período do ano em que recebemos muto turismo, e em que os restaurantes estão cheios. Comem-se toneladas de peixe de viveiro, e consequentemente muitos químicos. As pessoas não sabem, mas estão a confiar num producto que não tem exactamente as mesmas características dos peixes que pescamos. Comem muito pior. E sobre os microplásticos, também já aqui abordados, o mal é geral. Mas ainda assim, peixe em vez de carne, sem dúvida. Nenhuma.

      Deixo um caso que me parece que devia fazer pensar: existem à venda em grandes superfícies, nas secções de congelados, lagostas embaladas, a preços muito baixos. As plantações de bananas são pulverizadas com regularidade semanal. Não há nada que leve mais pesticidas que a banana. Os ventos levam esses pesticidas para o mar, e nas zonas das plantações, as que ficam perto das arribas do mar, as lagostas estão de tal forma contaminadas que, nesses locais, as populações não as comem. Porque sabem.
      Está a entender a razão dos preços baixos por cá, certo?

      Abraço
      Vitor

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