ONDE ANDA A ASAE DELES?!... CAP II

Ontem iniciámos esta saga da produção de peixe seco.
Vimos que o producto em si não exige demasiados cuidados técnicos. De início, é pôr ao sol e esperar oito dias, para apodrecer bem, e então iniciar a salga.
Aí, contamos com o facto de o Senegal ser um país excedentário na produção de sal, de resto exporta para todos os países vizinhos e também para a Europa.
Por isso mesmo não vai haver falta de sal para a execução do trabalho. A vossa missão é transformar o peixe podre que vos mostrei ontem, em producto vendável. E ser capazes de ganhar dinheiro com isso.


Tapam tudo com sal, e esperam uns dias. A seguir, batem com uma tábua e o sal cai. E fica bonito, como podem ver. Desde que não venha a ASAE colocar problemas, isto é dinheiro em caixa. É como se já estivesse vendido. 


A apresentação do producto também conta. Como se costuma dizer, “os olhos também comem”. Por isso mesmo, vamos caprichar no peixe seco, de forma a que os clientes comprem uma vez, e, aqueles que não morrerem de difteria, espasmos no fígado e de tétano, possam voltar a comprar mais.
Façam as coisas com termos, por favor! O peixe tem de ficar apresentável.
Numa primeira fase podem vender por atacado, num lote, mas perdem dinheiro. Bem melhor é esperar que os clientes surjam, um a um, e adquiram por um preço mais elevado.
Afinal de contas, quem pode resistir a um petisco destes?!


Esta montra não tem a categoria da foto de cima. Vê-se que está menos cuidada, mais pobre. E todavia tem até mais moscas na decoração. No canto superior direito aquilo que veem são tripas de peixe. São meramente decorativas, não estão secas.


O aspecto final conta muito. Afinal de contas, o cliente tem várias opções e pode escolher.
A minha sugestão vai no sentido de trabalharem a questão do cheiro, e das moscas, atractivos que podem ser decisivos no acto de escolha do consumidor.
Não há preços afixados, porque não fazem sentido. Aqui, como de resto em tudo, os preços começam nos “quinhentos” para irem sendo delapidados até chegarem a “três”.
Negociar para esta gente é uma arte. Alguém que compre pelo primeiro preço pedido é considerado um traste, que nem para negociar tem serventia.
A personalidade da pessoa que negoceia mede-se pela quantidade de horas que é capaz de argumentar, de tentar baixar o preço. E se não o faz, a imagem que deixa é de pessoa fraca, sem categoria. Regatear até à exaustão é pois necessário, leva horas. Mesmo se o assunto envolve apenas 50 cêntimos de euro.
Abaixo têm um peixe composto, bem seco, quase diria gourmet, e que decerto não será difícil vender.


Isto é bom. É material bom, que leva dias e dias a conseguir. São peixes com cerca de 25cm, bem podres e pestilentos. 


Pode fazer-se peixe seco a partir de imensas variedades de espécies. Os peixes de menor tamanho, porque têm uma massa de carne mais fina, acabam por secar ao sol mais depressa. Neste caso, a pressa é inimiga da perfeição. O facto de apodrecerem demasiado rápido retira-lhes características organoléticas que são preservadas nos peixes de maior porte. Vejam abaixo como ficam bonitos e bem apresentados quando já têm algum peso. Fazem lembrar o nosso bacalhau, que de resto não estará muito longe disto. E nós comemos bacalhau às toneladas...


Isto, na sua quase totalidade, são peixes dos estuários, não muito longe das nossas corvinas. 


Nem só de peixe salgado vive o homem. Abaixo têm uma outra variante, a do peixe fumado.
Nada mais parecido com aquilo que são práticas ancestrais europeias, sobretudo nos países nórdicos. Como podem constatar, as diferenças não são assim tão grandes. Será uma questão de mais ou menos moscas, mas as soluções de preservação de peixe não são infinitas e por isso mesmo rapidamente dão a volta ao mundo.
Vejam abaixo as lindíssimas cores que consegui captar. Façam o favor de apreciar a qualidade das imagens, porque me custou um horror consegui-las!


Peixe fumado, à venda apenas em meia dúzia de bancas. Esta especialidade obriga a cuidados de produção que são mais trabalhosos que a salga. Não sei se no vosso caso, porque querem desenvencilhar-se do peixe o mais rapidamente possível, se será uma boa opção.


A salga de peixe é um método universal. Permite preservar durante anos proteína comestível e isso tem um valor incalculável quando se trata de populações que vivem em regiões muito remotas, demasiado afastadas do mar para que possam sequer ter a veleidade de poder consumir peixe em fresco.
Por isso mesmo existe a possibilidade de o vender sob outras formas de preservação. O fumado é uma opção válida, e neste caso não vamos sequer tecer considerações sobre o que poderá ser melhor para a saúde. Não é disso que falamos, de saúde, mas sim de sobrevivência pura.
Em qualquer outro caso, a opção de comer isto que vos mostro nem seria opção. Vejam as imagens abaixo, e digam-me se acham que sugerir à vossa mulher fazer uma refeição com este peixe fumado seria boa ideia. Ofereçam-lhe também uma embalagem de molas da roupa, para apertar o nariz.
Não esqueçam que este é o peixe que esteve oito dias ao sol, (ver artigo de ontem), e que por isso mesmo pode exigir que, a terem a coragem de fazer mesmo esta “receita” lá em casa, tenham eventualmente de abrir as portas e janelas da casa todas, de par em par.


Acreditem, este cheiro entranha-se nas roupas. Eu, ao chegar ao hotel, aquilo que fiz foi meter tudo num saco, e trazer à rua, onde as ofereci. A pessoa nem queria acreditar, para ele foi uma lotaria inesperada. E eu também não, porque me tinha visto livre delas….é uma relação win-win.


Aqui têm então o espaço comercial onde poderão vender o resultado de todo o vosso esforço de salga e preparação de peixe. Boa sorte!


É muito comum que nas tabancas onde se vende o peixe salgado, ou fumado, se venda também o den-den, o óleo de palma que servirá para uma data de receitas que levam peixe seco.
Podem ver esse óleo dentro das garrafas de plástico, em cor vermelha.
Sugiro que deixem à imaginação das vossas esposas a execução de uma receita valente, que agrade a todos.
Em jeito de traço final, acreditem que é muito duro entrar nos meandros de um mundo que objectivamente não é o nosso. Mas não convém subestimar quem participa, a produzir ou a adquirir estes productos.
Na verdade, são pessoas que têm as mesmas necessidades fisiológicas que nós temos e se algo nos choca, isso deve-se a diferenças culturais, e pouco mais.
Porventura se tivessem outros meios fariam diferente. Mas não morrem por fazer assim e se há algo comprovadamente seguro é isto, porque as pessoas estão lá, compram, comem e seguem a sua vida. Outras defesas no seu organismo?
Nem me preocupo em sabê-lo, certamente terão algo que os torna mais resistentes que nós a determinados factores. Para eles vai bem e devemos respeitar quem faz diferente de nós.
Porventura também por aqui se fazem coisas que a eles não convencem de todo. Das conversas que sempre tenho com os meus amigos senegaleses, sobressai sempre o respeito mútuo por diferenças culturais.
Eu não rezo a nada, mas o meu amigo Mohamed sim. Quando vem a Portugal, ele precisa que eu lhe dê cinco espaços de tempo por dia, a sós, para fazer as suas preces. Que mal vem ao mundo por isso?
O respeito que outras culturas nos devem merecer estendem-se também a questões de ordem alimentar, e isso é garantido da minha parte.
Eu para mim prefiro robalo grelhado. Fresco.
Vá lá, …não brinquem com a questão do fresco...



Vítor Ganchinho



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