Quando falo com pessoas sobre pesca e é muito corrente que, para além das cores, venha à baila a questão do tamanho das amostras, ou dos jigs.
Há uma crença generalizada de que só podemos conseguir peixes de bom tamanho quando utilizamos artificiais de tamanhos grandes.
E apontam essas pessoas o argumento de que, tendo os peixes grandes a possibilidade de ingerir peixes grandes, porque se contentariam com iscos/ presas pequenos?
Há aqui um fundo de verdade, uma presunção de lógica aplicada com sentido. Todavia, sendo a ideia não totalmente destituída de fundamento, há a ressalvar um detalhe: isso pode ser quase assim, mas …não é válido para todas as alturas do ano.
Já anteriormente aflorei a questão da temperatura das águas, e da diferença que isso faz em termos de metabolismo/ digestão de presas/ saúde do predador.
Temos a ideia pré-concebida de que se um peixe pode e tem capacidade para comer presas grandes, então irá comer sempre presas grandes. Não é assim.
Esquecemos um pormenor importante: a facilidade no processamento do alimento está directamente ligada à temperatura das águas e a uma maior ou menor taxa de oxigénio dissolvida nestas.
Sabemos que durante os meses de estio, com temperaturas mais elevadas, há um aumento significativo da taxa metabólica do organismo dos peixes. Ficam hiperativos. Isso acarreta maiores gastos energéticos, queima de gorduras, mas também superior consumo de oxigénio, (precisamente numa altura em que as águas o têm a menos. Há muito menos agitação marítima e as misturas no espelho de água são reduzidas). Os nossos peixes lutam contra muitas adversidades, e algumas delas podem ser tão perigosas quanto os nossos anzóis. Ficam por exemplo com muito maior sensibilidade aos efeitos dos poluentes. Fixem isto: águas quentes obrigam ao recurso a outras estratégias de caça, e os peixes sabem disso. Vivem de saber disso.
A tolerância a temperaturas extremas, calor ou frio, depende da espécie, do estágio de desenvolvimento e do período de aclimatação a que foram submetidos os seus organismos. Os peixes migram ao longo da costa, sul/ norte ou norte/ sul, em ciclos anuais que culminam normalmente na chegada a zonas de reprodução, ou à presença de alimento abundante. Mais frequentemente, numa base diária, ou quase diária, fazem-no num plano vertical, em profundidade, onde procuram a melhor solução para situações de temperaturas elevadas, ou baixas, tempestades, movimentações de areias, perseguição humana com redes, acompanhamento ocasional de um qualquer tipo de alimento disponível, etc. Se estivermos atentos, iremos reparar que a uma movimentação de massas de sardinha miúda, biqueirão, caranguejo pilado, corresponde sempre a presença maciça de uma mole de predadores que dias antes não estavam ali. Há efectivamente movimentações que, se aos peixes são obrigatórias, a nós nos interessa conhecer muito bem. Só os pescamos se estivermos onde eles estão.
E temos a especialização de peixes em função das temperaturas, aqueles que vivem de acordo com o que mais lhes convém. Os planos de água doce, rios, lagos, barragens, por exemplo, têm peixes que por questões biológicas, de acomodação, por adaptação fisiológica continuada, podem resistir a temperaturas acima de 35ºC. Mas não resistem à exposição prolongada a temperaturas abaixo de 10ºC. Já as trutas vivem em águas mais frias, sendo o ideal para essa espécie temperaturas entre 10 e 20ºC. Gostam de frio. Os nossos peixes de mar estão habituados a ter um meio ambiente que oscila entre os 11 e os 24ºC, grosso modo. Em geral, para cada espécie existe uma faixa de temperatura ideal para o crescimento e alimentação, podendo esta ser diferentes nas fases adulta e jovem. É também conhecida a influência das mudanças de temperatura na reprodução ou na migração das espécies. Nós pescadores de linha sentimos os peixes reagir a isso, mordendo melhor ou pior. Temos de resto frases que resumem muito bem aquilo que se passa quando corre bem, (“era só lá cair…”) ou muito mal (…”nem um toque”….), e isso mais não é do que a constatação de que algo esteve mal na abordagem que fizemos ao quadro de pesca. A temperatura, o oxigênio dissolvido, e o tamanho das presas são factores intimamente relacionados. A digestão dos peixes é mais ou menos fácil consoante a maior ou menor disponibilidade de oxigénio na água do mar. E isso significa que não é idêntico e muito menos indiferente a um peixe comer uma presa de 250 gramas, ou cinco presas de 50 gramas! Nós não queremos saber, mas eles querem. Também nos parece à primeira vista indiferente a questão da temperatura das águas e no entanto é ela que influência decisivamente grande parte das atitudes dos peixes.
Altas temperaturas: poucas espécies resistem a temperaturas elevadas (acima de 35ºC), pois estão, geralmente, associadas à diminuição nos teores de oxigênio dissolvido no meio e, ao mesmo tempo, ao aumento na taxa respiratória. Condições extremas de calor, de um modo geral, irão resultar na morte dos peixes por asfixia. Mas também as baixas temperaturas podem trazer problemas: os organismos sujeitos ao frio extremo irão apresentar focos hemorrágicos, os peixes ficam letárgicos, mais fracos devido à diminuição da produção do muco protetor da pele, e isso facilita o ataque de parasitas, etc. Nestas alturas, de nada adianta lançarmos amostras, ou iscas, porque os peixes têm outros problemas para resolver. Um outro factor de desequilíbrio são os ditos choques térmicos: são consideradas variações bruscas de temperatura oscilações de, pelo menos, 3 a 4ºC num mesmo dia. Essas variações são extremamente stressantes para os peixes, sobretudo para peixes em estágios mais jovens (e, portanto, mais sensíveis), já que por serem organismos de sangue frio não têm a capacidade de regular a temperatura do corpo e necessitam de um tempo mínimo de adaptação quando há alterações na temperatura do ambiente. Tudo isto para vos explicar que nem sempre pescar com amostras de grande tamanho pode ser o mais conveniente. Se pensarmos friamente, é nas situações extremas que ocorrem mais mortes de peixes. E antes de morrerem, eles adoptam comportamentos erráticos, descontrolados, movimentação a espasmos. Isto, para um predador, é música. Procuram sempre pelos elementos mais fracos de um cardume, por serem aqueles que lhe darão menos trabalho a capturar. E menos dispêndio de energia. Por isso mesmo, uma amostra que faça bolhas à superfície, que faça saltar respingos de água, que crie uma esteira de turbulência, uma direcção de movimento, e ainda por cima essa amostra puder ter alguns hologramas brilhantes a imitar escamas, um padrão e cores realistas, isso confere-lhe uma veracidade acima de qualquer suspeita. Tudo isto ajuda a montar um cenário que em tudo provoca uma reacção a um peixe que está a caçar.
Mas não esqueçam que isto não é válido todos os dias e a todas as horas. Lembrem-se de que os peixes querem saber da temperatura da água onde estão a evoluir. Em função das temperaturas ambiente, (e isso está também relacionado com a hora do dia, a posição do sol, baixo ou a pique, fazendo incidir os seus raios sobre o plano de água, aquecendo-o mais ou menos), assim podemos ou não procurar peixes à superfície, ou teremos de os ir procurar bem mais fundos. Quantas vezes cometemos erros de julgamento que derivam disto mesmo. Como princípios gerais, se estivermos a pescar com águas muito frias, e houver um pouco de sol a aquecer o espelho de água, é natural que os peixes o aproveitem. Sobem a aquecer o corpo nas camadas mais altas da zona onde estão. Se pelo contrário temos águas muito quentes, que retiram grande parte do oxigénio disponível, então os peixes terão tendência a afundar. Quer numa quer noutra situação, os peixes apenas procuram o conforto que podem ter, movimentando-se no sentido de preservar energias.
Foto Carlos Soares. Disponível na Galeria Ayala, Óbidos. |
Isto dá que, se uns dias somos forçados a procurar peixe fundo, com jigs ou amostras afundantes, noutros teremos de fazer o contrário, pescando com stickbaits, ou mesmo poppers, amostras de superfície. Se a isso juntarmos um tamanho de amostra conveniente, digamos algo como 10 cm máximos, passamos a estar equipados com algo que nos pode dar o melhor que esse dia, com essas condições precisas nos pode proporcionar. Se os robalos estão a caçar pequenos peixes à superfície, de pouco interessa ir procurá-los a dezenas de metros de fundo. Nesses dias, algo que flutue, que agite as águas, que possa ser reconhecido como comida por um predador que chega por baixo, tem grandes possibilidades de nos dar peixes. Os problemas que se colocam em períodos de Verão são outros e nem sempre bem resolvidos por quem pesca. Precisamos de amostras leves, que flutuem, não demasiado grandes, mas os equipamentos de pesca que a maior parte das pessoas tem, e quantas vezes o único, foi pensado para lançar amostras pesadas, por detrás da rebentação. E como conseguir conciliar uma cana e uma linha preparadas para lançar amostras de 40 gramas, agora a ser utilizada com amostras leves, de 12/ 15 gramas? A distancia de voo é francamente menor, e ao reduzirmos distância estamos muitas vezes a abdicar de chegar aos locais onde está o peixe. O alcance da nossa amostra de Verão tem de ser máximo, num momento em que o peso da amostra tem de ser mínimo. E isso explica muitas vezes os maus resultados que os nossos pescadores obtêm, sem que consigam perceber que naquele local, naquele momento, algo mais poderia ser feito. Dispor de uma cana e carreto adequados a esta estação seria importante. Uma cana de 2,70 a 3.20 mts, ligeira, com carbono de qualidade, um carreto 3000 ou 4000, leve mas robusto equipado com uma linha PE 1,5, permite-nos lançar amostras leves a grandes distâncias.
De pouco nos vale, pelas resumo de razões apresentadas acima, insistir na nossa amostra pesada, a mesma que utilizamos em dias de ressaca, quando o mar está encrespado, porque no Verão não temos isso. Temos sim dias de mar calmo, parado, a pedir descrição. E isso só conseguimos com equipamento que nos permita chegar onde temos de chegar, sem mais factores de perturbação que os necessários. As amostras de melhor qualidade, hoje em dia já estão quase todas equipadas com sistemas de pistons que lhes alteram o centro de gravidade. O mecanismo de movimento deste centro de gravidade permite fazer com que uma amostra, mesmo leve, (o caso das Daiwa Switch Hiter), possam voar a distâncias perfeitamente insuspeitas, que nem nos atreveríamos a imaginar. Trata-se daquilo que os fabricantes chamam de “impulso de jato”, o qual permite tanto arremessos longos e estáveis quanto uma natação rápida, excitante, apoiando o peso do movimento do centro de gravidade num eixo munido de um pistom e uma mola. Os três elementos de lançamento que nos interessam são: "velocidade inicial no momento do lançamento", "estabilidade da atitude de voo" e "início rápido da natação", e percebemos isso quando temos nas mãos uma boa amostra de pesca a longa distância. Mesmo pessoas que pouco sabem de pesca e com grandes limitações técnicas, podem conseguir melhorar os seus resultados, independentemente da habilidade nata do utilizador. O resto é o costume, é saber escolher a cor, é a técnica de recolha de linha, é no fundo a experiência de cada um. Mas sem o equipamento base não adianta sequer gastar muita energia. Notem isto: a amostra que nos dá peixe de Inverno não é a mesma que devemos utilizar de Verão.
Quando somos capazes de entender o padrão de comportamento dos peixes, quando sabemos o que eles procuram, ficamos mais próximos de os conseguir enganar. |
Partam sempre do princípio de que somos nós a termos de nos adaptar aos peixes, e não o contrário. Eles estão lá, e estão a fazer a sua vida. Os intrusos somos nós.
Conseguimos enganá-los se jogarmos de acordo com as regras deles.
Quanto mais vezes saio à pesca e mais contacto tenho com os peixes, mais entendo a quantidade de factores que têm de se conjugar para conseguirmos obter resultados acima da média.
Pescar todos pescam, uns mais e melhor que outros, mas entender as razões pelas quais a pesca acontece já implica uma boa dose de reflexão.
Vítor Ganchinho