ONDE ANDA A ASAE DELES?!... CAP I

Poupem-me a dizer-vos que fiz esta visita ao mercado municipal de M`Bour apenas para vos trazer umas fotos …”mais estranhas”, exemplificativas da diferença colossal entre um mercado africano e um europeu. Nada disto é novo para mim, que tenho muitos anos de pescar em África. Eu já lá tinha estado anteriormente, e desta vez fui apenas com a firme intenção de conseguir material para escrever.
Só eu sei o que sofri na pele, e no nariz, para que vocês possam agora, no conforto de vossas casas, ficar a saber como é possível a alguém chamar de “comida” a algo que um europeu, qualquer um dos meus leitores nacionais, seria sequer capaz de ousar tocar com os dedos.


Esta saída de esgoto a céu aberto corta a meio o areal do mercado.


Perceber o esforço que é feito no sentido de alimentar toda esta gente não deixa de ser fantástico.
Tenho para mim que no meio de todo este caos, desta desorganização absoluta que nos choca, que fere a sensibilidade de um europeu, que nos deixa sem palavras perante a crueza daquilo que os nossos olhos veem, só pode haver um enorme alinhamento, um vetor que conduz esta massa humana desprovida de quaisquer recursos, a conseguir sobreviver. É um tremendo milagre!
Passar algumas horas num mercado como o de M’ Bour, aquilo que eu fiz, não é o mesmo que viver lá!


Saída de águas para o mar. A presença de plásticos é uma constante, a indiciar que medidas governamentais deveriam ser tomadas, e com urgência.


Falar de microplásticos a estas pessoas, quando elas têm tanto mais com que se preocupar, é de si um absurdo. No meio de tantas possibilidades diferentes de morte imediata, ouvir dizer que deveriam retirar o plástico das suas formas de acondicionar e transportar alimentos, ou seja, cuidar de algo que pode vir a acontecer no futuro, é inútil.
Porque aquilo que os pode matar nem é algo para amanhã, é algo que existe já ali, …hoje!


Ovelha morta, a permanecer dias e dias no local onde se passa com o peixe que toda esta gente irá comer… hoje.


No meio de toda aquela gente, de milhares de pessoas que circulam, está uma ovelha morta há vários dias! Como pode ser?!
Se esta gente come peixe que eu não ousaria sequer tocar com luvas isolantes, e que francamente me incomoda até olhar pelo canto do olho, se esta gente chama comida a isto que vos mostro, então estamos na presença de super mulheres, e de super homens!
Eles não morrem com aquilo que nos mataria a todos nós em poucas horas! Falem-me de doenças, de cuidados de higiene, de esterilizar os biberons das nossas crianças, de propagação de vírus e doenças, e eu mostro-vos mais fotos. Eles aguentam!
A questão é saber como, porque eu saí do mercado de M’ Bour a pensar que tinha estado do outro lado da vida. Tem de ser muito duro estar, viver e trabalhar ali!
A qualidade daquilo que comemos em Portugal está a anos luz daquilo que eu vi com os meus olhos. E todavia as pessoas não morrem. E isso é espantoso!


Não vos queria desanimar, mas isto é comida.


Quando pensamos que já vimos de tudo na vida, eis que aparece algo que excede todas as expectativas em termos de ruim. Se acham que já estiveram em lugares pouco recomendáveis no aspecto de salubridade, pois desenganem-se. Há bem pior!
Ao questionar os transeuntes sobre a razão de estar ali aquele peixe podre no chão, ao sol, amontoado em diversos montes, coberto de moscas varejeiras, alguém me disse:
“ É o peixe que daqui a uns dias, se não for vendido antes, irá ser utilizado para fazer peixe seco. Neste momento ainda está fresco, e espera comprador…”
Confesso que me faltou o ar com esta resposta. Aquilo que estava a ver era uma espécie de meio termo entre peixe fresco, acabado de pescar, e de peixe seco, vendido nas aldeias do interior.
Estava exactamente a meio caminho entre um peixe a nadar livremente no mar e uma massa pestilenta de algo a que alguém um dia ainda iria chamar de comida.
E obviamente quis ir mais fundo na questão. Os leitores do blog não me perdoariam se eu, já que estava ali, não fizesse um esforço para saber algo mais.
Com risco de vida, apertei o nariz com dois dedos e avancei.


Este “peixe” que aqui podem ver, será um dia mais tarde algo exposto numa banca de venda de peixe. E comprado. 


Resolvi seguir a pista até ao fim, indo até onde me fosse possível.
De momento, aquilo que me estava disponível seria tentar entender como é elaborado o circuito comercial de algo que na Europa seria motivo de intervenção severa da ASAE de qualquer país. E seguramente objecto de multas pesadas.
Ao olharem para o estado de decomposição daquilo que podem ver (mas não cheirar….), não vos oferecem dúvidas de que algo de estranho se deve passar para que alguém no seu perfeito juízo possa um dia vir a pagar, a dar dinheiro por isto. Mas vocês não vivem numa aldeia remota e interior do Senegal, ou do Mali, por exemplo.
Caso não tivessem outra possibilidade, e nem dinheiro para comprar peixe fresco, ...provavelmente compravam.


Um pequeno tubarão. Não deixa de ser uma morte prematura e inglória para uma espécie que tem milhões de anos de evolução nas águas do mar.


O processo é simples, e não exige meios demasiado elaborados: pensem que são os proprietários desta “coisa”.
Ao fim de uns 8 dias, se não conseguiram vender de forma alguma o vosso “producto”, então vão ter de encontrar maneira de fazer dinheiro com ele.
Já aqui vos trouxe uma reportagem que fiz no Lac Rose, um lago natural, junto à costa, onde é feita a extração do sal. Concretamente é o local onde acabava o Rally Dakar, lembram-se? A última etapa dessa maratona nas areias acabava exactamente nas margens desse lago. E de onde sai sal às toneladas, todos os dias, para lançar sobre as estradas com neve de França, Bélgica, e muitos outros países europeus. E que também irá servir-vos para lançar sobre vosso o peixe, de forma a obter uma massa seca a que um dia se irá dar o pomposo nome de “peixe seco”. Este peixe é vosso. Vamos ver como se conseguem desenvencilhar de forma a fazer dinheiro com ele.
O stock que têm é algo como aquilo que podem ver na foto em baixo. Não é difícil escalar com uma faca, de resto está absolutamente podre, abre facilmente a meio.


Os olhos já foram, e com uma análise apurada já poderão encontrar alguns bichos da mosca da vareja. Este é o stock de peixe que vocês têm para vender.


Porque eu sou vosso amigo, deixo que possam dispor de uma oferta variada, e por isso podem pegar em diversas espécies de peixes e fazer um “sortido” de peixe salgado.
Poderão argumentar que o sabor de toda esta trampa deve ser igual, depois de carregado de sal em quantidades industriais. Talvez não….
Há clientes que preferem esta ou aquela espécie. Por exemplo o peixe balão é apreciado co mo uma iguaria, e por isso vos deixo incluir no vosso lote um deles.
Ver foto abaixo.


Escusam de dizer que vos estrago com mimos. Este peixe balão vai ser a cereja em cima do bolo para que consigam vender por bom preço o vosso lote de “caliqueiras”...


Amanhã vamos ver o resultado da vossa salga, e ver se o producto final pode ou não obter a aprovação da vossa companheira, namorada ou mulher, na cozinha.
Vamos ver se daqui sai algo “comestível”….



Vítor Ganchinho



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