LIXO NAS PRAIAS - CULTURA AMBIENTAL DE UM POVO

Bem sei que aquilo que atrai visitantes a qualquer blog, é o número de robalos e pargos que são expostos na vitrine. Mas este não é um blog qualquer e por isso dedicamos a questões ambientais o tempo e espaço que elas nos merecem. Sem concessões. 
Cabe-nos fazer uma chamada de atenção para a necessidade de todos melhorarmos em algo, cada um de nós ser um pouco melhor. É do comportamento individual, de pequenos detalhes, de um somatório de atitudes positivas, que pode resultar um benefício global.
Cada vez mais o ambiente é algo que está na ordem do dia, porque nos afecta, porque nos limita, e porque altera decisivamente o resultado das nossas pescarias. Não convém subestimar o poder das alterações climáticas, nem vale a pena pensar que isso não afecta os nossos peixes. De certeza que sim.
Os processos de reprodução e desova estão intimamente ligados à temperatura das águas do mar. Más condições implicam um fracasso reprodutivo geral e isso é um perfeito desastre ecológico para uma espécie.
Significa um ano perdido, mas que convém multiplicar por tudo aquilo que deveria acontecer e não acontece. Não é apenas um ano em branco, é uma geração de peixe que irá morrer, pescado ou por velhice, e é ainda toda uma descendência que não irá existir, e que por isso mesmo não irá ajudar à futura perpetuação da espécie. É toda uma massa de peixe que desaparece sem substituição, e outra que nem chega a nascer.
Sabemos também que uma falha de um determinado tipo de peixe afecta todos os outros que directa e indirectamente interagem com ele. Tudo o que não seja um equilíbrio perfeito, traz consequências nefastas para o meio marinho. E obviamente faz-se sentir na quantidade de peixe disponível para nós pescarmos. O aquecimento global faz-nos pescar menos, e se não acreditarmos nisso, podemos pelo menos entender que o faremos de uma forma diferente.
A inevitável mudança de hábitos do peixe acabará por mudar a forma como os pescamos.


Grandes decisões têm de ser tomadas a nível superior, no sentido de proibir completamente a introdução de plástico no quotidiano das populações. Sendo uma solução prática e barata, ela traz no entanto problemas que se irão arrastar por centenas de anos, afectando as futuras gerações.


O mal nem está no plástico, um producto que terá as suas vantagens sobre tantos outros materiais, mas sim naquilo que fazemos com ele, a forma como o utilizamos.
A total ausência de responsabilidade na sua utilização, a forma fácil como o descartamos, leva a problemas que a seguir não somos capazes de resolver. O caso dos microplásticos é apenas uma consequência de algo que acontece a montante, e, porque depende sobretudo da consciência cívica de cada um, resulta mal.
Pensar que as pessoas poderão ser responsáveis perante a utilização de plástico, é o mesmo que pensar que todos os cidadãos do mundo serão suficientemente conscientes para não premir o botão de ignição do lançamento de uma bomba atómica. No meio de tantos milhões de pessoas, há sempre muitas que sabem que não o devem fazer, e não o fazem, e algumas que não resistem à curiosidade …de ser Deus por um segundo e decidir sobre a vida de todos.


As praias no Senegal (e infelizmente em tantos outros países por esse mundo fora), estão repletas de plástico.


Fazer um passeio por um areal de um país africano é tropeçar, a cada instante, com algo que não deveria estar ali. Poderão argumentar que as praias não são limpas.
Verdade que não, mas a questão que se coloca não é a de limpar, é mesmo de não sujar. Ou seja, o processo começa a montante, e decorre da cultura ambiental de um povo.
Das conversas que tive com responsáveis locais senegaleses, a ideia que me fica é que se sentem a pregar no deserto. Eles sabem que não deve ser feito, mas sentem-se impotentes para travar uma enxurrada de plásticos contando apenas com os dedos das suas mãos. Se recolherem hoje 200 quilos de plástico, amanhã de manhã o mar traz mais 300 quilos. Em alto mar, a quantidade de resíduos acompanha aquilo que pode ser visto em terra. Estão em todo o lado. E na génese de tudo isto está a facilidade com que alguém se descarta de uma embalagem de plástico numa qualquer rua de Dakar. O sentimento geral é de “lancei a embalagem para o chão, já me livrei deste meu problema”. A seguir, essa pessoa que lançou um plástico fora irá contribuir para um acumulado de resíduos perfeitamente assustador, milhões deles, muitas toneladas de plástico, que nos penalizam a todos nós. Os mares estão todos ligados, as correntes e os ventos distribuem.


Tudo pode ser encontrado numa praia. Em dois minutos fiz estas fotos, numa área de poucos metros, sendo que o panorama geral é de desolação total.


Na minha opinião, e tive oportunidade de a dar localmente a quem de direito, o assunto é de tal forma grave que deve ser objecto de uma forte campanha de sensibilização nacional, e de um enquadramento prioritário a nível escolar. É aí que se decide o futuro. São as crianças de hoje os futuros cidadãos responsáveis de amanhã. E por isso mesmo, insistir em acções de formação nas escolas só pode ajudar à resolução deste flagelo. Formar consciências, criar reflexos de protecção, é disso que se fala.


Nada mais emblemático: um pequeno choco morto, ao lado de uma garrafa abandonada.


A interacção do plástico com a cadeia alimentar marinha é algo mais que provado. Acaba inevitavelmente por entrar na alimentação humana, afectando a saúde de milhões de pessoas que o ingerem. A médio e longo prazo, aqueles que hoje lançam resíduos nos cursos de água, no mar, nas ruas de uma qualquer aldeia, terão o retorno desse acto, sob a forma de falta de saúde. Sua e dos seus familiares.
Não é incompatível conciliar baixos custos a um estilo de vida mais saudável. Sabemos que a falta de informação pode gerar situações menos abonatórias, mas neste caso, não acredito que o problema seja exactamente um défice informativo. Quem pode achar que lançar plásticos no chão é algo de bom? O problema é mais profundo, e seguramente se nada for feito, levará dezenas de anos a ser solucionado.
Parece-me que a consciência ambiental daquele povo terá de ser suficientemente estimulada de forma a produzir efeitos visíveis e imediatos, sob pena de toda a sociedade ser penalizada.
Quem quer fazer turismo de praia num país onde todas as praias estão sujas? Ter tantos pontos de interesse turístico e não os poder explorar, não poder capitalizar a seu favor a bênção de ter motivos de visita é algo que deve fazer pensar quem decide. Quem quer visitar lixeiras de plástico? Que interesse pode ter alguém em ir gastar o seu dinheiro a ver desgraças? E como explicar isto a quem tem uma tendência nata para o exagero?
Sim, esta gente é dada a exageros. Ou não tivessem um baobab com 32 mts de diâmetro de tronco em Nianing, com mais de 1000 anos, (onde pessoas mais ilustres são enterradas).
Também nos plásticos são fortes.


A ausência de condições naturais para a construção de portos e marinas leva a que as embarcações sejam fundeadas nas praias.


Recordo-me de, numa visita anterior, ter debatido durante horas a questão da chacina desenfreada de peixe de fundo, meros, badejos, pargos, por caçadores submarinos furtivos, equipados com garrafas.
Os responsáveis locais, depois de me ouvirem expor as minhas razões, de forma exaustiva e ao longo de umas três horas, defendendo o cancelamento imediato das saídas de caçadores submarinos ao mar, equipados com as inevitáveis garrafas de oxigénio às costas, e tendo eu feito alusão ao valor de um mero vivo, (a poder ser visitado no mesmo local centenas de vezes por grupos de pessoas estrangeiras, a pagar essas visitas), versus o seu peso em morto, aquilo que é possível obter a partir da carcaça de um peixe que pesa x kgs, e do valor comercial infinitamente inferior que é possível obter a partir da sua morte, pois a resposta foi ”sim, mas nós temos de matar esse mero hoje, porque precisamos desse dinheiro hoje”…
O “hoje” em África sobrepõe-se fatalmente ao melhor resultado a obter amanhã. É muito difícil planear desta forma, é difícil vencer a inércia de um povo que se habituou a encarar o dia de hoje como o único que conta.
Se seria possível abrir hotéis para receber grupos de turistas interessados em ver o mero na sua cova, ao longo de anos e anos, com a inerente criação de postos de trabalho, e com a movimentação de valores que isso implica em estadias, alimentação, aquisição de artesanato, etc, a resposta é a mesma de sempre: “o povo tem de comer hoje, não amanhã”…
Para isso, mata-se um mero, conseguem-se 100 euros, e o assunto acaba ali. O mesmo mero, vivo, ao longo dos anos de permanência no seu buraco, pode render centenas de milhares de euros ao país.
Não dá para entender...


Esta praia seria fantástica, com todas as suas pirogas de trabalho alinhadas, lindas nas suas pinturas típicas do Senegal. Mas vejam a quantidade de lixo que é preciso pisar para se chegar a elas...


As pessoas que se lamentam da falta de turistas e da entrada de divisas que eles proporcionam, são as mesmas que não se incomodam em demasia por lançarem plásticos no meio ambiente.
A quantidade de unidades hoteleiras activas e a consequente criação de emprego está directamente ligada ao número de pessoas que aceita visitar um país.
O desemprego é um problema grave no Senegal, é recorrente, mas há recursos naturais que permitem absorver a mão de obra disponível mas não ocupada. O turismo é um desses sectores.
Mas a solução passará sempre por fazer uma prévia preparação do país para poder ser visitado. E isso requer uma mobilização geral de todos, para que sejam localmente criadas condições para deixar fluir a entrada de pessoas interessadas em visitar o muito que pode interessar-lhes. A questão é saber se isso pode ser um desígnio nacional, uma prioridade…ou não.


Mais do que dinheiro, falta consciência cívica, falta uma visão nacional daquilo que poderia ser feito.


O Senegal é rico em reservas de gás natural. A escassez deste producto na Europa pode levar a que se estabeleçam parcerias comerciais que inevitavelmente irão transformar a face de um país indiscutivelmente pobre. Pobre de desenvolvimento tecnológico, que não de recursos naturais, porque esses existem.
Há muito por onde melhorar, assim as pessoas queiram a mudança.
Pode até acontecer que aconteça uma inflexão na forma como o mar é hoje visto. Até ver, a exploração da fauna marítima é quase máxima, os stocks de peixe ressentem-se da pressão. Vendem-se quotas de pesca absurdas a troco de ofertas de estádios de futebol.
Vamos ver com o evolui um dos países com melhores condições naturais do mundo para a criação de peixe.


Uma pessoa só pouco pode fazer, mas todas juntas sim, podem mudar a face de um país. Para melhor.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Excelente reflexão. Pena as pessoas não pensarem no futuro. Vamos ter esperança 🙏🏻

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    Respostas
    1. Bom dia António Lopes

      Efectivamente, muito há a fazer para que se consiga um equilíbrio ambiental, uma relação sustentável com o meio ambiente em que vivemos. Somos nós todos quem tem de dar uma resposta firme e decisiva, através das nossas acções. Penso que chamar a atenção para este tipo de exemplos pode ajudar as pessoas a pensar que não queremos isto. Muitas vezes é preciso que se chegue a estes extremos para percebermos o quão importante é a acção de cada pessoa.

      Obrigado pelo seu comentário.


      Vitor

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